25 de Abril | A ida de Nobre de Carvalho à AL e as palavras de apoio

Foi há 49 anos, a 25 de Abril de 1974, que, em Portugal caiu o Estado Novo às mãos da chamada Revolução dos Cravos. Em Macau, o governador Nobre de Carvalho foi à Assembleia Legislativa, dia 29, dar conta da nova ordem política na metrópole, tendo recebido mensagens de apoio dos vogais e das câmaras municipais do Leal Senado e das Ilhas. A censura foi abolida no dia 6 de Maio. Recordamos os discursos e artigos de opinião publicados nos jornais desses dias

 

Numa época em que telefonar para Lisboa constituía uma missão olímpica e em que as notícias chegavam por telegrama, o impacto do 25 de Abril de 1974 em Macau sentiu-se tardiamente. O fim do Estado Novo e do regime ditatorial comandado por Marcello Caetano, como herança do já falecido António de Oliveira Salazar, só foi oficialmente anunciado na Assembleia Legislativa (AL) no dia 29 de Abril pelo então governador Nobre de Carvalho. Aos deputados, este disse existir, por vezes, a necessidade, “na vida dos povos, de decisões drásticas e audaciosas que sacudam uma Nação”, noticiou o diário “Notícias de Macau” a 1 de Maio de 1974.

No período antes da ordem do dia da mesma sessão plenária, José Maneiras, arquitecto, levou para o seu discurso o poema de Manuel Alegre, histórico do Partido Socialista (PS) e um dos que resistiram à ditadura: “No meu país há uma palavra proibida”. A edição do “Notícias de Macau” de 3 de Maio de 1974 reproduziu, na íntegra, o discurso de Maneiras, que prestou uma “calorosa homenagem” ao Movimento das Forças Armadas (MFA) “pela sua preponderante acção desenvolvida com verticalidade, elevado espírito de missão e de profunda consciencialização dos anseios genuinamente nacionais”.

“Não importa fazer aqui a autópsia do antigo regime. De tal missão se encarregará a história. Importa, pois, que todos nós, imbuídos do espírito democrático, saibamos voltar as costas a um passado e, em comunhão dos ideais mais elevados, esquecendo dissecções antigas ou divisões facciosas, encarar com confiança o futuro que se nos depara, com plena consciência dos direitos e deveres que, sobre nós, recaem na construção do bem comum que estruturará um Portugal renovado, pleno de vitalidade (…)”, disse então.

Outro membro do hemiciclo que usou da palavra foi o engenheiro Humberto Rodrigues. “Desejo apoiar com modéstia e sinceridade as considerações que V. Exª acaba de aduzir a propósito da instalação pelo MFA do novo regime no nosso país. Neste singelo apoio, certamente retratando o sentido de todos os portugueses, votos faço para que, desta nova situação, Portugal se encaminhe para um futuro melhor, para seu maior prestígio e dignificação e para bem de quantos se orgulham da nacionalidade portuguesa, bem como daqueles que, confiadamente, se abrigam à sombra da bandeira verde-rubra”, noticiou então o “Notícias de Macau” na sua edição de 1 de Maio de 1974.

Também Ho Yin, histórico líder da comunidade chinesa, interveio na sessão de 29 de Abril. Segundo o “Notícias de Macau” do dia 6 de Maio de 1974, este exaltou o facto de Nobre de Carvalho permanecer como governador, por decisão da Junta de Salvação Nacional. “Julgo interpretar o sentir de todos os senhores vogais desta Assembleia, afirmando que o facto constitui, sem dúvida, motivo de jubilo para esta província”, disse.

Ho Yin lembrava “os esforços despendidos por V. Exa. para o desenvolvimento desta terra mereceram a melhor apreciação do povo português”, pelo que a continuação de Nobre de Carvalho “nas rédeas do governo de Macau deverá contribuir, indubitavelmente, para o maior progresso desta terra”. “Os trabalhos desta Assembleia, sob a sábia orientação de V. Exa., irão prosseguir da melhor forma, a bem do futuro de Macau e do bem-estar da sua população portuguesa e chinesa”, salientou o pai do futuro primeiro Chefe do Executivo da RAEM, Edmund Ho.

Outro importante interveniente na sessão plenária foi o advogado macaense Carlos D’Assumpção. “As notícias divulgadas pelos órgãos de informação e a palavra autorizada de V. Exa. senhor governador vêm pôr termo à expectativa, ansiedade e natural apreensão que acompanhou o desenrolar dos recentes acontecimentos no recanto europeu de Portugal”, começava por dizer.

Carlos D’Assumpção apontava que “não há instituições que dispensem adaptação, revigoramento ou até transformação, mas há-as mais ou menos aptas à realização dos fins que se propõem, como as há que, em si mesmas, encerram o germe da sua inoperância ou destruição”. Além disso, dizia, “não há sistemas políticas eternos ou perfeitos, mas há-os de maior ou menor estabilidade, como os há que, por se adequarem às qualidades e defeitos dos homens e das comunidades a que se destinam, criam e mantém as condições indispensáveis à melhoria e elevação da vida colectiva”.

Moções de apoio

Macau tinha, à época, o poder municipal institucionalizado com as Câmaras Municipais do Leal Senado e das Ilhas. Ambas aprovaram moções de apoio à continuidade de Nobre de Carvalho à frente do Governo e ao novo regime político saído da revolução. Essas moções só foram discutidas e aprovadas no início do mês de Maio.

Segundo o “Notícias de Macau” de 3 de Maio de 1974, a Câmara Municipal das Ilhas aderiu “aos princípios e objectivos da Junta de Salvação Nacional”, governo provisório criado após a queda do regime e comandado pelo general António de Spínola.

