Christopher Chu e Maggie Pui Man Hoi, autores de Camilo Pessanha’s Macau Stories: “Macau está no centro de muita acção”

Em pouco tempo, Christopher Chu e Maggie Pui Man Hoi escreveram dois livros, os seus primeiros. “Macau’s Historical Witnesses”, que conta a história da cidade através dos seus monumentos e “Camilo Pessanha’s Macau Stories”, que é apresentado hoje, às 15h, na sala Le Chinois do Hotel Sofitel. O HM falou com o casal que se viu “forçado” pelo tédio dos confinamentos e da paralisia pandémica a mergulhar na história da cidade

 

Como chegaram a este ponto, com dois livros editados em tão pouco tempo?

Christopher Chu (CC): Chegámos aqui por acidente, essa é a resposta rápida. Sou de Nova Iorque e trabalhei em Hong Kong e a Maggie é professora de ciências médicas tradicionais.

Maggie Pui Man Hoi (MPMH): A minha formação é em técnicas laboratoriais e investigação científica.

CC: E eu trabalhei como analista de equity research (pesquisa de investimentos) durante 10 anos. Fiz dois anos de jornalismo e depois voltei ao sector financeiro. O livro sobre o Pessanha começou onde acabou o primeiro livro, um projecto que começámos quando me mudei para Macau, no início de 2022. Sabia que não iríamos viajar por, pelo menos, um ano. Então, comecei a escrever histórias divertidas sobre Macau para a Maggie. Uma história passou para duas e depois ela acabou por escrever também. Quando reparámos tínhamos mais de 20 histórias sobre locais e monumentos históricos de Macau.

MPMH: O Christopher perdeu o emprego no fim da pandemia. Estava a sentir-se muito sozinho em Hong Kong e chateado durante o confinamento, não nos podíamos ver. Por isso, decidiu mudar-se para Macau de vez. Durante a quarentena de duas semanas, o apetite por visitar os locais históricos de Macau foi aumentando. Procurou livros que descrevessem os locais que estão na lista de património mundial da UNESCO e não encontrou nenhum livro em inglês fácil de compreender. Então, com muito tempo em mãos na quarentena, começou a escrever o esboço do primeiro livro, que acabou por ser o prelúdio para o livro sobre Pessanha.

A pandemia acabou por resultar num incentivo à produção.

CC: Sim, depois de sair da quarentena seguiram-se os confinamentos e pensei “isto é o que vamos fazer”, ler e escrever. O primeiro livro conta a história de Macau através dos seus monumentos e locais históricos. Existem aqui muitas histórias profundas, que têm como cenário estes locais. Não estamos a recontar a história, só mudámos o foco da narrativa. O primeiro livro tinha 22 histórias e quando nos debruçámos sobre o Pessanha… enfim, era uma história tão boa. Um homem com o coração partido, a forma como chegou a Macau, as batalhas judiciais, as pessoas com quem se cruzou. A história da sua vida era tão rica que tivemos de escrever o segundo livro. O primeiro título do livro era “Testemunha histórica de Macau”, e ele foi isso mesmo, uma testemunha histórica. Viu tantos acontecimentos notáveis desenrolarem-se à sua frente, participou em alguns. É um óptimo instrumento para compreender o que se passou em Macau, perceber como o mundo evoluiu, as muitas mudanças que aconteceram naqueles anos e que continuam a ser palpáveis nos dias de hoje. É isso que queremos mostrar, as histórias dentro da história. Este livro não é uma biografia, não é um livro de história, é alguém a contar a história da cidade.

Camilo Pessanha não é um testemunho histórico habitual. Era uma personagem excêntrica, não era propriamente uma figura política convencional.

CC: Honestamente, não me parece que conseguisse ser seu amigo (risos). Era muito progressista para a altura em que viveu e não me considero assim tão avançado. Via mais à frente. Tentou promover representação chinesa no Senado, proposta que foi muito controversa. Tinha, obviamente, problemas com a Igreja e a forma como os poderes eclesiásticos se imiscuíam na política. Era apoiante do movimento feminista. A Ana de Castro Osório lutou pela lei que permitiu o divórcio em Portugal, e é só a ponta do icebergue em termos de intelectuais com quem tinha relações. Não me parece que seria seu amigo, acho que ele me iria fazer bullying. Acho que acabaria por me pedir para não gozar com ele por usar bengala e ser viciado em ópio.

Como entraram em contacto com a poesia de Camilo Pessanha?

MPMH: Quando acabámos o primeiro livro, o Christopher precisava de outro assunto para ocupar a mente. Durante a pesquisa para o primeiro livro, ficou muito interessado na figura do Governador Ferreira do Amaral e pensou em escrever uma ficção da perspectiva de um pequeno menino chinês que mata o Governador. Escrever sobre a tensão entre a fronteira que separa vítima e agressor, onde estão os limites de cada um. Começou a pensar nesse tema e a ter pesadelos. Viver na pele de um rapaz, em pleno século XIX, foi demasiado intenso. Acordava rezingão e infeliz. Precisava de um tópico mais alegre.

CC: Engraçado que essa figura mais alegre passou a ser o Pessanha.

Alguma vez pensaram que um dia iriam escrever livros juntos?

CC: Não, sou um péssimo escritor. Nunca fui um bom escritor e nunca tivemos nada a ver com edição de livros.

Mas estamos a falar de dois livros num curto período de tempo.

CC: Sofro de hiperatividade com défice de atenção, preciso de fazer alguma coisa e estávamos fechados devido à pandemia (risos).

