André Sardet, músico: “Basta viver para compor”

Vem a Macau celebrar os 25 anos de carreira num concerto, agendado para amanhã, que é também comemorativo do 10 de Junho. Natural de Coimbra, André Sardet conseguiu firmar-se como um dos nomes mais conhecidos da música portuguesa, com temas que permanecem no imaginário de muitos. Está de regresso aos discos com “Ponto de Partida”, um álbum com a capacidade de olhar em frente

 

É um dos grandes nomes do programa oficial do 10 de Junho. Que expectativas coloca no concerto de amanhã?

Sinto-me feliz porque é a primeira vez que canto em Macau, embora esta ideia tenha sido discutida ao longo dos anos, mas por um ou outro motivo nunca se concretizou. Desta vez, a convite do embaixador Alexandre Leitão, as coisas acabaram por se organizar, com a coincidência interessante das comemorações do 10 de Junho e de acontecer no ano em que comemoro 25 anos de carreira. O que vou levar a Macau é um pouco mais do que um simples concerto, mas sim uma grande parte da minha vida e algo que me deixa muito feliz. Embora nunca tenha estado em Macau, tenho familiares próximos que viveram lá muitos anos e tenho um universo imaginário em torno de Macau. A minha tia paterna, por exemplo, casou em Macau e eles traziam-me uns brinquedos incríveis de lá. Tenho esse mistério, de como será Macau e o que vou conhecer e encontrar.

Começou a sua carreira nos anos 90, contando com muitos êxitos que ainda passam nas rádios portuguesas. Que balanço faz?

É positivo, valeu a pena. Se assim não fosse provavelmente não tinha chegado aqui. Nem todos os anos ou momentos foram tão felizes como gostaria, porque toda a gente que tem uma carreira quer ter sucesso e reconhecimento, e infelizmente durante alguns anos isso não aconteceu, mas a certa altura houve uma grande viragem na minha carreira e tenho tido muito boas experiências. Tenho sentido o carinho do público desde o momento em que as coisas aconteceram.

O que levou a que essa viragem tenha acontecido?

Aconteceu quando uma série de músicas que tinha, e em relação às quais eu achei que não tinha sido feita justiça, por não terem sido reconhecidas, foram gravadas num álbum ao vivo em Coimbra, no Teatro Académico Gil Vicente, e depois teve oito platinas, o que faz deste álbum o mais galardoado dos últimos 17 anos. Foi um álbum que ficou na história, pois fez com que músicas como “Foi Feitiço” ou “Quando eu te falei em amor” tenham passado muito na rádio. “Foi Feitiço” foi a música mais tocada na década de 2000 nas rádios portuguesas, de entre músicas portuguesas e estrangeiras, o que é um feito que só descobri há pouco tempo. Mas eu não quero viver só do passado e este álbum dos 25 anos é exactamente um olhar para a frente. Quero que novas músicas cheguem a um novo público e às pessoas que já me acompanham há algum tempo.

Daí o nome do novo álbum, “Ponto de Partida”? É uma nova fase da sua carreira?

No fundo é dizer que é uma prova de vitalidade criativa. Tinha duas opções: ou gravava um “Best Off” olhando para trás ou olhava para a frente. Encontrei um equilíbrio que foi regravar três músicas, mas olhar para a frente, e dizer que estou aqui para continuar.

Neste álbum o André trabalhou com músicos portugueses da nova geração, como é o caso da Carolina Deslandes, mas também com músicos da chamada ‘velha guarda’, como Jorge Palma. É um olhar sobre as duas perspectivas da música portuguesa?

Quando se comemoram 25 anos de carreira obviamente que pensamos nas pessoas que nos influenciaram e que foram referências para nós, e pensamos também nas novas gerações que tenham talento. Fui buscar uma pessoa que homenageei no primeiro álbum, o Jorge Palma, para cantar “O Azul do Céu”, gravada também no meu primeiro álbum, e se calhar não o fiz antes por timidez ou porque achava que ele não ia aceitar, mas o que é facto é que ele aceitou à primeira. Foi muito agradável cantar com ele. Passou há dias uma reportagem na televisão sobre esse momento e aquilo que ele diz sobre mim é algo que me deixa muito feliz. A Carolina Deslandes é das pessoas da nova geração com mais talento. Além de cantar muitíssimo bem é uma cantora de canções que eu respeito e admiro. Mas fui também buscar uma cantora emergente, a Bianca Barros, com quem gravei um tema.

O single de lançamento do álbum, “Pudesse eu Mudar”.

Sim. Quando olho para a Bianca lembro-me como foi começar. Achei que tinha de convidar alguém com talento, mas que não foi ainda suficientemente reconhecido, mas penso que ficará certamente na música portuguesa.

Como foi esse seu início? Sendo de Coimbra, afastado da capital, onde as coisas acontecem, foi mais difícil?

Foi um desafio muito grande e é algo que me faz ter muito trabalho e estar constantemente na estrada. Muitas vezes penso nisso, como seria a minha carreira se estivesse longe de Coimbra, em Lisboa. Não consigo chegar a nenhuma conclusão, porque se calhar não estou tão presente em algumas situações, mas a verdade é que, ao mesmo tempo, guardo alguma distância e tem vantagens. É uma cidade fácil de percorrer, onde tenho os meus filhos, se calhar Coimbra é o meu ponto de equilíbrio. Não ganho umas coisas, mas ganho outras.

Esteve alguns anos sem editar, lançando em 2008 “Um Mundo de Cartão”, mais virado para o universo infantil? Porquê este interregno e esta mudança?

Esse álbum saiu dois anos depois daquele álbum que teve oito platinas, não foi um interregno muito grande. “Um Mundo de Cartão” representa uma fase da paternidade, muito importante da minha vida. Sem pensar que poderia dar um álbum comecei a compor algumas músicas em casa para brincar com a minha filha e onde entravam personagens inventadas. A verdade é que isso resultou num conjunto de canções que achei que fazia sentido partilhar com o público porque sou um bocadinho autobiográfico a compor, nem sempre, e não escrever sobre uma das fases mais bonitas da minha vida era estranho.

Voltando ao início da carreira, quando percebeu que a música era mesmo o seu caminho?

Foi quando comecei a compor. Aí senti que não era só cantar, mas sim uma forma de comunicar, de chegar às pessoas, de as tocar, e isso teve uma importância maior. Decidi aí que ia meter o pé no acelerador.

Como olha hoje para a música portuguesa? Tem novas sonoridades, considera que é mais ouvida pelo público português?

Vejo com grande interesse e felicidade. Acho que há uma nova geração de músicos, e como em tudo na vida, nem tudo eu acho bom. Mas isso acontece em todas as gerações de músicos, pintores ou arquitectos. Noto que há muita gente com muito talento, que leva isto a sério e que trabalha muito. Estão a fazer subir a qualidade da música e dos espectáculos. O que é facto é que nós antes da pandemia tínhamos uma quota de música portuguesa [para passar nas rádios] de 25 por cento, e hoje é de 30 por cento. Felizmente, hoje em dia, cada vez temos mais concertos e cada vez estão mais cheios.

Já disse que na hora de compor é muito autobiográfico. Quais são as suas influências?

Posso ser influenciado por uma história que me contam, por exemplo. Muitas vezes as histórias dão músicas sem que as pessoas saibam disso. São coisas que me inquietam, frases, filmes, ideias de livros que me ficam na cabeça. No fundo, costumo dizer que os músicos têm a capacidade de descodificar, em música, os sentimentos que toda a gente sente. Costumo dizer que basta viver para compor.

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