Direito a desligar (I)

Recentemente, algumas estações de televisão de Hong Kong debateram o ‘direito a desligar’ (ROD sigla em inglês) nos seus programas. O ROD significa o direito dos trabalhadores a recusarem responder a mensagens electrónicas dos seus empregadores fora das horas de serviço. Este direito garante a separação completa entre o trabalho e a vida pessoal e evita que a fronteira entre os dois fique indefinida devido à interferência de mensagens electrónicas fora do horário de serviço.

Nos últimos anos, o debate sobre o ROD tem-se intensificado, especialmente porque muitas empresas implementaram o tele-trabalho durante a pandemia. Trabalhar a partir de casa requer o recurso às comunicações electrónicas. Agora, a pandemia está gradualmente a desaparecer, mas a prática das comunicações electrónicas mantem-se. Por conseguinte, os trabalhadores vêem-se confrontados com ‘o trabalho extra invisível’. O “trabalho extra invisível ” aumenta as horas de serviço. Se o empregador não pagar este tempo de trabalho extra, está basicamente a explorar o assalariado. Além disso, quando os trabalhadores não conseguem separar o trabalho da vida pessoal, passam a sofrer de stress adicional o que tem efeitos negativos quer a nível físico como a nível emocional, bem como nas relações inter-pessoais.

Recentemente, algumas notícias publicadas em Macau assinalavam que a China continental está a considerar incluir o ROD na sua legislação laboral.

O artigo 13 da Lei das Relações de Trabalho de Macau estipula que os empregadores devem ter sistemas de informação e registo das horas de trabalho dos seus funcionários. O artigo 20 estipula que o contrato de trabalho tem de incluir o tempo de deslocação e o horário normal de trabalho do funcionário; o artigo 33 estipula que o horário normal de trabalho não pode exceder as 8 horas diárias e as 48 horas semanais. O artigo 36 estipula que o empregador tem de ter o consentimento do funcionário se quiser que ele faça horas extraordinárias.

Embora estes artigos não afirmem explicitamente que os empregados têm o ROD, quando as pessoas estão a responder a mensagens electrónicas fora do seu horário de trabalho, estão a fazer horas extraordinárias. Se o empregador não obteve o consentimento do trabalhador nesse sentido, este tem o direito de se recusar a responder. Daqui se depreende que os trabalhadores têm o ROD desde que não tenham aceitado fazer horas extraordinárias.

Hong Kong ainda não implementou o ROD e os trabalhadores ainda têm de lidar com o problema das comunicações electrónicas fora das horas de serviço. Uma organização de Hong Kong conduziu um inquérito em 2018 e apurou que 93.5 por cento dos questionados afirmaram ter recebido mensagens electrónicas fora do horário de trabalho. Cerca de 80 por cento afirmavam sentir-se incomodados, cerca de 60 por cento afirmavam que isso teve um impacto negativo na sua vida privada e cerca de 90 por cento concordaram que o ROD devia ser implementado para proteger o direito dos trabalhadores “ao sossego”’.

A França implementou o ROD em 2017, uma resposta legal ao impacto das tecnologias avançadas na saúde física e mental dos trabalhadores.

A lei francesa indica que deve haver negociações colectivas entre empregadores e empregados sobre esta matéria. Na ausência de uma negociação colectiva, os empregadores devem estabelecer directrizes e têm o dever de lembrar os trabalhadores do seu “direito a desligar”. A lei também estipula que os empregadores que não estabelecem directrizes não serão punidos, mas em caso de conflitos laborais, o tribunal irá considerar se a empresa estabeleceu ou não essas directrizes.

A Austrália está a preparar-se para legislar de forma a conferir o “direito a desligar” aos trabalhadores e garantir que não ficarão sujeitos a “contactos poucos razoáveis” fora das horas de serviço. O âmbito de aplicação da nova lei destina-se a regular os contactos de serviço com os empregados fora do horário de trabalho. Os factores abaixo indicados devem ser considerados para determinar se um contacto é ou não razoável.

(1) Natureza e urgência do motivo do contacto,

(2) Método de contacto (por exemplo, as chamadas telefónicas podem ser mais intrusivas do que os e-mails),

(3) O horário normal do funcionário e se é ou não pago pelas horas adicionais fora do local de trabalho,

(4) Responsabilidade e posição dos colaboradores na empresa,

(5) Situação pessoal do trabalhador. “Por exemplo, pode ser razoável uma empresa esperar que os gestores de topo respondam a e-mails urgentes após o horário de trabalho, mas a mesma situação não se aplica necessariamente aos executivos juniores.”

A nova legislação australiana centra-se no contacto fora do horário de trabalho. O âmbito de aplicação da legislação não se limita às mensagens de trabalho electrónicas. Espera-se que a nova legislação reduza o número de contactos desnecessários entre empresas e trabalhadores após o horário do trabalho e que reforce a protecção do direito dos trabalhadores ao descanso.

Continuaremos esta análise na próxima semana.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

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