Adalberto Tenreiro, arquitecto: “Desenhar é para mim uma terapia”

“1983 Food . Space 2023”, a exposição de desenhos do arquitecto Adalberto Tenreiro, pode ser vista na galeria 10 Fantasia, no bairro de São Lázaro, até ao próximo domingo. Radicado em Macau há muitos anos, o arquitecto expõe desenhos feitos em restaurantes onde se sente mais o pulsar da cidade antiga e das memórias de sítios peculiares

 

Não tem uma exposição individual há algum tempo. Como surgiu a oportunidade de realizar esta mostra?

Esta e as três exposições individuais que fiz pertencem a um processo de organização dos desenhos que vou fazendo como passatempo. Em 1997 a exposição chamada “Diário” organizou todos os desenhos feitos até esse ano, a de 2006 teve os desenhos feitos em Itália durante os sete cursos de Verão feitos no Centro de Estudos Andrea Palladio, a de 2020 teve todos os desenhos feitos em Portugal. Meng Shu Shangyuan é a curadora desta exposição e é uma amiga minha, artista de Xangai, que ensina e pratica em Macau desde há muitos anos e com quem costumo dialogar sobre o que faço. Os desenhos em restaurantes são actos que por vezes faço na companhia de amigos. A Meng Shu conhecia esse meu ritual e aceitou os restaurantes como tema da exposição, expandindo o conceito de comida que, por exemplo, engloba as fachadas dos edifícios que têm restaurantes, ou mercearias desenhadas por estarem inseridas em desenhos maiores que fiz das ruas de Macau.

Que Macau poderemos encontrar nestes desenhos?

Temos uma Macau parcial, não toda a Macau. Há um viver antigo da cidade por entre restaurantes e cafés baratos com comida boa e tradicional, muitas vezes com mesas ao ar livre. [Surge] a comida tradicional de Yum Cha que há cada vez menos, e mesas ao ar livre que foram retiradas. Os desenhos são feitos nas áreas antigas ou muito antigas da cidade e são poucos os que são feitos em áreas com torres de apartamentos onde estão localizados os raros restaurantes de Yum Cha frequentados quase só por pessoas na terceira idade. São poucos os filhos ou netos destes comensais que vão a estes restaurantes. Quase não desenho as novas áreas urbanas e os restaurantes frequentados pelas novas gerações.

Porque decidiu expor os desenhos de forma circular na galeria, a cair do tecto?

Já há muitos anos que desenho muitas páginas em forma de círculos, formando panoramas, que depois imprimo e coloco em plástico transparente para serem colocados como planos em paredes. Numa exposição colectiva, realizada por volta de 2015, em que participei com dois desenhos, um do interior da capela da Guia, outro do exterior, onde se vê o Farol da Guia, expus o primeiro círculo, mas de um modo ainda demasiado complicado. Em Outubro do ano passado, numa outra exposição colectiva, foi usado o modo de expor os desenhos que agora repito [nesta mostra]. As salas de exposição da galeria 10 Fantasia são muito irregulares, pelo que os desenhos cilíndricos suspensos do tecto libertaram as paredes e deixaram as cortinas abertas, bem como as janelas para o exterior e as portadas para a generosa varanda. Assim, entra uma brisa na sala que coloca os cilindros num movimento delicioso. Os visitantes podem entrar e sair pela varanda e na sala de exposições, olhando para as grandes árvores exteriores ou para o espaço interior ocupado pelos cilindros.

Esta mostra contém desenhos que tem feito nos últimos anos, em jeito de diário. Que lugares ou pessoas podemos encontrar nestes esboços?

São poucos os desenhos expostos que estão terminados, mas caso não venham a ser finalizados também ficarão muito bem assim. Cada desenho tem muitas páginas feitas ao longo dos anos, diria que desde há três, nove, 15 ou 31 anos, com 15 ou 45 minutos gastos em cada desenho. Por isso são desenhos antigos e recentes ao mesmo tempo. Na lista dos desenhos exposta na sala da galeria coloco-os por ordem do início da execução. Se tivesse usado a data da última vez em que foram retomados seriam quase todos trabalhos deste ano ou do ano passado. Todos nós vamos a cafés ou restaurantes várias vezes por dia, por isso é que é um tema trabalhado com muitas páginas. Em temas como espectáculos de música ou teatro os desenhos são feitos com menos páginas, ou tenho uma maior quantidade deles feitos numa só folha. Isso deve-se ao acto de ser menos assíduo, em mim, o prazer de assistir a espectáculos.

É importante para si desenhar com frequência, além do exercício habitual da arquitectura?

Sinto que desenhar o que se considera em muita quantidade é para mim uma terapia. Outras pessoas praticam mais a leitura, ou desporto, ou preferem ainda cozinhar, gastando mais tempo nessas actividades que lhes estruturam o quotidiano. O desenhar confunde-se com a profissão de artista, mas onde ganho ou ganhava honorários é a fazer arquitectura. Na arquitectura alguns arquitectos desenham, outros não. Temos três exemplos de um extremo ao outro, que são o arquitecto e pintor Nadir Afonso, que trabalhou com Corbusier, construiu arquitectura de grande qualidade em Portugal e é famoso pela pintura que fez. Corbusier deixou uma arquitectura de referência mundial e uma pintura de qualidade de segunda linha. Existe uma foto de uma reunião de arquitectos famosos onde todos têm um lápis na mão à excepção do [Walter] Gropius, que privilegiava outras capacidades de conceber arquitectura sem passar pelo acto de desenhar. No balançar entre o desenho e arquitectura, agora ocupo mais horas a desenhar, porque tenho menos trabalho profissional de arquitectura.

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