Sobre a relação entre a voz e o sexo

Uma das características do sexo são as suas vocalizações. As vocalizações, apesar da variabilidade em tonalidade e expressão, têm algumas características em comum e são facilmente reconhecidas em qualquer contexto cultural. A respiração ofegante, os gemidos, a intensidade e espontaneidade durante o orgasmo são algumas constantes.

A investigação nos humanos, apesar de escassa, parece verificar duas tendências que também presentes nos primatas: as vocalizações parecem cumprir uma função comunicativa e as mulheres/espécies fêmea são as que mais vocalizam durante o coito. As fêmeas ao fazer estes ruídos, podem estar a promover a ligação, aumentado a sincronicidade entre os corpos. Os gemidos podem servir também uma função fisiológica, isto é, as vocalizações durante o sexo podem contribuir para aumentar a pressão nos pulmões e estabilizar o toda a área abdominal e ajudar a performance atlética do sexo. Estima-se que o sexo gasta à volta de 100 kcal (o equivalente a uma banana).

Os vocalizos podem ser feitos de forma consciente para ajudar aumentar a excitação do parceiro, mas um estudo recente, que analisou milhares de vocalizações de pessoas a masturbarem-se ou a terem sexo, chegou à conclusão de que as vocalizações são uma expressão genuína de prazer. A base de dados para o estudo foi criada com auxílio de uma plataforma online onde as pessoas colocam as suas gravações áudio dos seus encontros sexuais e dos seus orgasmos. O intuito da plataforma é mostrar a diversidade na expressão vocal. É de livre acesso para quem queira fazer investigação pessoal sobre o tema ou simplesmente contribuir com a vossa forma especial de ter prazer (orgasmsoundlibrary.com). Curioso também é que mesmo quando o sexo é a solo, as vocalizações não deixam de ser expressivas. Nas pessoas com útero os gemidos correlacionam-se com as contrações musculares. Para os que têm um pénis, os gemidos correlacionam-se com os esguichos da ejaculação.

Claro que os saberes alternativos também refletiram sobre estas questões e foram mais longe ao propor, principalmente nas mulheres, uma ligação directa entre a laringe e a pélvis. Quando falo em saberes alternativos, quero dizer que não são cientificamente comprovados, mas são experiencialmente vividos. Este modelo conceptual alternativo entende que os músculos da zona pélvica são afectados pelos músculos da laringe. Isto poderá acontecer dada a sua proximidade na sua forma muscular diafragmática.

Recomendo a espreitarem as criações visuais que comparam as duas zonas, e as suas semelhanças. Também há quem compreenda a ligação das duas regiões através do nervo vago, o maior nervo do corpo que percorre a garganta até a pélvis. Também não será por acaso que em inglês a zona uterina é designada por cervix que tem a sua origem no latim de pescoço, a cervical em português. As implicações da ligação entre a voz e o sexo podem ser então de outro teor. Por exemplo, li o depoimento de uma doula (uma figura que ampara o processo do parto) que começou a ficar mais atenta às vocalizações das parturientes. Reparou que as vocalizações mais contidas se relacionam com uma zona pélvica mais tensa. Os exercícios de respiração, ou uma forma livre de vocalizar, pode tornar a pélvis mais relaxada. Também no sexo esta ligação poderia ser pensada: os vocalizos são também uma forma de relaxar e possibilitar a irrigação sanguínea para a zona sexual.

O moral da história é que os gemidos e vocalizações são parte importante do sexo, não são acessórios ou facilmente descartáveis. Fazem parte do pacote de um funcionamento íntegro. Claro que nem sempre há condições para a expressão plena. A voz atravessa paredes e janelas. Também se adverte que há vocalizações genuínas e outras menos. A voz faz sentido quando é sentida na sua plenitude e não como um mecanismo de influência, como acontece em filmes pornográficos. Se perceberem a voz como mais um domínio de exploração e descoberta na cama, verão que poderá abrir outras formas de experimentar o sexo e a ligação com o corpo e com quem vos acompanha.

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