Educação | Escolas com autonomia para definir regras do uso de telemóveis

Desde 2021 que na China as escolas proíbem os alunos de usar telemóveis nas salas de aula. Em Macau, o Governo dá orientações, mas cada escola define as regras para o uso de telemóveis. Pais e professores defendem a integração dos aparelhos no sistema de ensino

 

Vivemos colados ao ecrã do telemóvel grande parte do dia, respondendo a mensagens e vendo as últimas actualizações das inúmeras aplicações e publicações de redes sociais. No caso de crianças e adolescentes, esse fenómeno é também evidente, debatendo-se cada vez mais qual deve ser o lugar do telemóvel, tablet ou smartwatch [relógios inteligentes, com funcionalidades semelhantes a um telemóvel] na sala de aula, tendo em conta que o excesso de horas a olhar para o ecrã pode ser prejudicial para a saúde, além de reduzir drasticamente o nível de atenção nas aulas.

Na China proíbe-se, desde 2021, o uso de telemóveis nas salas de aula das escolas do ensino não superior. No caso de Macau, as escolas têm autonomia para regular este comportamento, apesar de a Direcção dos Serviços de Educação e de Desenvolvimento da Juventude (DSEDJ) estar atenta à problemática, tendo fornecido informações de referência através do Guia de Funcionamento das Escolas. Aponta a DSEDJ que “as escolas de Macau definem, de acordo com a sua organização das aulas, as regras para o uso de equipamentos electrónicos nas escolas”.

O organismo acrescenta ainda, em resposta ao HM, que, através do Guia de Funcionamento das Escolas, são feitas sugestões sobre “a utilização dos materiais informáticos e o apoio aos alunos para estes aproveitarem [as vantagens] da Internet”, sendo aconselhado que “as escolas planeiem as actividades pedagógicas e a distribuição dos trabalhos de casa realizados com meios electrónicos”.

As directivas emitidas pela DSEDJ têm como referência as sugestões dos Serviços de Saúde sobre o número de horas diárias de utilização dos dispositivos electrónicos com ecrã em diferentes faixas etárias. Desta forma, “pretende-se orientar os alunos a utilizarem, de forma razoável, os produtos electrónicos na aprendizagem, orientando-os para uma atitude e hábitos de utilização correcta da Internet e do telemóvel, equilibrando, deste modo, os seus tempos lectivos e de lazer”.

Além da adopção deste Guia, a DSEDJ afirma que “tem mantido uma comunicação estreita com todas as escolas de Macau, aconselhando-as sobre os aspectos a terem em atenção e realizando, com estas, intercâmbios sobre diversos assuntos de interesse social, de modo a facilitar a elaboração e a implementação de políticas educativas”.

EPM proíbe

No caso da Escola Portuguesa de Macau (EPM) as regras estão há muito definidas no estatuto da própria instituição de ensino, lendo-se que “nas salas de aula é expressamente proibido o uso de telemóveis, smartwatches e de quaisquer outros equipamentos que perturbem o normal funcionamento da aula”.

Filipe Regêncio Figueiredo, presidente da Associação de Pais da EPM, entende que o sistema, em termos gerais, “tem corrido bem”, embora defenda que a EPM deveria apostar na criação de “mecanismos para ensinar os miúdos a usar o telemóvel”, pois a questão mais importante não é a sua utilização em contexto escolar. “Não basta proibir. Não vale a pena esconder uma realidade tão evidente. Se os miúdos usam o telemóvel, muitas vezes mal, preferia que a escola pudesse integrar a sua utilização para que as crianças percebessem que o uso de equipamentos informáticos pode ter utilidade.”

Assim, o responsável considera que a escola poderia fazer um trabalho de “pedagogia sobre a utilização saudável sobre este tipo de aparelhos”.

