Pilotar devagarinho (I)

A semana passada, os jornais de Hong Kong noticiaram que uma conhecida companhia aérea foi alvo de queixas por parte de vários aeroportos, porque nos últimos meses os seus aviões andaram mais devagar do que deviam. Geralmente, o avião leva 10 minutos para se dirigir da porta de embarque para a pista, mas estes aviões estavam a levar 40 minutos para fazer o percurso.
A companhia aérea reconheceu a situação e deu instruções aos pilotos para se deslocarem na pista a uma velocidade entre os 30 e os 40 quilómetros/hora. Os pilotos que agora estão em funções não são culpados pelos erros passados, mas a companhia aérea vai reforçar a sua supervisão. Se o mesmo problema voltar a ocorrer, o piloto responsável ficará sujeito a uma acção disciplinar e pode ser castigado.

É habitual ouvirmos falar de greves de condutores de camiões de mercadorias, de maquinistas, ou de motoristas de autocarros e de taxistas que passam a conduzir mais devagar. No entanto, é raro ouvirmos falar de aviões que circulam mais lentamente, por isso não é de admirar que, quando este caso veio à luz do dia, tenha captado a atenção da comunicação social.
Os jornais fizeram saber que alguns destes pilotos também trabalham para outras companhias aéreas e acredita-se que existem várias razões que provocam esta situação. No caso de o piloto estar a conduzir de forma mais lenta intencionalmente, põe-se a hipótese de o estar a fazer para aumentar as suas horas de voo e, naturalmente, os seus honorários.
Afectada pela epidemia, a companhia aérea renovou os contratos dos pilotos recentemente. À luz do antigo contrato, os pilotos eram pagos com base nas horas de voo estimadas. Mesmo que o avião chegasse mais cedo ao seu destino, o salário do piloto não era alterado. Com o novo contrato, o salário dos pilotos é calculado com base nas horas de viagem efectivamente cumpridas e, na realidade, se o avião chegar mais cedo do que o previsto o piloto recebe menos. Actualmente, os pilotos recebem por cada hora de voo entre 1.500 e 3.000 dólares de Hong Kong (HKD). Se o piloto conduzir o avião muito lentamente na pista e, em vez de fazer o percurso em 10 minutos o fizer em 40, ganha 30 minutos, o que corresponde a receber mais 1.500 HKD.
Mas não se trata só de receber mais 1.500 HKD, trata-se também de acumular 30 minutos às horas de voo, e quem não está por dentro deste assunto pode não compreender de imediato, mas estes 30 minutos são particularmente importantes para o piloto. Pensemos um momento sobre o assunto. A indústria da aviação usa o critério de horas de voo para demonstrar a experiência e capacidade dos pilotos para garantir a segurança dos passageiros. Assim que o avião está no ar, as vidas dos passageiros estão nas mãos do piloto. Um piloto com muitas horas de voo, já teve de lidar com muitas situações e tem experiência suficiente para vir a lidar com outras tantas. Este critério também é usado para a promoção dos pilotos. Portanto, o número de horas voadas é um atestado de “antiguidade” neste ramo. Quanto mais sénior, mais experiente, o que é um indicador de fiabilidade. Actualmente, existem pilotos que deliberadamente conduzem o avião da porta de embarque para a pista muito lentamente para ganharem horas de voo e fazerem avançar as suas carreiras. Este procedimento é aceite pela indústria da aviação? Enquanto passageiros, gostaríamos de apanhar um avião pilotado por alguém que o conduzisse devagar?
Mas para além da questão das horas de voo, o cálculo dos salários dos pilotos também merece alguma atenção. Independentemente de o piloto conduzir o avião mais depressa ou mais devagar, enquanto está na cabine, o piloto está a trabalhar e a companhia aérea tem de lhe pagar o ordenado a tempo e horas. Se conduzir devagar, o piloto tem, naturalmente, mais vantagens. Embora a companhia aérea tenha instruído os pilotos para que dirijam a uma velocidade de 30 a 40 quilómetros por hora na pista, é impossível obedecer a esta indicação à risca, porque a condução do avião está sujeita a várias condicionantes, por isso esta directriz tem sobretudo uma natureza informativa. É como quando um hospital marca uma consulta com um médico, a consulta é marcada pela administração, mas esta não tem poder para determinar como é que ele vai conduzir a consulta ao paciente, porque isso envolve uma série de decisões de ordem médica. Se houver um pequeno descuido, o hospital tem de assumir a responsabilidade e indemnizar o doente, e o médico pode ver a sua licença revogada. Não vai poder continuar a exercer medicina. Por conseguinte, a eficácia da indicação para os pilotos conduzirem o avião entre 30 e 40 quilómetros por hora na pista, varia conforme a situação. Se os critérios subjacentes ao pagamento dos salários dos pilotos não forem alterados, a condução lenta nas pistas pode não vir a mudar significativamente.

Continua na próxima semana.

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