Fukushima | Descarga de águas origina protestos na Coreia do Sul

As águas residuais da central nuclear de Fukushima começaram ontem a ser despejadas no oceano, situação que levou à proibição de importação de produtos em Macau, Hong Kong e Interior da China. A Agência Internacional de Energia Atómica supervisionou a descarga e indicou que a concentração de trítio na água está abaixo do limite esperado

 

O operador de Fukushima Daiichi, a Tokyo Electric Power Company Holdings (TEPCO), começou ontem o lançamento para o oceano de águas residuais radioactivas tratadas e diluídas da central nuclear.

Num vídeo transmitido ao vivo da sala de controlo da central, a TEPCO mostrou um membro da equipa a ligar a bomba que descarrega as águas para mar às 13h03 (hora local), três minutos após o início da etapa final, num processo que poderá prolongar-se até 2050.

A bomba enviou o primeiro lote de água diluída e tratada de uma piscina de mistura para uma piscina secundária, a partir da qual a água é libertada no oceano, a um quilómetro da costa, através de um túnel submarino.

O arranque aconteceu só depois da TEPCO confirmar que não havia qualquer impacto devido ao lançamento por parte da Coreia da Norte de um alegado satélite espião, que provocou a activação do alerta antimíssil no sul do arquipélago do Japão.

A TEPCO tinha avisado que a central de Fukushima Daiichi poderia, no início de 2024, ficar sem espaço para armazenar cerca de 1,33 milhões de toneladas de água, proveniente de chuva, água subterrânea ou injecções necessárias para arrefecer os núcleos dos reatores nucleares.

A operadora pretende libertar 31.200 toneladas de água tratada até ao final de Março de 2024, o que esvaziaria apenas 10 dos cerca de mil tanques de armazenamento, embora o ritmo de descarga deva aumentar mais tarde.

A preparação tinha começado na terça-feira, após o primeiro-ministro japonês, Fumio Kishida, ter dado o aval final numa reunião dos ministros envolvidos no plano, aprovado pela Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA).

Ainda na terça-feira, uma tonelada de água tratada foi misturada com 1.200 toneladas de água do mar, sendo que a mistura foi mantida na piscina primária por dois dias para amostragem final para garantir a segurança, disse um executivo da TEPCO.

Junichi Matsumoto tinha dito que, na primeira fase que deverá durar cerca de 17 dias, iriam ser descarregados cerca de 7.800 metros cúbicos de água contendo trítio, uma substância radioativa que só é perigosa em doses muito concentradas.

“Especialistas da AIEA recolheram esta semana amostras das águas preparadas para as primeiras descargas”, afirmou num comunicado o órgão da ONU que supervisiona a operação. “A análise realizada de forma independente no local confirmou” que a concentração da substância radioactiva trítio estava “bem abaixo do limite operacional de 1.500 becquerel (Bq) por litro”.

Protestos na Coreia

A libertação de água começa quase 12 anos e meio após a fusão nuclear de Março de 2011, causada por um forte terramoto e tsunami. O plano levantou preocupações entre grupos de pescadores japoneses e também nos países vizinhos, provocando protestos de rua na Coreia do Sul, que levaram ontem à detenção de mais de dez pessoas que tentaram entrar na embaixada japonesa em Seul durante uma manifestação, informou a polícia local.

Um pequeno grupo de manifestantes reuniu-se em frente à embaixada, segurando cartazes nos quais se podia ler: “O oceano não é a lata de lixo do Japão”. Por sua vez, a agência sul-coreana Yonhap indica que 16 pessoas, todas estudantes universitárias, foram detidas por esta tentativa de intrusão. Outros manifestantes foram dispersos e a polícia restringiu o acesso ao edifício que alberga a embaixada pouco depois deste incidente.

Seul apoiou publicamente a decisão de Tóquio de descarregar água contaminada da central nuclear danificada de Fukushima, mas apelou a uma maior transparência no processo.

“Apelo ao governo japonês para que publique informações sobre lançamentos de forma transparente e responsável durante os próximos 30 anos”, disse ontem o primeiro-ministro sul-coreano, Han Duck-soo.

O chefe do Governo sul-coreano reconheceu que não há razões para uma “preocupação excessiva”, porque o plano aprovado pelas autoridades japonesas, que recebeu a aprovação da Agência Internacional da Energia Atómica (AIEA), não deverá causar danos significativos.

