EventosMacaenses | João Oliveira lança livro sobre humor no patuá Andreia Sofia Silva - 29 Abr 2024 Foi lançado, no passado dia 19, o livro ” O Latinórum na Tóri di Babel – Humor e Língua na Literatura em Crioulo de Macau”, da autoria do professor universitário João Paulo Oliveira. A obra nasce da sua tese de mestrado e traz uma análise actualizada sobre o crioulo de Macau, com uma ligação mais próxima às questões da identidade macaense O docente da Universidade Católica Portuguesa, João Oliveira, apresentou no passado dia 19, no Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM), o livro “O Latinórum na Tóri di Babel – Humor e Língua na Literatura em Crioulo de Macau”, que nasce da sua tese de mestrado defendida em 2018 na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. A obra, cuja edição conta com o apoio do CCCM e Universidade de Macau, traz novas análises sobre o uso do humor na literatura escrita em patuá, com grande foco na poesia de José dos Santos Ferreira, mais conhecido por Adé, e numa colectânea feita por Leopoldo Danilo Barreiros. Ao HM, João Oliveira contou que, para este livro, aumentou a introdução histórica e linguística sobre o patuá, “com mais referências e informação”, sendo também feita “uma comparação com outras realidades geográficas próximas, principalmente com o crioulo de Malaca e ainda o Japão”. “Tentei posicionar melhor o crioulo de Macau no momento presente do território, além de analisar como esse crioulo e a etnia macaense são vistos hoje em dia no seio da própria comunidade. Ao contrário do que fiz na minha tese de mestrado, que se centrou nos textos escritos, fiz ainda uma análise dos vídeos do grupo Doci Papiaçam di Macau, tentando relacioná-los com os textos passados”. Este livro inclui ainda uma parte onde são analisados todos os termos de origem não portuguesa que estão registados nos textos em crioulo de Macau. Segundo o autor, esta compilação nasce, em parte, “de glossários e estudos passados, alguns deles mais antigos, como é o caso [dos escritos] de Graciete Batalha, e outros mais actuais, [da autoria] de Raúl Gaião”. João Oliveira confessa que sempre se interessou por culturas diferentes da sua, cujo conhecimento acaba por ser proporcionado pela globalização que se vive hoje em dia e pela facilitação do contacto com línguas, escritos e representações culturais. O docente considera que o patuá “tem grande influência da história e cultura portuguesas”, tendo as suas especificidades face a outros crioulos. “Interessei-me pelo patuá e comunidade macaense porque contém, ao contrário da maioria dos crioulos portugueses na Ásia, um espólio escrito considerável. A maioria dos crioulos de origem portuguesa na Ásia têm uma vertente bastante oral, sendo estudados através de conversas com nativos e gravações.” As inovações nos Dóci Há muito que se fala da necessidade de preservação da identidade macaense e o humor impregnado na sua literatura aborda bastante esta questão. Mas o humor feito em patuá, e toda a literatura macaense, também acabam por revelar “as várias camadas culturais, a religião e a gastronomia” de um grupo étnico. Da análise feita por João Oliveira aos vídeos que habitualmente são exibidos nas peças dos Dóci Papiaçam di Macau “verificam-se algumas inovações, sobretudo devido às evoluções sócio-económicas de Macau”, sem esquecer que o território “se foca mais hoje no jogo e no turismo do que no passado”. “Estas temáticas estão hoje bem mais presentes na vivência do dia-a-dia e nas produções culturais, tendo uma maior presença do que nos textos mais antigos”, disse João Oliveira, destacando “o sentido de continuidade” no trabalho feito pelos Dóci e Miguel de Senna Fernandes, autor das suas peças. “Esse sentido de continuidade é o mais importante, pois o grande cérebro dos Doci, Miguel de Senna Fernandes, tendo noção dos textos mais antigos, tenta actualizá-los e utilizar o seu universo criativo. Existe, assim, uma grande continuidade entre textos antigos e produções mais recentes, e essa é uma tentativa de talhar uma identidade macaense através de um género artístico.” Trata-se ainda de uma forma de criação “de uma identidade ligada à história e cultura portuguesas, mas distinta dessa e de tudo o resto que se pode encontrar em Macau, que passa pela comunidade chinesa”. “Miguel de Senna Fernandes diz que a etnia macaense está integrada na nação chinesa e existe uma tentativa de talhar uma existência cultural específica para a comunidade macaense com características que a distingue das outras”, recorda João Oliveira. Numa entrevista concedida ao HM a propósito da sua investigação, João Oliveira declarou que, nos escritos antigos, “os macaenses brincavam, sobretudo, com eles próprios, com a sua cultura, muitas das vezes diminuindo-se de uma forma que, para quem lê, não é verdadeiramente para inferiorizar.” Enquanto o português era uma língua mais formal, o patuá era usado de uma maneira bem mais “coloquial”. “Os macaenses brincam muito com eles próprios e com o elemento português, que muitas vezes é visto como o elemento supra cultural. As personagens, tal como a própria língua portuguesa, são representadas com alguma hiperformalidade, pois [o português] é visto como uma língua muito formal e pouco natural no dia-a-dia, enquanto a língua e as personagens de Macau são identificadas de forma contrária.”