Via do MeioConfúcio na cultura portuguesa – Subsídios para o seu estudo Hoje Macau - 12 Out 2023 Por António Aresta Estudar sem reflectir é inútil, reflectir sem estudar é perigoso – Confúcio [“Ditos de Confúcio”, tradução de Daniel Carlier, edição Jornal Tribuna de Macau, 2008] I A sabedoria e a ética prática de Confúcio, considerado como o sábio dos sábios, estão presentes na cultura portuguesa, com uma insuspeitada transversalidade, sobretudo desde os alvores do século XVII, entradas pela mão dos jesuítas. A sinologia portuguesa e a sinologia de língua portuguesa , enquanto alargado corpus de conhecimento, não dispõem de um roteiro bibliográfico e historiográfico minimamente actualizado, o que não é muito compreensível se tivermos em conta a sua secular antiguidade. O caso de Confúcio é paradigmático, como se observará nesta breve introdução. Mas é apenas no século XIX que a imprensa periódica, os almanaques, as enciclopédias, os dicionários, os livros escolares ou outras obras de cultura geral espalham urbi et orbi concisos aforismos, um sugestivo cerimonial parenético ou suculentas máximas do pensador chinês, sobre quase todos os assuntos que tocavam a vida humana ou a governança da sociedade e os seus inimigos. Suspeita-se, por vezes, que tudo quanto é atribuído a Confúcio não seja realmente da sua lavra. A analogia com Sócrates , sobretudo com o Sócrates platónico estará sempre presente. Julgo que valeria a pena seguir o rasto da influência das suas ideias e dos seus ensinamentos, isto é, a recepção de Confúcio em Portugal, que continua por fazer, incluindo o inventário da multiplicidade das edições das obras9 firmadas pela multidão dos seus discípulos. Pela literatura de viagens, mas não só, ecoa uma ressonância dos seus pensamentos, de permeio com o fascínio pelo mistério sobre tudo quanto seja oriundo da grande China, que vamos encontrar, por exemplo, em “Algumas Coisas Sabidas da China”, provavelmente de 1562, da autoria de Galiote Pereira, no “Tratado em que se contam muito por extenso as Cousas da China” de Frei Gaspar da Cruz, de 1569 ou na “Relação da Grande Monarquia da China” do jesuíta Álvaro Semedo, escrita em 1637. Sem esquecer Tomé Pires ou Fernão Mendes Pinto. Mas, serão mesmo outras narrativas a terem o monopólio da atenção do público generalista11, sempre atento ao pormenor e às grandes sínteses culturais sobre o extremo oriente e em particular sobre a China. Para as elites, Confúcio chegava em latim mas as polémicas eram servidas na língua francesa. Não é piedoso esconder a fragilidade do pensamento português nesta área particular. Nas querelas entre as ordens religiosas, evidenciam-se conhecimentos e informações muito interessantes e actualizadas : “Os Letrados da China, que são das suas pessoas mais nobres e estimadas, se ajuntam todos os anos nos Equinócios da Primavera e Outono, em uma Aula, que chamam Miao, dedicada ao mesmo Confúcio…”. Até os textos doutrinários faziam questão de evocar os feitos findos, no oriente longínquo, como se pode ler no comunicado aos portugueses, de 24 de Agosto de 1820, difundido pela Junta Provisional do Governo Supremo do Reino : “…espalhando pela Europa, espantada e invejosa, as preciosidades do Oriente e as riquezas de ambos os mundos”. Quarenta anos depois, em 1860, na Apreciação Philosophica dos Descobrimentos Portugueses18, João Félix Pereira traça um severo juízo de valor associando “a mais torpe imoralidade” e a “sede do ouro” como as causas directas para a queda do “império oriental”. (continua) Referências bibliográficas e notas António Aresta, “Confúcio”, Jornal Tribuna de Macau, 22.11.2017. Em diferentes momentos, tenho procurado fazer uma sistematização da história da sinologia portuguesa : António Aresta, “Os Estudos Sínicos no Panorama da História da Educação em Portugal”, Revista Administração,Nº 38, Vol. X, 1997, pp. 1045-1069 .Como esta publicação é bilingue, a tradução chinesa está nas páginas 1177-1192 ; António Aresta, “A Sinologia Portuguesa, um esboço breve”, RC-Revista de Cultura [Instituto Cultural de Macau], Nº 32, II Série, 1997, pp. 9-18. Este estudo foi traduzido para chinês e para inglês, nas respectivas versões da RC-Revista de Cultura ; António Aresta, “A Sinologia”, in Adalberto Dias de Carvalho (coord.), Dicionário de Filosofia da Educação, Porto Editora, 2006, pp. 347-348 ; António Aresta, “Sinologia Portuguesa : Caminhos e Veredas”, in Miguel Castelo-Branco (coord.), Portugal-China . 