Novo Bairro de Macau | Previsto impacto reduzido no imobiliário local

Em Setembro começam a ser vendidas casas no Novo Bairro de Macau em Hengqin, mas analistas acreditam que, a curto e médio prazo, o impacto no mercado imobiliário local será pouco visível. Além dos preços das habitações não serem acessíveis a muitos residentes, existem ainda constrangimentos legislativos e logísticos a ter em conta

 

A Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin soma uma longa variedade de planos e projectos em curso, sendo um deles o do Novo Bairro de Macau, com capacidade para quatro mil apartamentos destinados a residentes da RAEM. Mas até que ponto este projecto, que visa fomentar a cooperação e integração regional entre Macau e Hengqin, irá ter impacto no mercado imobiliário local? Analistas ouvidos pelo HM dizem que as repercussões a curto e médio prazo serão reduzidas.

Rose Lei, académica da Universidade de Macau (UM) e especialista em imobiliário, adiantou que o “impacto poderá ser diferente ao longo do tempo”. Para já, “não é ainda muito perceptível, porque a ideia de viver nessa região é ainda nova”. “As pessoas podem optar por esperar para ver. Se este primeiro lote de unidades [residenciais] vender bem, as pessoas começarão a adaptar-se à possibilidade de se mudarem para Hengqin. Como consequência, o preço da habitação [no território] será afectado de forma negativa. Outro factor a ter em conta é o número de residentes com emprego em Hengqin, que, de momento, não é grande”, acrescentou.

Rose Lei entende que “será natural considerar Taipa e Coloane como as primeiras zonas afectadas” caso haja um impacto do Novo Bairro de Macau no imobiliário local, embora “não seja necessariamente esse o caso”. “O projecto afectaria, sobretudo, as unidades habitacionais de dimensão e qualidade semelhantes, que sejam propriedade de residentes que trabalhem em Hengqin ou que tenham flexibilidade suficiente para viver em Hengqin”, frisou.

Suzanne Watkinson, directora-geral da agência imobiliária Ambiente Properties Limited, diz não acreditar que o projecto do Novo Bairro de Macau “venha a ter impacto nos preços da habitação em Macau”, pois com apenas quatro mil fracções terá capacidade para acomodar menos de um por cento da população local, “o que não é suficiente para movimentar o mercado”.

No entanto, “se o projecto se revelar um catalisador para a deslocação de muitos milhares de pessoas para outros projectos de habitação em Hengqin ou Zhuhai, então poderá haver um impacto a longo prazo”.

Se o projecto urbanístico vier a afectar o mercado imobiliário local, este impacto será mais visível “nas zonas mais antigas da península, atraindo reformados, jovens que compram casa pela primeira vez e aqueles que procuram melhorar as suas propriedades em Macau”. Depois seguir-se-á o impacto nas ilhas de Taipa e Coloane.

Procura reduzida

A agente imobiliária não tem dúvidas de que “a curto e médio prazo a procura pelo Novo Bairro de Macau por parte dos residentes será reduzida”, pelo menos até que infra-estruturas sociais estejam mais desenvolvidas. “A zona é bastante remota”, disse, além de que “a maioria das pessoas em Macau procura maior comodidade do que um nível de vida mais elevado”.

Suzanne Watkinson entende que “os habitantes de Macau estão ainda relutantes em atravessar uma ponte de Macau para a Taipa, pelo que se prevê a mesma relutância em fazer uma viagem diária entre o norte de Hengqin e Macau”. Além disso, “não é conveniente realizar compras na zona, e vemos que, actualmente, há apenas um conjunto de pequenas lojas que servem o Novo Bairro e que parecem estar a perder dinheiro, pelo que poderão não conseguir sobreviver por muito mais tempo e ter de fechar”.

Além disso, em termos de opções educacionais para famílias, a agente imobiliária pensa que “os habitantes de Macau hesitam em transferir os seus filhos para escolas na China, preferindo mantê-los no sistema escolar de Macau”.