Usar com autorização

No caso da Escola Oficial Zheng Guanying, as regras para o uso de dispositivos electrónicos definem-se no Código de Conduta dos Alunos. Assim, logo a partir do ensino primário, lê-se que o aluno se responsabiliza com a seguinte regra: “Devo cumprir que não trago telemóveis e computadores tablet para a escola, sem autorização expressa, por escrito, da escola”. Semelhante directiva existe para os alunos do ensino secundário, cujo uso do telemóvel é bastante mais frequente, adicionando-se ainda que, durante as aulas, se deve “colocar em cima da mesa apenas o livro e o material escolar necessário”.

Natacha Gonçalves é professora de inglês do ensino primário nesta instituição de ensino, cujos alunos não usam ainda telemóvel ou outro tipo de dispositivos. Ainda assim, recorda o episódio de um estudante que recebeu dos pais um smartwatch que recebe telefonemas. “Ele usou aquilo durante uma hora apenas, dentro da sala de aula. A directora de turma avisou-me logo que os miúdos não poderiam usar esse tipo de aparelhos.”

Além do que consta no Código de Conduta dos alunos, ficou definido, desde o Verão passado, que os alunos do ensino secundário devem deixar os telemóveis numa caixa fechada à chave assim que chegam ao recinto escolar. “Só a funcionária tem a chave e mesmo nos intervalos grandes os alunos não têm acesso ao telemóvel, recebendo-o apenas à hora de almoço”, aponta Natacha.

A docente aponta ainda que, no caso da EPM, onde os seus filhos estudam, faz-se uma gestão autónoma da questão, dependendo da turma e do professor. “Na EPM os meus filhos sempre tiveram os telemóveis dentro das salas, nos bolsos. Quando fazem barulho eles vão ver as mensagens que receberam, sendo que alguns professores reclamam, outros não. Os docentes acabaram por gerir a situação e habituaram-se à forma de agir dos miúdos. A escola não regula que eles têm mesmo de entregar os telemóveis.”

Natacha Gonçalves entende que existem diversas perspectivas, negativas e positivas, sobre o uso de telemóveis nas salas de aula, podendo até ser integrados no sistema de ensino. “Caso trabalhemos com alunos adolescentes, e se estivermos a ensinar uma língua estrangeira, deveria ser instituído o uso do telemóvel para a pesquisa de certos termos e conceitos. O telemóvel acaba por ser uma ferramenta de trabalho engraçada”, disse.

Desta forma, a professora de inglês acredita que “deve haver um equilíbrio”, lembrando que, acima de tudo, um telemóvel é um bem pessoal que não pode ser retirado de ânimo leve ao seu proprietário. “No meu caso odiaria que me tirassem o telemóvel ou me impedissem de o usar. Será que podem ter direitos sobre uma coisa que nos pertence? Acho que há aqui várias questões [a ter em conta]”, rematou.

Segundo a Xinhua, as regras definidas para o ensino fundamental e médio na China, em 2021, com base numa informação do Ministério da Educação, proíbem mesmo o uso de telemóveis. Caso os estudantes tenham mesmo de usar o telemóvel nas instalações de ensino deve ser submetido um pedido próprio, com o consentimento, por escrito, dos encarregados de educação. Caso este pedido seja aprovado, os estudantes devem deixar os aparelhos com os funcionários, não os podendo usar durante o período de aulas.

O relatório anual da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) sobre a tecnologia na educação, divulgado no mês passado, deixa recomendações para o uso de telemóveis na sala de aula, não só por poderem perturbar a ordem da aula e a atenção do estudante à matéria dada, mas também devido à possibilidade de ocorrência de casos de bullying digital.

Segundo o jornal Público, o relatório aponta que o uso de telemóveis deve limitar-se apenas às actividades curriculares, sendo recomendável a proibição de utilização caso se verifique que a integração dos aparelhos com os conteúdos pedagógicos não funciona na prática, ou perturba o normal funcionamento da aula. Alémdo problema do bullying digital, estar demasiadas horas a olhar para um ecrã pode resultar em problemas do foro físico e mental para os mais novos.

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