500 anos, ed. Biblioteca Nacional de Portugal\Babel, Lisboa 2014, pp. 275-279 . Para o caso de Macau, veja-se, Padre Manuel Teixeira, A Imprensa Portuguesa no Extremo Oriente, ed. Notícias de Macau, 1965, 2ª edição, Instituto Cultural de Macau, 1999 ; Daniel Pires, Dicionário Cronológico da Imprensa Periódica de Macau do Século XIX (1822-1900), ed. Instituto Cultural do Governo da R.A.E.Macau, 2015. O Jornal de Bellas Artes ou Mnemósine Lusitana. Redacção Patriótica. O número XXIII, de 1816, contém abundante informação sobre Macau e a China. A Revista Popular. Semanário de Literatura, Sciencia e Industria, cuja Redacção era assegurada por Joaquim Fradesso da Silveira, José Maria Latino Coelho, Francisco Pereira de Almeida e Augusto Gonçalves Lima, publicou no Nº 12 \ 1849, o conto chinês “A Trança do Mandarim”, com evidentes ressonâncias confucianas. Na contemporaneidade, o jornal da Diocese de Macau, O Clarim, não perdia a oportunidade para marcar a sua posição doutrinária. Veja-se o interessante artigo de Tooshar Pandit, “Confúcio e Karl Marx frente a frente”, O Clarim , 14.02.1965. Almanach de Lembranças Luso-Brasileiro para 1857. Com 410 artigos e 106 gravuras, Lisboa, Typographia Universal, 1856, 391 pp.. Na Encyclopedia Portugueza Illustrada, editada por Lemos & Cª, Successor, Porto, 1900-1909, publicada sob a direcção de Maximiano Lemos, III volume, surge uma informação abrangente sobre Confúcio e o confucionismo, destacando-se a seguinte ideia : “Todo o seu systema repouza sobre os deveres recíprocos dos homens, classificados por elle em relações entre principe e vassalo, pae e filhos, e entre concidadãos. O respeito aos pais, antepassados, ao nome, é o fundamento da família, e estes mesmos princípios aplica elle ao governo”. O Museu Literário, Útil e Divertido, Nº 5, Lisboa, na Impressão Régia, 1833, traz uma “Notícia do Império da China, segundo os mais modernos conhecimentos obtidos na Europa”, pp. 132-135. Os dicionários eram uma importante fonte difusora de cultura, em termos práticos, generalistas e simples. Mas, frequentemente, misturavam os conceitos. Sobre Confúcio e o confucionismo. No Novo Diccionario da Língua Portuguesa, de Eduardo de Faria, Typographia Lisbonense, Lisboa, 1851, 2ª edição, lemos que Confúcio “ensinou uma philosophia toda prática”. Mas no Diccionario Popular (histórico, geográfico, mythologico, biográfico, artístico, bibliográfico e litterario), dirigido por Manoel Pinheiro Chagas, Typographia do Diario Illustrado, 3º volume, Lisboa, 1878, encontramos uma informação com mais detalhe. Confúcio “fundou uma escola meio philosophica, meio política, à qual a China deve essa civilização estacionária que ainda hoje ali impera. Essa escola não tem metaphysica, ocupa-se exclusivamente de economia social e de moral. Muitos consideram Confúcio como legislador, não o foi, foi apenas um philosopho e um moralista, mas a legislação chinesa toda se deriva da escola e do ensino de Confúcio, e foi ele que lhe deu a sua originalidade e o seu caracter imóvel”. A título de exemplo, João Felix Pereira, Compendio de Geographia, para uso da instrucção secundária, edição do autor, 10ª edição, Lisboa, 1877 : “O grande philosopho Confucius foi contemporaneo de Salomão : seos escritos encerrão verdades mais sublimes do que as da philosophia de Pythagoras, Socrates e Platão”. E