Universidade de Macau acolhe seminário sobre Inteligência Artificial

O uso de Inteligência Artificial (IA) na criação artística é uma oportunidade para repensar o conceito de propriedade intelectual, defendem académicos ouvidos pela Lusa, que sublinham a necessidade de um debate alargado e de prudência na legislação.

Vai ser lançada hoje “Now and Then”, a “última música” dos The Beatles, na qual foi utilizada IA para retirar da gravação ‘demo’ original, feita na década de 1970, a voz de John Lennon, assassinado em Dezembro de 1980.

O professor de Direito da Universidade de Macau (UM) Rostam Neuwirth apontou esta música como um exemplo do crescente uso de IA na criação artística, algo que tem originado dilemas não só sobre autoria, mas também sobre direitos de autor.

Neuwirth vai falar hoje num seminário sobre o impacto da IA no direito de propriedade intelectual, organizado pelo Instituto de Estudos Europeus de Macau, no qual também irá intervir Célia Filipa Ferreira Matias. A coordenadora do mestrado em Direito em português na UM recordou à Lusa que na segunda-feira um tribunal da Califórnia, nos EUA, rejeitou parcialmente uma queixa apresentada por três artistas contra a Stability AI, a Midjourney e a DeviantArt. As três empresas eram acusadas de utilizar obras de arte, disponíveis na Internet, mas protegidas por direitos de autor, para treinar as suas ferramentas que usam IA para produzir imagens.

“É totalmente compreensível que os artistas sintam o seu modo de vida muito ameaçado por este tipo de produto”, disse Célia Ferreira Matias, que, ainda assim sublinhou a necessidade de prudência na legislação. “É preciso um bocadinho de cuidado”, defendeu a especialista, porque, além da IA, “as pessoas que fazem obras derivadas de outros tipos podem ver-se afectadas por uma leitura muito restrita dos direitos de autor”.

Primeiros passos

Os legisladores têm sido lentos a responder, referiu Rostam Neuwirth, dando como exemplo a União Europeia, que começou em 2021 a tentar regulamentar o uso da IA, mas que só em Junho de 2023 conseguiu aprovar, no Parlamento Europeu, um projecto que terá de ser agora negociado entre os 27 países membros.

Nos Estados Unidos, o Presidente Joe Biden aprovou na segunda-feira uma ordem executiva que procura garantir “uma IA segura e confiável”, recordou o académico.

Célia Ferreira Matias salientou os perigos de “legislar para coisas muito específicas” e “de uma forma reactiva tentar imediatamente cobrir esta situação de alguma forma”. Por outro lado, Rostam Neuwirth sublinhou que, “as leis de direitos de autor já tinham grandes problemas mesmo antes da IA”.

“A IA é o problema, mas é também a solução”, disse o especialista em propriedade intelectual na economia criativa, que defendeu que o impacto desta tecnologia deve ser encarado “como uma grande oportunidade para um debate muito alargado” sobre o próprio conceito de propriedade intelectual.

O académico lembrou o caso da indústria da moda, “que funciona muito bem sem direitos de autor. As cópias criam tendências que, de alguma forma, criam nos consumidores o desejo de comprar mais”. “Não é inevitável que precisemos de leis de propriedade intelectual. Acho que tudo pode correr muito bem se tivermos boas leis, mas se calhar até podemos ter mais sucesso sem nada, se as leis forem mal feitas”, sublinhou Neuwirth.

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