Via do MeioAs Nuvens Sobre a Mesa de Yang Jin Paulo Maia e Carmo - 11 Dez 202311 Dez 2023 Tao Hongjing (456-536), o sábio daoísta multifacetado nascido em Moling, perto da capital Jiankang, a actual Nanquim e que seria autor de estimados textos que esclareceriam o Dao, como o Zhengao, a «Declaração do Aperfeiçoado», teve desde muito cedo a intuição de que o lugar a que pertencia, a sua pátria electiva, era no meio das montanhas Juqu, hoje designadas Maoshan. Para lá se dirigiu desde 492 e apesar da distância e do isolamento, a sua fama de eremita erudito, yinshi, foi-se estendendo sempre ao longo dos mais de oitenta anos da sua vida que decorreu num período especialmente turbulento que viu sucederem-se treze imperadores. O mais memorável de entre eles era também uma personalidade notável capaz de reconhecer a luz que brilhava no escuro no meio das montanhas. Xiao Yan (464-549) que fundaria uma nova dinastia terá consultado Tao Hongjing para escolher um nome auspicioso para o seu reinado. Desde então chamado imperador Wu de Liang (r. 502-549) uma palavra de múltiplos sentidos que incluem a ideia de uma cadeia montanhosa, não cessou de honrar o daoísta a quem atribuiu o título de «chanceler das montanhas» e para quem mandou erigir, onde ele vivia, o eremitério Zhuyang guan, a «Abadia Yang da cor cinábrio». Entre os dois desenvolveu-se uma fecunda relação literária e espiritual nascida da aparente contradição entre um homem que aprofundava o Dao e outro que foi responsável por uma progressiva disseminação e sinização do Budismo, que declarou como religião oficial do Estado. No final ambos reconhecendo os méritos do outro, contribuindo para a heterogénea religião nacional. Da conversação literária entre os dois foi guardado um esclarecedor poema de Tao Hongjing dirigido a Xiao Yan: Perguntou-me o que há de tão interessante nas montanhas, e há tantas nuvens brancas pairando sobre os cumes. Mas só cada um, por si só, as pode admirar. Não as podemos segurar nas mãos para vo-las apresentar, senhor. Yang Jin (1644-1728), um pintor erudito que contribuiu para a exuberante riqueza visual exibida pela dinastia Qing no seu desejo de assumir a herança cultural vinda de dinastias precedentes, colaborando com o seu mestre Wang Hui (1632-1717) na ilustração das Viagens ao Sul do imperador Kangxi, prolongaria aquele inolvidável diálogo através de um poema. Numa pintura feita para o álbum de dezasseis folhas, Paisagens a partir de antigos mestres (tinta e cor sobre papel, 27, 9 x 30,8 cm, no Metmuseum) em que participam outros cinco pintores, sobre uma paisagem enevoada ao estilo de Mi Fu (1051-1107) escreveu: A chuva abandonando as vastas regiões despovoadas faz as cores da madrugada transparecem e surge o azul celeste dos vapores de montanhas distantes. Nuvens brancas enchem a minha mesa ao desenrolar a pintura. Quem pode dizer que elas não podem ser enviadas a um senhor?