continua : “Debaixo do ponto de vista moral, diz-se, que os chins possuem as virtudes e os vícios do escravo, do fabricante e do negociante : reina um systema de tyrannia e de opressão, desde o soberano até ao rústico. As várias classes de mandarins não são melhores do que escravos de graduação superior, os quaes, por sua vez, oprimem, cruelmente o povo”, pp. 245 e 247. Ainda outro exemplo : Alberto Pimentel, Album de Ensino Universal. Livro de Instrução Popular, Lisboa, Officina Typographica de J. A. de Matos, 1879. Nas páginas 177\178, encontramos esta informação : “Religião de Confúcio : consiste num panteísmo filosófico e tem por chefe o imperador da China. É a religião dos homens letrados da China, de Annam e do Japão”. Historia Universal. Primeira Parte. História Antiga, escrita em Francez pelo Abbade Millot e traduzida em Vulgar por J. J. B., Professor no Real Collegio de Alcobaça, 2ª edição, correcta e aumentada, Tomo Primeiro, Lisboa, na Typographia Rollandiana, 1801, 383 pp.. Sobre a China, pp. 90-98. A Confúcio, para além de divulgar algumas máximas, apresenta esta síntese : “A sua Filosofia consistia menos na especulação, do que na prática ; razão porque deitou mais depressa Sábios, que Discursistas”, p. 97 ; Damião António de Lemos Faria e Castro, História Geral de Portugal e suas Conquistas, oferecida à Raínha Nossa Senhora D. Maria I, Lisboa, Na Typographia Rollandiana, Tomo XI, 1788. As informações sobre a China e sobre Confúcio, pp. 147-161. Algumas traduções : Os Analectos, tradução de Maria de Fátima Tomás, Publicações Europa-América, 1982, 127 pp. ; Quadras de Lu e Relação Auxiliar, tradução e notas de Joaquim Guerra SJ, Edição Jesuítas Portugueses, Macau, 1981\1983, 5 volumes ; Quadrivolume de Confúcio, tradução e notas de Joaquim Guerra SJ, Edição Jesuítas Portugueses, Macau, 1990, 615 pp. ; Conversações, M. Gonçalves de Azevedo, Ed. Estampa, 1991, 196 pp. ; Ditos de Confúcio, tradução de Daniel J.L. Carlier, edição Jornal Tribuna de Macau, 2008, 119 pp. ; As Quatro Obras : Discurso e Diálogo ; Suprema Educação ; Meio Constante, tradução do chinês , introdução e notas de Luís Gonzaga Gomes, Macau, Imprensa Nacional, 1945, 248 pp. Na edição contemporânea de 1994, anotada e traduzida do italiano por Luís Gonzaga Gomes, com prefácios de Maria Edith da Silva, António Rodrigues Júnior e António Aresta, coeditada pela Direcção dos Serviços de Educação e Juventude\Fundação Macau, esta referência a Confúcio é significativa: “Este homem caiu, a todos os respeitos, nos tempos subsequentes, em tanta graça e apreço dos chineses e tão grande crédito alcançaram os livros que compôs e os ditos e as sentenças por ele deixados, que não somente o tem por santo, mestre e doutor do reino com o que dele se cita é estimado como coisa sagrada, além de existir, em todas as cidades do reino, templos, públicos, onde é reverenciado, com muitas cerimónias em dias marcados e, nos anos dos exames, uma das principais cerimónias é irem os novos graduados todos juntos prestar-lhe reverência e reconhecê-lo por mestre”, p. 103. Eduardo Fernandes (Esculapio), Dois Anos de Troça. Gazetilhas publicadas em O Século (94-95). Revistas pelo autor e prefaciadas por António Campos Júnior, Lisboa, Empreza da História de Portugal, 1900, pp. 102 e 103. Fialho d’Almeida, Pasquinadas : Jornal d’um Vagabundo, Porto, Livraria Civilização, 1890, pp. 238-244 : “O sr. Coelho de Carvalho, que enviou da China a Cesário Verde o seu retrato de mandarim…”, com a explicação minuciosa das insígnias mandarínicas ; Alberto d’Oliveira, Pombos-Correios (Notas Quotidianas), Coimbra, França Amado Editor, 1913, p. 321 : “A nova China, ainda antes de nos mostrar que tem cabeça, anuncia-nos solenemente que já tem chapéu. Mudar de fato pareceu-lhe tão urgente como mudar de regímen”. Gomes Leal , A Morte do Rei Humberto e os Críticos do ‘Fim d’um Mundo’, Lisboa, Parceria António Maria Pereira, 1900, p. 17 : “A China, a remota pátria dos mandarins e das sedas magníficas, dos xarões raros, e das pedrarias fabulosas, como visões de ópio, não quer ceder nenhuma das suas prerrogativas, nem ceder mais território algum à cobiça do comércio europeu ?