“Importa-se, sim, que esta Câmara Municipal das Ilhas, lídimo representante das populações deste concelho, em seu nome no dos habitantes que aqui vivem e labutam, levante também a sua voz e se faça sentir igualmente que todos estão ao lado daqueles ilustres portugueses que fazem parte da Junta de Salvação Nacional, bem como do seu Governador General José Manuel Nobre de Carvalho”, disse o então presidente da câmara aos vereadores na sessão do dia 2.

Já o “Gazeta Macaense”, na sua edição de 1 de Maio de 1974, deu conta da sessão da moção da Câmara Municipal do Leal Senado aprovada e discutida a 29 de Abril. “O Leal Senado, como lídimo representante da população da cidade de Macau e atentas as suas honrosas e gloriosas tradições de lealdade à Pátria, não pode ficar alheio a tão histórico acontecimento que assinala o dealbar para a nação portuguesa da era da reconciliação nacional e da nova ordem política, significativa e expressivamente enunciados no programa da Junta de Salvação Nacional.”

Acrescentava-se ainda que a Câmara não podia “ficar indiferente perante a decisão da Junta de Salvação Nacional em manter o senhor general José Manuel Nobre de Carvalho no cargo de Governador desta província, facto que será segura garantia da continuação da sua esclarecida e meritória acção governativa, sempre inspirada por elevados sentimentos de humanidade e generosidade que, além do mais, tanto têm contribuído para a pacífica e harmoniosa convivência das comunidades portuguesa e chinesa”.

De frisar que da Junta de Salvação Nacional faziam parte Jaime Silvério Marques, que foi governador de Macau entre 1959 e 1962, bem como o general Francisco da Costa Gomes, antigo Chefe do Estado Maior do Comando Territorial Independente de Macau.

O fim da censura

Nos primeiros dias de Maio foram vários os artigos de opinião publicados nos jornais locais sobre a nova ordem política vigente em Portugal. Destacamos o texto de “R. Ferreira”, intitulado “25 de Abril de 1974: Uma nova era para Portugal” e publicado no “Notícias de Macau” a 7 de Maio.

“Às primeiras horas da madrugada do dia 25 de Abril passado nasceu uma nova era para Portugal. 25 de Abril de 1974 – data que marca um acontecimento importante para o futuro de Portugal. Uma data que encerra, em si, um significado profundo e rico, que transcende uma dimensão autêntica e genuinamente nacional. O significado desta data representa uma vitória do MFA, mostrando-nos, mais uma vez, a sua lealdade à Pátria e ao seu Povo.”

Escrevia “R. Ferreira” que era importante o povo “compreender a causa desta vitória, olhando o exemplo heróico daqueles que souberam lutar com honra e, sobretudo, com muita dignidade, esquecendo tudo e todos”. “É motivo para reflexão que certamente ajudará a encontrar novas forças para o futuro de Portugal que temos ânsia de encontrar e construir”, frisou.

Uma das primeiras medidas adoptadas em Macau com o fim do Estado Novo em Portugal foi a abolição da censura à imprensa, livros e cinema. O Major Henrique Lages Ribeiro, último presidente da Comissão de Censura à Imprensa, reuniu dia 3 de Maio com os directores de todos os jornais portugueses, tendo divulgado então o fim da entidade, expresso num comunicado oficial emitido três dias depois. Assim, a 6 de Maio de 1974 era oficialmente abolida a comissão e criada uma Comissão Ad-Hoc, composta pelo capitão-tenente Augusto António Catarino Salgado e capitão Estrela Soares, que vigorou até serem implementadas novas leis de imprensa.

Na sua edição de 4 de Maio, o “Notícias de Macau” dava conta do sucedido, com a notícia titulada “Foi abolida nesta província a censura à imprensa”. Lê-se, no artigo, que Lages Ribeiro citou algumas passagens referidas por Spínola aos órgãos de informação de Portugal no dia 28 de Abril, em Lisboa, nomeadamente a seguinte: “Com a restituição da liberdade à imprensa, esta pode definir individualmente a sua tendência política, mas será desejável que os órgãos de informação não se tornem extremistas nem da esquerda nem da direita e que evitem atitudes demagógicas que confundam e exaltem as populações.”

Em Junho de 1974, o MFA, representado pelo general Garcia Leandro e major Rebelo Gonçalves, organizou uma sessão de esclarecimento em Macau, no colégio de Santa Rosa de Lima, onde foi explicado o que tinha sido a revolução e o impacto desta em Portugal e Macau. De frisar que Garcia Leandro acabaria por ser nomeado governador do território em Novembro de 1974.

Com o raiar da Democracia, formam-se em Macau duas associações de cariz político – o Centro Democrático de Macau, ligado ao Partido Socialista e fundado por diversas personalidades locais como Jorge Neto Valente e José Maneiras, e a Associação de Defesa da Instrução dos Macaenses, afecta ao CDS-PP e ligado a Carlos D’Assumpção.

Em 1976, seria implementado o Estatuto Orgânico de Macau que daria origem a um novo enquadramento jurídico, e que poria definitivamente um fim ao anterior regime do Estado Novo. No livro “Macau nos anos da revolução portuguesa 1974-1979” Garcia Leandro descreve que esta nova jurisdição “deu aos órgãos do Governo próprio do território verdadeira autonomia legislativa, administrativa, económica e financeira”. Abriu-se, assim, um novo caminho até à assinatura da Declaração Conjunta entre Portugal e a China, a 13 de Abril de 1987.

Descreve Garcia Leandro que, à época, “a soberania [portuguesa] em Macau nunca foi muito efectiva”. “Éramos poucos – entre missionários, comerciantes e militares – perante uma população maioritariamente chinesa. Estando os interesses de Portugal já voltados para África, Macau foi perdendo importância num século XX muito instável”, apontou.

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