Cernuda

Um andaluz será para o mundo o grande civilizado, não o entendamos como a uma gratificação da espécie, mas apenas enquanto sentimento meridional que tudo reverte em luz, fruto de umas poderosas entranhas onde até a lua toma contornos de vasto clarão.

Esta energia nunca deixará de jorrar nos nossos sonhos pelo muito que a Terra nos deu, fecundou, e fez conciliar em terreno andaluz, seu jardim das Hespérides. Falar dos seus naturais também nos dá prazer, que neles perpassa um denominador comum difícil de ser ocultado pela graça de suas naturezas de um sul enfeitiçante. Luís Cernuda nascido em Sevilha é um dos muitos ilustres filhos da terra que nos deu a alma inteira na sua excepcional poesia. Cernuda é um imenso poeta que nos enche de reverência e encanto.

Nasceu logo no início do século vinte e foi na universidade de Sevilha que teve um professor, de seu nome Pedro Salinas, que o viria a inspirar, e definitivamente conduzi-lo a ser esse grande poeta em que se tornaria, indo então para Madrid onde nasceria o embrião da “Geração de 27” que integrou, e onde publicaria a sua primeira obra “Perfil Del Aire”.

Um grupo que marcaria um movimento moderno, revolucionário, que durante a Guerra Civil de Espanha foi a maior oposição ao fascismo, vanguarda de que nunca deixara de participar activamente nas trincheiras com a sua voz, intervenções e congressos. Cernuda era no entanto apaixonado pelos românticos, e deles certamente recebeu influências, sendo que, e ainda, vamos encontrar essa marca em sua poesia que transporta sempre o cunho dessa aura e o eleva, e como dizer – um utópico no meio da realidade do século vinte- mas os poetas são os poetas, e sem a marca de água das suas simpatias nenhum século tem nada para lhes oferecer.

Depois, parte para Toulouse, sul de França como leitor de espanhol na universidade desta cidade, mas ficaria aí por pouco tempo, fora proclamada a República, e tinha de estar presente no seu país para ajudar com seu tributo à causa que desejava livre, menos bravia e culturalmente mais humana. Não duraria muito a sua jornada em terras nacionais, a guerra instalara-se, e segue para Inglaterra inaugurando o seu exílio, e foi nele que aparecem “As Nuvens” no ano de 1940.

Estas Nuvens têm contacto com este nosso nevoeiro, as nossas, envolvem-nos de forma mais impenetrável, estão rentes ao chão e levam à cegueira o branco enquanto guia, as de Cernuda, porém, eram altas- alto- cúmulos- e falam-nos daquele que não regressa mais ao seu país e o vê por entre os céus desses flocos altos onde já não lhe é permitido tocar. Ninguém pode explicar melhor a dor que um livro de poemas assim “ya la distancia entre los dos abierta/ se lleva el sufrimento, como nube”

E agora errante, o nosso poeta parte para os Estados Unidos da América onde irá lecionar, mudando-se pouco depois para o México onde outras obras de relevo apareceriam ” Desolación de la quimera” uma continuação de “Nuvens” e todo um trabalho ensaístico em jornais e revistas mexicanas. Dos seus amigos da “Geração de 27” só Alberti chegaria a velho, muito velho, e creio que ainda manteriam contacto, aliás, ambos nasceram no mesmo ano Ano de 1902.

Afinal foi em Sevilha que o movimento começara, celebrando o mais alto instante da participação cívica nacional pela iniciativa de grandes poetas, nessa Andaluzia onde a justiça se impõe, a beleza se faz lei, e todas as formas de arte acontecem, e foi a partir de Gôngora que esta saga intrépida se juntara, também ele um andaluz, na conquista de um marco radicalmente novo e civilizacional. A sua proximidade ao surrealismo fê-lo um artesão continuado de certa intimidade, mas longe ainda do seu amigo Garcia Lorca que se fez matar em jovem idade e onde as abordagens às suas homossexualidades nem sequer coincidiram.

Enquanto amante do romantismo escreve “Pensamento poético na lírica inglesa” talvez em honra de Keats, poucos anos antes de morrer em 1963. É um poeta que a Ibéria deve tentar refletir na sua assombrosa diáspora onde nos foi dando razões sempre para partir. Mas não voltar a essa Andaluzia natal, tê-lo-á interpretado como sendo expulso do paraíso, que ela viu nascer em seu ventre os seres mais impressionantes desta nossa Península.

aos vossos escritores de hoje não os leio já.

daí o paradoxo: sem terra e sem povo, sou

um escritor muito estranho; sujeito fico ainda mais que outros

ao vento do esquecimento que mata quando sopra.

In «Aos seus compatriota», tradução e selecção de José Bento

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