Eurásia, o universo do Pacífico e os anglófonos: do passado ao presente

I. Notícias falsas e visões tendenciosas na história e nos textos modernos

Os historiadores escrevem sobre a História. A comunicação social apresenta-nos os acontecimentos recentes. Antigamente, os acontecimentos não eram registados pela imprensa. Nessa altura, a informação circulava oralmente, ou através de manuscritos, lidos por um reduzido número de pessoas que tinham aprendido a ler e a escrever.

Já não podemos avaliar a fiabilidade destes documentos, intencionalmente postos a circular por pessoas influentes e por organizações governamentais, portanto não sabemos até que ponto são fiéis à “verdade”. O trabalho dos historiadores depende destes documentos e das “fontes” que neles se baseiam. Analisam os documentos e, por vezes, percebem que existe alguma coisa de errado, porque os factos não correspondem, ou porque faltam informações importantes, ou porque são exacerbadas ou distorcidas.

Por regra, os historiadores querem descobrir o que aconteceu no passado. No entanto e, não raras vezes, são desonestos; mentem, intencionalmente ou involuntariamente. Em casos extremos, estão em causa fontes “primárias” totalmente questionáveis – e obras “secundárias” duvidosas e mesmo interpretações defeituosas de pesquisas anteriores. Pior ainda, ´por vezes, académicos “informados” alegam produzir relatos credenciados que resumem pesquisas anteriores, a partir de uma visão generalista. Publicações deste género podem aparecer em periódicos de renome, ou sob a forma de livros importantes distribuídos por editoras de prestígio, em suporte digital ou em papel.

Se o universo académico ou grandes audiências considerarem que os autores destas obras são famosos nas suas áreas de investigação, então existem boas hipóteses de visões falsas e tendenciosas passarem a ser factos aceites. Este é um dos principais aspectos da arte de “lavagem cerebral”.

Aqui chegados, podemos colocar uma questão interessante: Irão as coisas de mal a pior? O coeficiente “matemático” entre informação errada e falsa e informação correcta e verdadeira muda de um período para o período seguinte?

Será que o peso e a percentagem da parte falsa está a crescer? A impressão geral é que, sim, está a crescer. Este parece especialmente ser o caso dos “media” modernos. Existem várias explicações possíveis para essa suposição.:

Estamos a entrar, ou já entrámos mesmo, numa nova era caracterizada pela concorrência implacável entre nações e alianças políticas – uma era de encontros pouco amigáveis ou mesmo hostis. Quando tentamos entender a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, bem como outros conflitos, torna-se praticamente impossível confiar na informação que nos chega diariamente através dos “media” que lideram este sector a nível global. As imagens que nos apresentam são unilaterais. Muito daquilo que nos dizem constantemente não passa de propaganda. O mesmo se aplica ao sector financeiro, ao comércio internacional e a outros fenómenos. Mentir implica desacreditar alguém ou alguma coisa. Há mentiras por todo o lado e dados imprecisos em toda a parte.

Sendo assim, então em quem podemos confiar, se quisermos compreender os acontecimentos que ocorrem à nossa volta? Infelizmente, parece haver muito poucas coisas dignas de confiança. Os factos essenciais permanecem obscuros. O papel dos decisores e as suas intenções não são claros. Há camuflagem, contra-camuflagem, há teorias sobre quem se opõe a quem, sobre redes, planos secretos, truques, estratégias, atividades secretas, et cetera et cetera.

Os seres humanos, assim parece, entraram numa era de mentiras. É certo, que os Governos do passado e os seus dirigentes sempre mentiram, mas possivelmente a situação nunca terá sido tão má como agora. De facto, faz parte da cultura actual embrulhar elementos falsos em papéis coloridos para que possam ser bem vendidos.

Aqui poderíamos continuar a discutir o papel extraordinário das avaliações feitas pelos pares, os rankings, os chamados grupos de reflexão, as teorias, os sistemas de valores, etc. Fingem ser “objectivos”, ou, em alternativa, dizem-nos umas coisas sobre o caminho “certo” e sobre a “exatidão” das coisas. Ao fazê-lo, mostram uma característica comum: Distorcem a verdade de uma maneira ou de outra, involuntária ou deliberadamente.