MPMH: Também nunca me imaginei a escrever livros de ficção. Sou uma pessoa muito técnica, faz parte da minha formação.

O processo foi suave, ou surgiram muitas lutas?

CC: Tivemos alguns desentendimentos sobre como contar as histórias. Se voltar atrás às minhas origens, os bancos têm analistas que avaliam o valor de empresas, esse era o meu trabalho, encontrar valor em algo. Para mim, o valor de Macau e do Camilo Pessanha era muito óbvio, a dificuldade era encontrar uma forma de contar a história. Se tivermos em consideração as Ruínas de São Paulo. Todos conhecem a história do incêndio e pouco mais. Como contador de histórias tens de focar tudo menos o incêndio, preencher as lacunas deixadas em branco, e isso é equity research. Acho que transferimos essas qualidades para a literatura, em vez de avaliar uma empresa, avaliámos uma cidade, uma pessoa.

Como foi processo de recolha de informação e como condensaram essa informação para o livro.

CC: É importante ressalvar que esta informação não é nova, não encontrámos o seu diário secreto do Camilo Pessanha, nem o entrevistámos. Pegámos naquilo que já se sabia, através de trabalhos académicos, literatura e correspondência.

Durante o confinamento, parte da vossa dieta consistia de publicações académicas sobre Camilo Pessanha.

CC: Não somos pessoas fixes. Passámos muito tempo a ler muita coisa.

MPMH: Uma das vantagens de trabalhar na Universidade de Macau é o acesso a recursos bibliográficos.

CC: Pegámos na vida do Camilo Pessanha, na sua cronologia em Macau e no que estava a acontecer no mundo durante esse período. Nesta análise, temas e padrões começaram a emergir, razões para as coisas acontecerem. Por exemplo, em 1895 Pessanha vai a Hong Kong com Venceslau de Morais. Nessa altura, havia um enorme fosso de riqueza entre Hong Kong e Macau. Pensámos que seria interessante endereçar este facto. Será que surgiram episódios de inveja durante as passagens pelo Clube Lusitano de Hong Kong? Será que pensavam nas razões para as desigualdades entre as duas cidades? Outro exemplo foi o período em que Pessanha esteve mais tempo fora de Macau, em Portugal durante quatro anos, a recuperar de pneumonia. Quando estava em Portugal o Rei D. Carlos foi assassinado. Pessanha estava em Braga, não estava em Lisboa, mas pensámos em formas de integrar este evento na história de Macau. Não soa muito bem, mas lembrou-me o 11 de Setembro. Sou de Nova Iorque e ninguém se esquece onde estava no 11 de Setembro, quando tudo mudou. Quando o rei do nosso país morre, esse momento é inesquecível. Um momento de mudança, nada será como antes. Mencionamos isso no livro.

Portanto, acabam por destilar estes momentos históricos de uma forma ficcional. Como fizeram a transição de história para ficção?

Bem, através de simples escrita criativa, tentámos acrescentar alguma fluidez. Por exemplo, Pessanha discursou sobre antiguidades neste edifício (Clube Militar) em 1915 e para encaixar no ritmo do livro situámos esse momento em 1910. Para o leitor aprender sobre o discurso de Pessanha, que falou da necessidade de mudar as indústrias, de mover influências para longe de casinos, ópio, prostituição e tráfico de cules para algo que fosse mais sustentável. Assumimos a responsabilidade de alterar esses pedaços de história e tentámos encontrar uma forma melhor de a contar.

MPMH: Além disso, alguns capítulos são escritos como monólogos. Procurámos entrar na cabeça do Pessanha, na primeira pessoa.

Com uma produção tão intensa, já começaram um livro novo?

CC: Escrever é contagiante, viciante. O nosso foco é encontrar aquilo que não foi muito explorado antes, oferecer algo melhor do que já havia e encontrar um veículo para fazê-lo. No primeiro livro usámos monumentos e locais históricos, no segundo o Camilo Pessanha. Pensámos em escrever um livro que conte a história de Macau através da comida, através dos paladares. Sempre se falou muito sobre a gastronomia macaense, as suas origens. É um tema interessante. Se pensarmos em comida em termos de ingredientes e a sua proveniência, mais uma vez, Macau está no centro de muita acção. Um bom exemplo é a bifana no pão, um prato tradicional de Macau, algo muito simples. Mas se olharmos para a história do pão e a sua evolução encontramos muitas coisas interessantes, a forma como foi correndo o mundo, por exemplo. Nas raízes de Macau, as padarias eram quase tão importantes como as igrejas, os orfanatos ou as escolas. O porco era também um grande indicador para determinar se a pessoa aceitava a fé cristã durante a inquisição. Nesta simples sanduiche, vemos uma nova história a surgir e essa é a ideia. Se encontrar uma nova história a apreciação e o amor pelos locais aumenta, e tudo isto está ligado à forma como as pessoas eram atraídas e chegavam a Macau.

Têm planos para traduzir estes livros para chinês?

CC: Estamos a tentar. Estas edições são de autor, tivemos sorte de encontrar uma editora que trabalhou connosco (Os Macaenses Publicações). Estamos a tentar traduzir para português e chinês, mas são trabalhos um bocado caros.

MPMH: Vamos tentar os apoios da Fundação Macau. A nossa editora tem também uma visão do livro mais pedagógica, por exemplo, para os estudantes aprenderem inglês. Mas temos algumas dúvidas, não queremos rotular o livro como material de ensino para o secundário. Também nos disseram que a história contém alguns elementos sensíveis.

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