Grande PlanoLíngua portuguesa | Pedida união entre ensino e associações lusófonas Andreia Sofia Silva - 13 Nov 202313 Nov 2023 Vários docentes de português defendem o reforço da união entre o ensino da língua, os estudantes e as associações de matriz lusófona em Macau. Esta foi a ideia principal deixada num colóquio online promovido pela Fundação Casa de Macau, em Lisboa, intitulado “Panorama Actual do Ensino do Português em Macau” O panorama do ensino do português em Macau está bom e recomenda-se, mas é necessária uma maior união com o trabalho desenvolvido pelas associações de matriz lusófona que existem no território. Esta foi a principal conclusão do colóquio online “Panorama Actual do Ensino do Português em Macau”, promovido pela Fundação Casa de Macau (FCM) e que reuniu, na última quarta-feira, docentes de várias escolas e universidades do território, incluindo Patrícia Ribeiro, directora do Instituto Português do Oriente (IPOR). A ideia de juntar o trabalho da sala de aula ao associativismo foi deixada por Camila Lourenço, docente da Universidade de São José (USJ). “Macau tem um potencial fantástico. Fico pensando em qual o lugar do mundo onde temos acesso a tantas culturas como em Macau? Mas o maior desafio é chegar a mais pessoas e perdemos a oportunidade de mostrar esse mundo aos estudantes”, começou por dizer. A docente revelou que, na sua actividade profissional, procura que os alunos tenham acesso a actividades fora do contexto de sala de aula, mas nem sempre consegue. “Essa plataforma de Macau, onde se experienciam diferentes culturas, não é um ponto bem explorado como poderia ser. Temos uma imersão cultural imensa, e porque não usar mais isso? Como poderíamos organizar mais actividades e ter esse intercâmbio que Macau possibilita? Falei com professores que também dizem ter dificuldade no acesso a essas culturas de língua portuguesa.” A ideia foi corroborada por Roberval da Silva Teixeira, docente da Universidade de Macau (UM). “Temos as associações e há um espaço relativamente pré-organizado para criar uma coisa mais estruturada, de maneira que a língua portuguesa seja mais conhecida. Após algum tempo de convivência, percebemos que o português [em Macau] está nos nichos, em vários espaços e movimentos. A língua portuguesa está aqui, sim, e tem essa efervescência de ter tantos canais, expressões e associações que podiam ser articuladas em construir uma língua portuguesa que fosse mais aberta ao mundo.” Segundo o docente, é preciso construir “uma visão do português mais internacional, mais transnacional e intercultural” através “de toda a pluralidade que existe em Macau, no nosso dia-a-dia”. É essa ligação com as associações que poderá fazer “toda a diferença no que diz respeito à motivação para a aprendizagem”, apontou. “A língua portuguesa não é apenas aquela que é ensinada nas escolas, mas também a de pessoas que têm interesse em conectar com as comunidades de Macau. São motivações interessantes, até de artistas, por exemplo. Há uma série de potencialidades aqui que talvez estejamos deixando um pouco [de lado], e é preciso fazer uma articulação desde a base, com as escolas, até às associações ou instituições que trabalham com essas questões.” Maria José Grosso, também docente da UM, frisou que “há um multiculturalismo em Macau que não é tão interrelacional como gostaríamos”. “Há essa motivação dos jovens da China que querem saber como é o Ocidente, a cultura ocidental, têm interesse em saber mais, mas isso, infelizmente, nem sempre se vê nos alunos de Macau. Durante estes anos, tenho verificado mais nos alunos da China um maior interesse para abraçar as outras culturas”, acrescentou. A falta que faz Outro ponto abordado no colóquio pautou-se pela necessidade de ter mais manuais para um universo de estudantes de português tão específico como o de Macau. “Continua a haver interesse no português e investimento da parte do Governo. Agora se o investimento é bem feito, ou se vai para aquilo que é necessário, podemos discutir. Uma das coisas importantes, e que faz muita falta em Macau, é o investimento em materiais didácticos e pedagógicos”, começou por dizer Carla Vieira de Sá, da escola Zheng Guanying. A professora diz sentir “falta da existência de mais materiais feitos de propósito para os nossos alunos, que são especiais, integrados num meio em que não há convívio diário com a