Um Grito no DesertoSaúde mental Paul Chan Wai Chi - 25 Jun 2023 Num antigo livro chinês intitulado “Lie-Tzu” , podemos ler a seguinte história: Um homem perdeu o machado e suspeitou que o filho do vizinho o tinha roubado. Ficou a observar a forma como o rapaz andava – mesmo como um ladrão. Observava a expressão do rapaz – era a expressão de um ladrão. Observava o seu modo de falar –tal e qual como um ladrão. Resumidamente, todo o seu ser proclamava a culpa do roubo. Mas mais tarde, o homem encontrou o machado quando foi cavar a terra. E depois disso, os gestos e as atitudes do filho do vizinho deixaram de lhe parecer os de um ladrão. Continuamos a encontrar este tipo de atitude nos nossos dias. Quando a suspeita, o sentimento de insegurança, o medo e o ódio tomam conta de uma pessoa, ela pode passar a agir como o homem do machado. Nos casos mais moderados, deixa de confiar nos outros, mas nos casos mais graves passa a ter comportamentos agressivos. Nos casos moderados, as vítimas sofrem de neurastenia, enquanto nos casos mais graves passam a sofrer de distúrbios do foro psiquiátrico. Estas perturbações mentais têm causas sociais, genéticas e hereditárias. A salvaguarda da saúde mental dos cidadãos e a prevenção de tragédias sociais é da responsabilidade de todos, mas sobretudo do Governo. De acordo com a monitorização efectuada pelos Serviços de Saúde às causas de morte relacionadas com suicídio e registadas em Macau revelam que no primeiro trimestre deste ano foram cometidos 23 suicídios (16 do sexo masculino e 7 do sexo feminino), o que representa um aumento de 8 casos quando comparado com o trimestre anterior (Outubro a Dezembro de 2022). Se o leitor estiver a par das notícias, saberá que é provável que o número de suicídios volte a subir no segundo trimestre de 2023. O aumento do número de turistas em Macau depois da pandemia não aliviou a atmosfera de depressão social. Basta ouvir o programa da manhã da rádio TDM para nos apercebermos da quantidade de desgostos e frustrações da população. Muitas das lojas localizadas nas zonas turísticas fecharam para sempre. A política de plena abertura à circulação dos veículos de Macau para o Interior da China via Posto Fronteiriço de Zhuhai da Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau (adiante designada por “Circulação de veículos de Macau na província de Guangdong”) tem vantagens para os residentes de Macau, mas o negócio da restauração da zona Norte de Macau abrandou. Os representantes do sector manifestaram as suas preocupações na televisão e acredita-se que o Governo tenha reparado. No entanto, não se sabe ainda se o Governo vai reactivar o “Plano de Subsídio de Consumo” no segundo semestre de 2023, que se destinava a encorajar o consumo local dos residentes. E, em vez de se focar na Revisão da Lei Eleitoral para o Chefe do Executivo e da Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau e na sua respectiva promoção, o Governo da RAEM devia concentrar os seus esforços para modernizar a sua capacidade administrativa e para melhorar a qualidade de vida dos residentes de Macau. As pessoas que estão emocionalmente perturbadas e que ligam para a Linha Aberta de aconselhamento psicológico da Cáritas de Macau ou para a Linha Aberta de 24 horas de Aconselhamento do Instituto de Acção Social podem ser ajudadas. Mas o que importa verdadeiramente é eliminar as causas que prejudicam a saúde mental da população de Macau. Durante o último Dia do Pai, a polícia de Hong Kong reforçou as patrulhas nos maiores centros comerciais para evitar que voltassem a ocorrer actos de violência gratuita. Acredito também que o Governo da RAEHK não irá negligenciar a necessidade de dar mais importância às comunidades étnicas do Sul da Ásia que residem em Hong Kong e oferecer-lhes apoio. Embora a segurança nacional seja sem dúvida um assunto de grande importância, se a sociedade não estiver em paz e não se sentir segura, como é que a Nação poderá desfrutar de segurança? Só as pessoas que adoecem precisam de medicação. Nenhum médico vai receitar quimioterapia para prevenir o cancro. Se desinfectarmos tudo à nossa volta só faremos com que as pessoas percam as suas respostas imunitárias. As questões de saúde mental podem levantar pequenos ou grandes problemas. Quando alguém tem um problema de foro psiquiátrico, o sofrimento recai sobre si e sobre os que o rodeiam. No entanto, quando a saúde mental de uma nação está comprometida, incidentes como o genocídio no Ruanda em 1994 podem voltar a acontecer, quando perto de um milhão de ruandeses foram brutalmente assassinados por compatriotas num genocídio liderado pelo Estado contra o grupo étnico Tutsi. Para restabelecer plenamente a normalidade social, o Governo não pode apostar apenas na economia, mas também no “amor e no perdão” entre os indivíduos.