…Salafrários, chatins, safardanas, sarrafacais !… Desprezam, pois, estes letrados mariolas sábios, com uma teimosia revoltante de povos inferiores, habituados a uma hedionda rotina, herdada de Confúcio, toda a luz benéfica e imaterial dos povos civilizados do Ocidente, que tanto benefício levaram à velha Índia, que ela está hoje morrendo de fome, de peste, de anemia….e da alegria espiritual e ferruginosa da civilização !…. Não se pode ser mais bárbaro !…. Há enfim só uma frase : – é chinês !”. Carlos José Caldeira, Apontamentos d’uma Viagem de Lisboa à China e da China a Lisboa, Lisboa, Typographia de Castro & Irmão, 1852\3 ; Gregório Ribeiro, De Macau a Fuchau. Cartas a J.M. Pereira Rodrigues, Lisboa, Typographia Universal, 1866 ; Conde de Arnoso, Jornadas pelo Mundo : em caminho de Pekim, Porto, Magalhães & Moniz, 1895 ; Adolfo Loureiro, No Oriente. De Nápoles à China, Lisboa, Imprensa Nacional, 1896\7 ; José Morais Palha, Esboço Crítico da Civilização Chinesa, Macau, Typographia Mercantil, 1912 ; Alberto de Carvalho, Reminiscências do Oriente : apontamentos de viagem, Lisboa, Tipografia da Cooperativa Militar, 1914. CONFUCIUS sinarum Philosophus sive scientia sinensis latine exposita, Ludovici Magni, Pariis, MDCLXXXVII, 563 pp. ; Ad Virum Nobilem, de cultu CONFUCII Philosophi et Progenitorum apud Sinas, Antverpiae, MDCC, 57 pp. ; Vera Sinensium Sententia de tabela Confucio &progenitoribus inscripta, cum ulteriore expositione & informatione de factis sinensibus controversis secundum PP. Societatis Jesu adversus novam allegationem textum Sinicorum factam presertim extractatibus PP. FF. Dominici Navarrette & Francisci Varo Dominicanorum, Anno MDCC, 468 pp. Apologie des Dominicains Missionnaires de la Chine ou Reponse au livre du Père Le Tellier jesuite, intitulé, Défense des Nouveaux Chrétiens ; Et à L’éclaircissement Du P. Le Gobien de la même Compagnie, Sur des honneurs que les chinois rendent à Confucius et aux Morts. Par un Religieux Docteur et Professeur de Theologie de L’Ordre de S. Dominique. Tome Premier. À Cologne. Chez Les Heritiers de Corneille d’Egmond, MDCC, 392 pp. ; Relation du voyage fait à la Chine sur le vaisseau l’Amphitrite, en l’année 1698. Par le sieur Gio Ghirardini, peintre italien. A monseigneur le duc de Nevers, MDCC, 237 pp. Esta obra termina com uma “Lettre du Roy de Portugal au Cardinal Barberin Protecteur de cette Couronne”, datada de Lisboa, em 1699. Surpreendente é esta obra , L’Espion Chinois ou L’Envoyé Secret de la Cour de Pékin pour Examiner L’État Présent de L’Europe. Traduit du chinois, A Cologne, MDCCLXXXIII, em seis volumes. Obra sem menção de autor. O sexto volume contem abundantes referências a Portugal. Resposta Compulsória à Carta Exhortativa, para que se retrate o seu Author das Calumnias que proferio contra os Reverendissimos Padres da Companhia de Jesus da Provincia de Portugal. E lhe dedica Francisco de Pina e de Mello, Moço Fidalgo da Casa Real e Academico da Academia Real de Historia Portugueza, Monte mor o Velho, a 26 de Junho de 1755, p. 60. No ano seguinte, este mesmo autor publica o Triumpho da Religião. Poema Épico-Polémico que À Sua Santidade do Papa Benedicto XIV dedica Francisco de Pina e de Mello, Moço Fidalgo da Casa de Sua Magestade e Academico da Academia Real da Historia Portugueza, Coimbra, na Officina de Antonio Simoens Ferreyra, Impressor da Universidade, Anno de 1756, 426 pp. Collecção Geral e Curiosa de Todos os Documentos Officiais e Historicos Publicados por Ocasião da Regeneração de Portugal, desde 24 de Agosto, Lisboa, Typographia Rollandiana, 1820. Lisboa, 1860, Typ. de José da Costa, p. 60.