No entanto, e muito estranhamente, os seres humanos continuam a inventar novos mecanismos e métodos para melhorar o grau de “objectividade”, esperando vir a distinguir as suposições falsas das verdadeiras, ou insistem abertamente num determinado método e ponto de vista, dizendo aos outros que o seu sistema é o melhor e como se deve agir para difundir as ideias que importam. Este tipo de honestidade é “lucrativa”: Há sempre multidões que se deixam levar pela propaganda.

De facto, os homens não se apercebem de um perigo bem simples: Quanto mais acreditam na propaganda, ou na chamada “verdade” e na capacidade de superar notícias falsas, quanto mais se afundam num universo de visões tendenciosas e de mentiras. Afinal de contas, não existe “objectividade” total; a questão do bem e do mal está sempre ligada a algum tipo de medida exterior. É certo que se trata de um problema filosófico. Aqueles, que insistem em compreender as coisas, e que estão convencidos de que seguem o caminho certo, são muitas vezes apanhados num estranho dilema: querem compreender a verdade das coisas, mas enganam-se a si próprios.

Existe alguma maneira de escapar à unilateralidade das notícias, das ondas de propaganda intermináveis e do carácter falso dos dados que consumimos? Nem por isso, mas talvez exista uma forma de, pelo menos, tentar evitar algumas das armadilhas escondidas no fluxo diário de informações falsas. Como foi mencionado, as interpretações actuais das turbulências políticas que nos rodeiam parecem basear-se numa mistura de factos exacerbados ou de factos desvalorizados.

Às vezes, quando consideramos tendências de longo prazo, por exemplo, os chamados elementos de longue durée, podemos ver através da actual selva de notícias políticas e das discussões em curso, e também podemos decifrar as possíveis intenções escondidas por trás de certas coisas que inundam os noticiários.

É claro que se pode dizer, que usar os elementos longue durée para entender o que está a acontecer, é mais uma forma de nos enganarmos a nós próprios, especialmente porque a definição destes elementos depende da percepção selectiva do passado, por exemplo, depende de algo que não podemos classificar como objectivo. No entanto, também podemos considerar o uso de elementos de longue durée como uma espécie de “contra-programa” – ou, uma simples achega que pode polo menos ajudar-nos a estabelecer uma segunda, e talvez diferente, opinião acerca dos assuntos acuais.

Um outro passo que pode ser útil em tais situações é o recurso à história “contra-factual”. Podemos fazer uma pergunta simples: O que teria ocorrido, se um ou outro evento não tivesse ocorrido, ou tivesse tomado um caminho diferente? Se virmos a história como uma cadeia complexa de eventos conectados entre si de várias maneiras, então ao colocarmos a questão “e se”, podemos de repente perceber que um determinado elemento numa longa sequência de actividades humanas foi muito importante, uma vez que constituiu a base de desenvolvimentos futuros – ou, em alternativa, que apenas desempenhou um papel de pouca importância.

Além disso, ao dissecar o passado, podemos ter uma palavra a dizer sobre o futuro. Existe uma razão muito simples para esta suposição: Geralmente, os fenómenos long durée não desaparecem de repente; podem manifestar-se num novo formato, agora e no futuro. Assim, ao tentar identificar fenómenos-chave do passado e ao perguntarmos “e se”, podemos evitar entrar no labirinto das notícias falsas.

II. Da Europa de Leste à Ásia Central: alteração de fronteiras e o papel da Grã-Bretanha

Comecemos pela Europa de Leste. Durante muitos séculos, senão milénios, as estepes intermináveis, as planícies e as zonas florestais que se estendiam desde o norte da Alemanha através da Polónia, Bielorrússia, Ucrânia, Rússia e por zonas da Ásia Central até à Mongólia e Vladivostok foram alvo de agitação política. Facções políticas subiam ao poder e eram destituídas numa rápida sucessão, as fronteiras entre as diferentes entidades políticas nunca foram estáveis.

A União Soviética durou cerca de setenta anos e depois desmoronou-se. Os habitantes da Estónia e da Letónia têm dependido geralmente de outros povos, apenas por poucas décadas desfrutaram de “independência”. A Polónia-Lituânia chegou a controlar uma enorme área que compreendia grande parte da Bielorrússia e da Ucrânia, estendendo-se a Sul até ao Mar Negro. Posteriormente, a Polónia foi dividida e desapareceu como Estado independente; depois voltou a erguer-se. A Bielorrússia, com o seu traçado actual, era um fenómeno raro.