“Embora o cenário ideal fosse evitar completamente a descarga de água contaminada, os peritos de todo o mundo partilham a opinião de que não é necessária uma preocupação excessiva da população”, sustentou.

Alimentos proibidos

A descarga de águas residuais de Fukushima levou as autoridades de Macau e Hong Kong, bem como a própria China, a proibir a importação de determinados alimentos, tal como peixe, marisco, frutas, legumes, ovos, algas e sal marinho, de dez zonas do país, nomeadamente Fukushima, Chiba, Tochigi, Ibaraki, Gunma, Miyagi, Niigata, Nagano, Saitama e Tóquio. A suspensão de importação poderá afectar o abastecimento de restaurantes japoneses em Macau, foi noticiado esta quarta-feira, apesar de representantes do sector estimarem que o impacto será pouco significativo.

Em comunicado, o Governo de Macau declarou que o Japão “ignorou as fortes dúvidas e a firme oposição da comunidade internacional, lançando forçosamente o plano de descarga de águas contaminadas da central nuclear de Fukushima no mar”, pelo que as autoridades locais estão “muito preocupadas com o incidente”, manifestando uma “forte oposição”. Há vários meses que o Instituto para os Assuntos Municipais tem vindo a realizar análises à comida importada do Japão, a fim de testar níveis de radioactividade e eventuais perigos para a saúde pública.

Segundo a agência noticiosa Xinhua, o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) chinês manifestou-se ontem novamente contra a decisão das autoridades japonesas, tendo solicitado ao Governo de Fumio Kishida o fim da operação.

“A China opõe-se firmemente e condena [este acto] com veemência. Fizemos sérias diligências junto do Japão e pedimos-lhe que pusesse termo a este acto ilícito”, afirmou o porta-voz do MNE num comunicado. O porta-voz afirmou também que a eliminação das águas contaminadas da central nuclear de Fukushima é uma questão importante em matéria de segurança nuclear e que o seu impacto ultrapassa as fronteiras do Japão, não sendo de modo algum um assunto privado do país.

O MNE chinês entende que este acto “é extremamente egoísta e irresponsável que ignora o interesse público global”, pois “o oceano pertence a toda a humanidade”.

“Ao despejar a água no oceano, o Japão está a espalhar riscos para o resto do mundo e a passar uma ferida aberta para as futuras gerações”, adiantou o porta-voz.

Para a China, está em causa uma infracção “dos direitos das pessoas à saúde, ao desenvolvimento e a um ambiente saudável, o que viola as responsabilidades morais e as obrigações do Japão ao abrigo do direito internacional”. O MNE entende ainda que, “a partir do momento em que o Japão iniciou a descarga, colocou-se no banco dos réus perante a comunidade internacional e está obrigado a enfrentar a condenação internacional durante muitos anos”.

Impacto no turismo?

Ouvidos pela rádio e televisão públicas de Hong Kong, a RTHK, dois representantes do sector do turismo comentaram a possibilidade de o sector vir a ser afectado devido à descarga das águas residuais de Fukushima. Steve Huen, director executivo da EGL Tours, especializada em viagens ao Japão, afirmou que o impacto pode ocorrer, sendo, no entanto, de curta duração.

Na quarta-feira, adiantou o responsável, o número de pessoas de Hong Kong que se inscreveram para excursões no país sofreu uma redução de 20 por cento face aos dois dias anteriores. “Não creio que os efeitos sejam duradouros. É claro que toda a gente vai observar a situação, mas talvez quando virem que não há problemas, comecem a viajar para o Japão novamente. Penso que levará muito pouco tempo para os números voltarem ao normal, penso que dentro de duas a três semanas”, disse Huen.

Por sua vez, Fanny Yeung, directora executiva do Conselho da Indústria de Viagens de Hong Kong, fala de um efeito negativo mais duradouro, com uma quebra de 20 por cento no número de visitantes nos próximos meses. “A comida de lá, especialmente o peixe fresco, é algo muito desejado pelos viajantes. Este incidente afecta o seu nível de confiança e a intenção de as pessoas irem de férias ao Japão”, disse à RTHK.

A responsável entende que as agências de viagens terão de considerar outros destinos e mercados para as suas operações. Com agências

Subscrever
Notifique-me de
guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
Ver todos os comentários