Grande PlanoChile | Milhares de mulheres passam a noite em vigília Hoje Macau - 11 Set 2023 Cerca de 12 mil mulheres, vestidas de preto, com velas nas mãos, fizeram uma vigília, numa simbólica protecção do Palácio La Moneda, bombardeada há 50 anos, durante o golpe de Estado de Pinochet. “Solidarizamo-nos com as pessoas executadas, desaparecidas, torturadas e exiladas, até hoje sem justiça. O movimento de mulheres foi muito importante contra a ditadura e agora lidera a exigência de justiça contra a impunidade dos delitos cometidos durante a ditadura”, indica à Lusa Lídia Massardo, de 57 anos. Sob o lema “Nunca Mais”, uma maré feminina cercou o Palácio La Moneda, a sede do Governo do Chile, bombardeada a mando do ditador Augusto Pinochet, num grau de destruição que estarreceu o mundo. Dentro do Palácio, o Presidente socialista Salvador Allende, democraticamente eleito, preferiu dar um tiro na cabeça com a espingarda que lhe tinha sido oferecida pelo líder cubano Fidel Castro, do que render-se. A manifestação, que simbolicamente visa proteger a democracia, realizou-se em silêncio, quebrado de vez em quando por palavras de ordem emocionadas. “As mulheres foram muito prejudicadas – foram mães, esposas e filhas de presos, desaparecidos e mortos pela ditadura. Ocupamos um papel fundamental na família, núcleo fundamental da sociedade e sobre cada uma de nós, houve um peso tremendo de dor”, desabafa Lidia. Os milhares de velas femininas visavam também “iluminar” o caminho dos que se foram e pedir que a Justiça abandone a cegueira. “Cresci em democracia, mas no colégio nunca nos ensinaram correctamente o que aconteceu. Até há pouco tempo, não se falava de ‘golpe militar’, mas de ‘pronunciamento militar’. Para algumas famílias, o assunto era tabu. Crescemos com o costume de que, à mesa, não se falava de política nem de religião. Só agora a verdade começa a surgir com mais naturalidade”, explica à Lusa Melissa Leyton, de 33 anos. Segundo esta manifestante, havia medo e censura durante a democracia e o plano elaborado por Pinochet funcionou perfeitamente e ninguém pagou pelo que fez. Chamas acesas Augusto Pinochet deixou o governo em 1990, ao ser derrotado num plebiscito em 1988, mas não perdeu o poder. Manteve-se como chefe do Exército, um cargo com autonomia dos demais poderes da República e depois tornou-se senador vitalício, cargo criado por ele para manter o poder e a impunidade. Morreu em 2006 sem ser condenado. “E é por isso que ainda está tudo muito vivo, porque 50 anos depois não há justiça. Todos nós procuraremos pelos nossos parentes desaparecidos até o último dos nossos dias. Isso é vital. Se quisermos avançar, tem de haver justiça. Para se perdoar, é preciso a verdade, caso contrário, isto vai-se arrastar eternamente”, diz Melissa. As pequenas chamas das velas também representam essa esperança por encontrar os 1.162 desaparecidos que ainda não foram encontrados. A 21 de Agosto, o supremo tribunal condenou três agentes da antiga Direção de Inteligência Nacional (DINA), a polícia secreta de Pinochet, por aplicarem torturas de violência sexual num centro clandestino de prisão, tortura e morte conhecido como “Venda sexy”. Segundo o Ministério da Mulher, 3.399 mulheres declararam ter sofrido violência sexual durante torturas cometidas durante a ditadura. A deputada Gloria Naveillán, do partido Social Cristão, classificou as denúncias de abuso sexual como um “mito urbano”. “É muito difícil avançar como sociedade com líderes deste tipo. É uma perversão, uma negação. Essas mulheres foram violadas e abusadas sexualmente. Sofreram violência sistemática mas, por serem mulheres, não podiam falar”, indigna-se Melissa. Em 17 anos, o regime de Pinochet deixou um saldo de 38.254 mil torturados e de 3.216 mortos.