As diferentes políticas da Ásia Central têm uma história igualmente “confusa”. Além disso, embora toda a região tenha registado crescimento económico, especialmente após o fim da Guerra Fria, podemos identificar muitos “pontos problemáticos”. O conflito fronteiriço entre o Quirguizistão e o Tajiquistão é disso um exemplo. Os problemas étnicos na parte ocidental do Usbequistão causam também muita preocupação.

Fontes históricas e arqueológicas dizem-nos que existiram ondas migratórias de um lado para o outro ao longo destes territórios. Entre as obras escritas, os anais dinásticos chineses são bastante importantes. Nestas obras, a Ásia Central e a Ásia Ocidental são designadas pelo nome de Xiyu 西域, ou “Regiões Ocidentais”. Claro que também existem muitas fontes escritas noutras línguas. No seu conjunto, estes textos fornecem imagens vívidas dos desenvolvimentos políticos e culturais na vasta região para lá da moderna Xinjiang.

Mas voltemos à nossa época. Já nos anos 70 do séc. XX, académicos perspicazes pensavam que um dia a União Soviética desapareceria como tal e que as fronteiras iam mudar. Tinham razão. Após a consolidação do poder em Moscovo, em Minsk e Kiev, tornou-se claro que os três, mais cedo ou mais tarde, tentariam formar uma nova união, ou, em alternativa, entrar em conflito. Sem dúvida, a rápida sucessão de políticas e a rápida mudança das fronteiras são elementos recorrentes na História da Europa de Leste. A Suécia, a Prússia, a Áustria-Hungria, a Polónia, o Império Otomano, e outros “protagonistas” estiveram frequentemente envolvidos nesse processo. Hoje em dia, assim parece, somos confrontados com mais uma variação do mesmo. A História repete-se, mas não podemos realmente prever os resultados precisos desse processo, nem num futuro próximo, nem a longo prazo.

Curiosamente, neste contexto, a comunicação social actual tende a ignorar dois aspectos: O foco está na guerra na Ucrânia. Raramente são tentados a levantar a questão sobre o que é provável que venha a acontecer na Bielorrússia, digamos, depois de Lukashenko. Irá a Rússia avançar? Será que um novo Governo manterá o actual rumo político?

Haverá uma revolução e um grande conflito interno? Como é que a Polónia vai reagir? Bruxelas não está satisfeita com algumas das características administrativas e estruturais do Estado polaco. Alguns órgãos de comunicação dizem-nos que o actual Governo da Polónia é muito nacionalista. A Polónia também anunciou que planeia expandir a sua força militar. Irá intervir na Bielorrússia e/ou na Ucrânia, se se tornar necessário? Quais seriam as consequências de tal medida para a UE e para a NATO? Será que isso agradaria à Grã-Bretanha e aos Estados Unidos?

Aqui entramos no domínio do “e se”. Poderíamos continuar a especular, por exemplo, sobre os Balcãs. Mas esse é um cenário muito complexo, e conduziria a debates intermináveis. Basta dizer que a segmentação política desta parte da Europa num conjunto de pequenos países complicou a situação desta zona enormemente e que a instabilidade regional pode vir a ocorrer num novo formato.

A segmentação destas e de outras zonas foi um dos resultados da Primeira Guerra Mundial. Serviu interesses britânicos e não só. Anteriormente, a Grã-Bretanha tinha confrontado a Rússia na Guerra da Crimeia: navios e tropas britânicas entraram em acção na região do Mar Negro e ao longo de algumas costas do norte da Europa. As tropas britânicas chegaram a integrar as forças que atacaram o principal colonato russo na península de Kamchatka, o que, no entanto, não foi bem-sucedido. Tudo isto aconteceu na década de 50 do séc. XIX.

Nessa altura, a Grã-Bretanha era a potência imperial mais agressiva. Planeava expandir-se até ao Sul da Ásia, ao Próximo Oriente, e a outros territórios. Assim, do ponto de vista de Londres, tornou-se necessário impedir que a Rússia tivesse mais possessões no Extremo Oriente, que se tornasse activa no Norte do Pacífico e que se expandisse através da Ásia Central em direcção ao actual Afeganistão e à Índia. Para atingir estes objectivos, a Grã-Bretanha adoptou uma espécie de política divide et impera, o que pode ajudar a explicar porque é que, no início do séc. XX, optou por dividir o universo turco, e porque é que defendia a redução do território russo.