O facto de a ideia de viver em Hengqin parecer descabida para muitos residentes poderá estar relacionada com o facto de ainda existirem “dificuldades de integração de Hengqin e Macau devidas às políticas de entrada, controlo alfandegário, inspecções sanitárias, medidas de prevenção e controlo da epidemia, entre outros factores”, conforme descreveu o economista Lao Pun Lap num estudo recente, publicado pela revista Administração. O autor frisou mesmo que “até este momento o número de residentes que optam por se deslocar à Zona de Cooperação é relativamente reduzido”.

Legislação e investimento

Suzanne Watkinson defende ainda que o Novo Bairro de Macau “não é popular como [forma de] investimento”, e as razões prendem-se com a necessidade de cumprimento de legislações diferentes. “A compra de um imóvel na China está sujeita aos caprichos da regulamentação local. No caso do projecto do ‘Novo Bairro de Macau’, os regulamentos da cidade de Zhuhai determinam que as casas recém-adquiridas devem ser registadas durante três anos após a obtenção do ‘Certificado de Propriedade Imobiliária’ e só após um total de cinco anos podem ser transferidas, sem penalizações, para um residente de Macau que cumpra os requisitos”, alertou a responsável.

“Sabemos de pessoas que compraram em Zhuhai e agora as suas propriedades valem uma fração do custo”, sendo este “um problema comum da oferta e procura na China”, onde há “demasiada nova oferta” em termos de imobiliário.

A responsável alerta ainda para os preços elevados das habitações no Novo Bairro, que rondam os três e quatro milhões de renminbis, sendo que “para quem precisa de uma hipoteca, com juros, custará cerca de cinco a seis milhões”.

Assim, “as muitas unidades residenciais subsidiadas pelo Governo que estão a ser construídas na zona A serão provavelmente uma opção mais popular quando estiverem concluídas e disponíveis”.

O facto de existirem diferentes legislações em Macau e Hengqin pode ainda trazer problemas caso o residente queira vender a sua casa no Novo Bairro. “Será que os fundos podem ser transferidos para Macau? Continuamos a ouvir histórias de residentes de Macau que tentam transferir fundos das suas contas em Hengqin de volta para Macau, mesmo que sejam apenas algumas centenas de milhar de renminbis, e descobrem que as suas contas foram congeladas.”

Uma experiência “inédita”

Suzanne Watkinson entende que o Novo Bairro de Macau em Hengqin “é uma experiência inédita” cujo modelo, se for bem-sucedido, “poderá ser replicado”. “Uma das razões culturais e sociais pelas quais mais pessoas de Macau e de Hong Kong não se mudam para o continente é o facto de algumas preferirem viver com vizinhos que são seus compatriotas de Macau ou de Hong Kong em vez de viverem na China. O projecto do Novo Bairro de Macau constituirá uma experiência social interessante a este respeito.”

Acima de tudo, a directora-geral da Ambiente Propterties Limited pensa que o Governo Central “não irá permitir a ocorrência de uma crise imobiliária prolongada em Macau”, intervindo “através de medidas de adaptação caso as circunstâncias o exijam”. “O objectivo [do Novo Bairro de Macau] é proporcionar mais espaço e melhorar a vida da população de Macau, e não diminuir o património líquido dos muitos proprietários locais”, frisou.

Para o economista José Sales Marques, o projecto do Novo Bairro de Macau “é interessante e inovador”, sendo também “uma alternativa de boa qualidade para o mercado habitacional dos residentes”. Ainda assim, “é ainda muito cedo para se saber se o mercado imobiliário de Macau entrará em crise, caso a oferta de habitação no Novo Bairro alcance o sucesso e os fins que foram projectados”.

Sales Marques recorda que a grande maioria dos apartamentos do Novo Bairro será de tipologia T2, cujos preços, embora mais baixos do que os praticados em Macau, “não são acessíveis a todas as camadas da população”. Para a deslocação de uma família com filhos há diversos factores a ter em conta, como a contratação de empregadas domésticas ou facilitação da própria mobilidade.

“A política de contratação de mão-de-obra não-residente e as condições de acesso serão factores importantes a ter em conta, bem como outros custos, nomeadamente de mobilidade através da fronteira de Hengqin, os custos relativos à educação, bem como as perspectivas de mobilidade futura para quem compra uma unidade dessas, nomeadamente quanto ao acesso a crédito e custo do investimento, à possibilidade de revenda ou a evolução do mercado imobiliário de Hengqin”, rematou.

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