A habitação é uma barraca

Na semana passada a discussão política em Portugal teve como tema a habitação. Passaram anos e anos em que os governos pouco se preocuparam com os pobres que habitaram centenas de bairros de barracas. A habitação ainda é uma barraca.

Milhares de portugueses e imigrantes vivem em condições imensamente precárias em autênticos bairros da lata. Vivem da forma que podem. Com muito calor, frio intenso ou chuvas para o interior das barracas. Visitámos recentemente um bairro social onde a degradação das casas é o ponto forte, junto do aeroporto de Lisboa, o bairro da Quinta do Mocho, onde a maioria dos habitantes é oriunda de São Tomé e Príncipe.

Acreditem que aquela gente pobre conseguiu construir com restos de madeiras um “restaurante” onde em parte alguma comi melhor peixe grelhado na brasa. Uma delícia que esgota os lugares existentes todos os sábados e domingos.

O braseiro de carvão, com uma grelha artesanal de ferro, ao ar livre, faz com que um cozinheiro exímio apresente o tal peixe grelhado inigualável. Uma construção que apresentamos aqui a sua imagem e que todos vós dirão que não é um restaurante. No entanto, toda aquela gente pensa no dia em que as autoridades camarárias chegam e trazem ordens de demolição.

Tal como o referido “restaurante” existem milhares de casas em perigo de serem demolidas. Contudo, tivemos o primeiro-ministro, António Costa, acompanhado dos ministros das Finanças e da Habitação, a anunciar o projecto do Governo que titulou de Mais Habitação. Caiu o Carmo e a Trindade nas hostes da oposição. Foi a discordância total quando o Governo anunciou que as regras no licenciamento e no investimento de novas casas iriam mudar radicalmente.

O Governo pretende essencialmente que as casas que estejam vazias sejam arrendadas a famílias necessitadas, que não sejam concedidas mais licenças para o chamado ‘alojamento local’ e que as famílias mais pobres terão um subsídio de apoio ao arrendamento. Especialmente em Lisboa e no Porto existem milhares de casas e terrenos devolutos e os proprietários nunca se preocuparam em alterar a situação. A verdade, é que já é tarde que se veja a habitação e a sua obrigatoriedade constitucional como uma solução para os jovens e idosos que não conseguem ter uma casa.

No âmbito do programa Mais Habitação, o Conselho de Ministros aprovou duas propostas de Lei a submeter à Assembleia da República e um decreto lei que visa promover o investimento em arrendamento acessível, reforçar a confiança no mercado de arrendamento e mobilizar património disponível para o afectar à habitação.

A ministra da Habitação, Marina Gonçalves, sublinhou que a primeira linha de intervenção é estimular novos projectos privados de arrendamento acessível, o que será feito através da cedência de terrenos ou edifícios devolutos do Estado, complementado com uma linha de financiamento bonificado, com previsibilidade das rendas, assentes no programa de rendas acessíveis, e com incentivos fiscais.

Tudo isto é muito lindo e seria bom para os mais pobres que os projectos avançassem o mais rápido possível. Mas, como é possível ter boas intenções se em pleno bairro de Alvalade foi construído um prédio de grande dimensão pertencente à edilidade, que está pronto há mais de um ano e que foi anunciado que se destinava a rendas acessíveis.

O prédio está vazio e a Câmara de Lisboa informou-nos que as fracções já tinham destinatários desde que se iniciaram as obras dos alicerces.

A ministra referiu que a segunda intervenção seria o reforço do sector cooperativo, através da cedência de terrenos e edifícios do Estado, com financiamento bonificado, tendo o Estado como parte desses projectos. Mas, como poderá essa intenção avançar se o Estado nunca contabilizou o número de imóveis devolutos pertencentes ao Estado? O Governo nem sabe quantos imóveis devolutos existem.

Uma terceira medida anunciada pela ministra tem a ver com o apoio ao arrendamento. É fácil de politicamente anunciar medidas que mais parecem de propaganda, porque centenas de cidadãos já manifestaram às autoridades que vivem com imensa dificuldade e com três e quatro meses de renda por pagar e não tiveram qualquer resposta?

O Governo anunciou o combate à especulação na venda e no arrendamento. Combate de que forma se as imobiliárias fazem o que bem entendem e os preços das casas estão cada vez mais caros? O Governo pode estar cheio de boas intenções, mas como poderá mudar o paradigma nacional onde pululam os bairros de lata? Todas as medidas podem ser da maior importância e de enorme benefício para as populações, mas lendo com atenção o que o primeiro-ministro anunciou e que tem de passar pelo parlamento e pela aprovação do Presidente da República, concluímos que o tempo em aprovar os projectos, terminar as obras e cumprir a nova regulação não acontece em menos de cinco a 10 anos.

Porque não começar pela construção imediata de residências para estudantes e de bairros sociais com a dignidade eclética possuindo centros de saúde, correios, parques infantis e jardins para os idosos jogarem às cartas?

A habitação, ou a falta dela, é um mal nacional e se os governantes não actuarem com rapidez e eficiência ficaremos na mesma com uma habitação que é uma barraca.

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