Actualmente, a Grã-Bretanha, como parceiro júnior dos Estados Unidos, voltou a ter um forte discurso anti-Rússia. Ao que parece, as velhas atitudes não desapareceram. Claramente, a Grã-Bretanha já não tem poder para intervir militarmente, mas sentimo-nos tentados a argumentar que anseia a desintegração do império de Putin, na sequência das antigas políticas de Londres.

III. O Pacífico e os anglófonos

Agora voltemo-nos para o Extremo Oriente. A expansão dos Estados Unidos no Pacífico começou no século XIX. A cruel anexação do Havai, a aquisição do Alasca, a abertura forçada do Japão e os esforços bem-sucedidos de Washington para direccionar a atenção dos japoneses para a Coreia e para outras regiões próximas – tudo isso serviu, pelo menos, em parte, para construir um contrapeso à expansão da Rússia.

Naquela época, os Estados Unidos eram os parceiros juniores da Grã-Bretanha. Posições religiosas radicais, a crença na sua própria superioridade e a ideia de “destino manifesto” foram algumas das forças motrizes da expansão da América. Outro aspecto desse processo foi o racismo (que podemos comparar ao dos britânicos e ao seu comportamento). A diplomacia americana e as aventuras militares iam contra as populações indígenas. Também iam contra a esfera de influência hispânica. Enormes territórios ao Norte do que hoje é o México bem como as possessões de Espanha no Pacífico, incluindo as Filipinas, caíram nas mãos de Washington.

A ingerência de Washington também se manifestou na costa da China. Os americanos envolveram-se no negócio do ópio. Apoiaram a Grã-Bretanha em Hong Kong e estiveram intimamente envolvidos no chamado “tráfico de cules”. Milhares de migrantes chineses, tratados como escravos, eram enviados em navios através do Pacífico. Muitos morreram no caminho. Os sobreviventes tiveram de trabalhar na Califórnia e noutras regiões, onde eram continuamente explorados. Migrantes brancos, especialmente os descendentes dos que vieram das zonas “reformistas” do Noroeste europeu, tratavam os seus “colegas” chineses como seres inferiores.

Neste aspecto, Londres e Washington eram aliados. A Grã-Bretanha enviou milhares de chineses para as suas possessões do Sudeste Asiático e da África. Pode acrescentar-se, que as vítimas nunca receberam uma indemnização adequada. Os vencedores fazem o que querem, os vencedores escrevem a História à sua maneira.

Poderíamos encontrar alguns paralelismos com a nossa época, mas vamos continuar com o passado recente. A expansão americana através do Pacífico atingiu o seu clímax no século XX. A derrota do Japão levou a que as Ilhas Ryukyu, outrora um reino independente e um parceiro comercial pacífico da China, caíssem sob o controlo dos Estados Unidos. Na década de 50 do século passado, tropas americanas desembarcaram na península da Coreia. Esta foi a primeira grande intervenção americana no continente asiático. Seguiram-se o Vietname, algumas partes do Laos e do Camboja. No entanto, o Vietname tornou-se algo como um ponto de viragem na política americana no Pacífico.

Embora a força aérea dos EUA tenha lançado enormes quantidades de napalm e de bombas químicas, Washington perdeu esta guerra. Desde então, a sua “linha da frente do Pacífico” recuou, mas não para muito longe. A Coreia, Okinawa e outras zonas ainda fazem parte da cintura militar de Washington. Além disso, a ideia de “A América em primeiro lugar” está muito viva. Washington não integra algumas instituições das Nações Unidas, mas de tempos a tempos pressiona a ONU e insiste no princípio do “Excepcionalismo Americano”.

A duplicidade de critérios é mais um sintoma deste mal-estar: os líderes americanos pregam tolerância e democracia, mas as forças dos EUA intervêm, sempre que factores de ordem económica sugerem que a intervenção vai ser vantajosa para o capitalismo americano. Washington também apoiou vários Governos não democráticos e indivíduos duvidosos em todo o mundo. Parece que Washington aprendeu com Londres a manipular as coisas.