língua, pois só falam o português na escola. Precisamos de materiais que possam ser usados pelos alunos em casa”. Carla Vieira de Sá disse ainda que é necessário investir mais na formação de professores. “É preciso saber fazer determinados projectos para que as coisas fiquem bem feitas. Temos dificuldade em arranjar formações para professores que falam português. Se calhar, nesse aspecto, o investimento não está a ser tão incisivo.” Liliana Pires, docente anteriormente ligada à escola Zheng Guanying, pediu um “reforço dos professores de língua portuguesa nas escolas” bem como a colocação desses docentes em turmas bilingues e escolas oficiais. Trata-se de algo “muito importante para mantermos essa relação dentro da sala de aula no ensino da língua”. A rede que precisamos Liliana Pires falou, contudo, de uma outra necessidade que considera premente para melhorar o ensino da língua portuguesa em Macau: a “criação de uma rede de bibliotecas escolares com um plano de actividades e recursos partilhados”. “As bibliotecas escolares existem no território e várias escolas públicas e privadas trabalham a língua portuguesa, mas acho que poderia ser criada uma rede de trabalho conjunta em que as pessoas que estão nas escolas pudessem trabalhar e cooperar. Não faz muito sentido termos o projecto de animação numa escola e ele não poder ser partilhado com uma escola vizinha. Tem de haver este sentido de partilha de projectos e um trabalho em rede. Tem de haver interactividade institucional dentro da língua portuguesa.” Liliana Pires considera também essencial investir na promoção da leitura junto dos alunos. “Era importante que as escolas tivessem alguém que promovesse a leitura, uma pessoa dedicada a esta função em articulação com os professores, que conseguisse trabalhar em conjunto com um plano anual de actividades. Temos de apostar em algo estruturado neste sentido e em que se possa trabalhar em rede, dentro e fora da sala de aula e também com outras escolas.” Neste sentido, apontou a docente, poderia existir “um plano literário no plano anual de actividades de cada professor de língua portuguesa”, em que os professores poderiam “seleccionar uma lista de leitura acompanhada, fazer trabalho da promoção literária e enquadrar tudo isso no seu plano anual de actividades”. Governo não esqueceu Os intervenientes apontaram que, nos últimos anos, a aposta do Governo não esmoreceu. “O Governo tem procurado incentivar e demonstrar que está atento a esta questão e alargar ainda mais este âmbito. O Chefe do Executivo disse recentemente que iam alargar a mais quatro escolas o ensino do português além das que já existem, e são bastantes. O IPOR tem procurado também na parte da formação”, explicou Patrícia Ribeiro. Maria José Grosso falou do futuro de Macau após 2049 e da realidade do crescimento do mandarim no território. “Fala-se muito na língua portuguesa destinada aos talentos, mas deveria apostar-se também naqueles que aprendem português e que passados dez anos esquecem completamente a língua. Estamos num mundo multilinguístico, mas não nos esqueçamos que em 2049 vamos ter cada vez mais o mandarim, como é natural, o inglês e vamos tentar que o cantonense continue.” Assim, “o português vai continuar a ter muito interesse na iniciação, mas não bastam esses cursos de iniciação”, defendeu a docente, que entende ser fundamental dar “continuação enquanto houver uma ligação aos países de língua portuguesa, que desperta o grande interesse económico e político”. “Há que atrair alunos, mas devem ser conservados os que aprenderam. Na minha perspectiva cada vez mais os professores de português são os falantes de língua chinesa, e não os falantes de língua materna portuguesa, algo que, de certa forma, é natural.” O moderador do debate, Joaquim Ng Pereira, ligado à direcção da FCM, alertou para a importância da preservação do que é macaense e português e da responsabilidade que Portugal tem nessa matéria. “Estamos todos a fazer um trabalho [de divulgação], muitas vezes inglório, sobretudo aqui em Portugal. Mas que acredito que, de alguma forma, dê os seus frutos a fim de elevar Macau ao lugar que merece. Temos obviamente de respeitar a soberania chinesa, mas seria manifestamente triste que Portugal esquecesse os macaenses e Macau e a influência que tivemos, não só na língua e gastronomia e toda uma cultura miscigenada”, rematou.