As superpotências não podem correr o risco de se retirar dos territórios conquistados. Não podem abrir mão da sua posição financeira, nem de outras posições. Se o fizerem, os outros podem vê-lo como um sinal de fraqueza. Washington sabe disso e mantem a sua dureza. No entanto, alguns especialistas continuam a dizer-nos que podemos estar muito perto de um acentuado movimento descendente do poder norte-americano, mas é claro que se deve ter cuidado com tais avaliações. Seguindo o exemplo britânico, os Estados Unidos investiram fortemente na construção de escolas, igrejas e de outras instituições culturais para lá das suas fronteiras. O uso alargado da língua inglesa cria ilusões nas mentes de muitos não-americanos, especialmente nalgumas partes da orla asiática do Pacífico, mas também entre as elites do Sul da Ásia. A classificação das instituições e os processos de avaliação servem como ferramenta adicional para realçar a “superioridade” cultural anglo-americana e a “exactidão” dos seus padrões. O império da mentira tem muitas facetas…

Para fortalecer a posição dos anglófonos, Washington promoveu o aparecimento de novas alianças, como a liga AUKUS. Esta parte da história está muito presente nos meios de comunicação modernos e dispensa mais comentários. Basta dizer que o sistema AUKUS não é uma parceria entre iguais. É um dos muitos instrumentos inventados por uma superpotência para defender a sua posição. Por outras palavras, a Austrália foi uma colónia britânica. Psicologicamente, pode agora transformar-se num satélite dos EUA.

Não há dúvida que o processo de pacificação global está em risco, talvez chegue ao fim num futuro fácil de prever. Actualmente, estamos a assistir à possível globalização das acções militares e, claro está, das notícias falsas e das mentiras. A globalização destas últimas funciona, pelo menos em parte, como um substituto dos confrontos militares. Este movimento acompanha o terror electrónico. Um aspecto destes tristes desenvolvimentos diz respeito à relação entre os Estados Unidos e a Rússia, após a desintegração da União Soviética.

Dito isto, podemos brevemente regressar à região da Eurásia. Inicialmente, o chamado “Ocidente” alimentou esperanças de que a Rússia se viesse a tornar uma democracia e que se juntasse à sua esfera de influência. Simultaneamente, vários pequenos países da Europa Oriental tornaram-se membros da NATO. Durante o período da Guerra Fria, a NATO era diferente do que é hoje em dia. Agora, transformou-se numa das muitas alianças, ou melhor, instrumentos, que servem principalmente as necessidades de Washington.

Claramente, dada a longa História da Rússia e as diferentes expectativas, Moscovo teve de reagir. De acordo com certa opinião, Washington sabia perfeitamente que a Rússia não iria apreciar as propostas sugeridas pela Casa Branca e que não estaria disposta a subordinar-se às suas regras e regulamentos (como muitos outros países, que têm as suas próprias tradições e não estão propriamente desejosos de aceitar a duplicidade de critérios associados à missão civilizacional de estilo britânico e americano).

No entanto, os actuais meios de comunicação “ocidentais” não partilham desta opinião; encaram-na como uma fabricação dos rivais dos americanos. Aparentemente, muitos destes media “esclarecidos” estão alinhados com as expectativas americanas. Na verdade, actualmente, muitos dos jornais europeus, que antigamente davam voz a diferentes opiniões, aderiram aos pontos de vista postos a circular pelos anglófilos.

Aqui podemos acrescentar uma última nota de rodapé, não totalmente fora de contexto. O chamado Brexit foi uma jogada inteligente. A Grã-Bretanha pode sofrer a nível económico mas, a nível diplomático, já não precisa de aceitar soluções de compromisso. Pode opor-se abertamente à Rússia, à China e a outros países que objectivamente se encontram entre os seus rivais. Podemos ir ainda mais longe: retrospectivamente, o Brexit parece ter servido para apoiar a hegemonia americana. Coincidência ou um plano bem arquitectado? Seja como for, Washington apreciou certamente a decisão do seu antigo professor. A Grã-Bretanha sublinhou a sua posição anti-continental. Pôde voltar a sonhar com os velhos tempos em que era uma grande potência no Mediterrâneo, nas Caraíbas, no Oceano Índico, no Sudeste Asiático e ao longo da costa da China. A História, como podemos ver, repete-se com um formato diferente.

(continua)

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