Via do MeioReflexões sobre a simbologia animal no Zodíaco Chinês – Ano do tuzi 兔子 (2023) Roderick Ptak - 18 Jan 2023 Ultimamente, académicos chineses e “ocidentais” têm debatido o papel dos animais na história e a forma como o mundo zoológico foi apercebido no passado remoto. Alguns especialistas têm argumentado que os antigos gregos tentavam entender a fauna de uma forma tal como ela é, enquanto os chineses ancestrais relacionavam os animais com um conceito cósmico mais alargado. Afirmavam que relacionar as aves e outros animais com os cinco elementos das forças do Yin e do Yang, impedia os antigos chineses de definir as differentiae zoológicas baseadas na observação biológica e na análise rigorosa dos animais em si mesmos. Tal ponto de vista é, naturalmente, muito unilateral. A grande variedade de termos para designar os animais, encontrada em textos chineses tradicionais – que incluem diversas obras dos períodos Zhou, Qin e Han – sugerem que os chineses de outrora tinham efectivamente um amplo conhecimento da fauna. Se virmos os antigos trabalhos lexicográficos, datados da época Han – o Erya 爾雅 e o Shuowen jiezi 説文解字 – torna-se claro que os académicos da época levaram a cabo uma enorme tarefa de classificação dos animais de acordo com a sua aparência, comportamento, entre outros factores. Mencionemos apenas um exemplo: Muitas criaturas receberam nomes com o elemento 鼠. Este caracter, que se pronuncia shu, aplica-se a ratazanas e a ratos. Consequentemente, aparece em caracteres complexos usados para roedores. Obviamente, hoje em dia não conseguimos identificar todos os nomes de animais mencionados nos textos tradicionais chineses. Em muitos casos, são apenas nomes genéricos. Isso significa que não os podemos atribuir a famílias animais específicas, definidas pela taxonomia moderna. e também é geralmente difícil associar estes nomes a espécies individuais. As variantes regionais constituem outro problema. Na antiga China, encontramos várias línguas e dialectos. Daí, por vezes, alguns textos dão dois ou três nomes à mesma criatura, ou ao mesmo grupo de animais, e não podemos determinar exactamente qual a origem regional desta nomenclatura. Não obstante, temos de admitir que os conceitos cósmicos desempenhavam um papel importante no passado da China e que o mundo animal, além de não ser examinado de um ponto de vista proto-zoológico, muitas vezes era percebido como um estrato de um todo muito maior. Um dos aspectos desta percepção é a emergêcia gradual do zodíaco animal, com as suas doze criaturas, designado em chinês por shi‘er shengxiao 十二生肖. Este ciclo liga-se ao calendário tradicional chinês e à astronomia, a diferentes formas de adivinhação e a outras características que moldavam a vida quotidiana na China antiga. Infelizmente, já não conseguimos reconstituir o gradual aparecimento do zodíaco animal. Só podemos afirmar o seguinte: A sua forma original não era idêntica ao ciclo actual. Alguns dos animais, que hoje o integram, não estavam presentes nas primeiras versões. Além disso, encontramos ciclos comparáveis em muitas partes da Ásia, mas que frequentemente diferem do zodíaco chinês. Em segundo lugar, interrogamo-nos porque é que animais com que estamos familiarizados não estão presentes no zodíaco chinês. Por exemplo, como é que se pode explicar a ausência das aves? A única que se encontra no zodíaco actual é o galo (ji 鷄). Mas porque é que o pato não está presente neste ciclo, nem os grous, tradicionalmente entendidos como símbolo de longevidade? Podemos explicar a ausência do gato pelo facto, muito provável, deste animal só ter sido domesticado muito tempo depois. Além disso, a ausência do veado e do urso pode significar que o ciclo actual surgiu em regiões onde estes animais raramente eram encontrados. Os elefantes e os rinocerontes também não aparecem, pelo que deveremos excluir categoricamente a China do Sul e a China Central como pátrias do ciclo actual? Pode acrescentar-se que, nos tempos ancestrais, ambos os animais podiam ser encontrados nestas regiões. Outra questão importante é a seguinte: Embora as pessoas decorassem as sepulturas com animais do zodíaco, e embora os encontremos em inúmeros espelhos de bronze do período Han, aparentemente os chineses antigos raramente acreditavam em espíritos animais. Na generalidade, esta crença só foi divulgada posteriormente. Assim, no período Tang, as pessoas temiam o espírito dos gatos. As narrativas de raposas, que se transformavam em belas mulheres para seduzir estudiosos inocentes, eram também comuns nessa época. No entanto, a raposa não tem nada a ver com o zodíaco. O mesmo se aplica ao lobo, outro animal importante na tradição asiática. O lobo transporta-nos ao Norte asiático, onde se encontram cultos totémicos. Aparentemente, tais cultos não eram importantes na antiga China. Locais e etnias individuais raramente relacionavam o seu aparecimento e segurança com animais ou divindades animais. No entanto, e por outro lado, os animais tornaram-se símbolos de todos os tipos de coisas. As pessoas pensavam que o comportamento animal reflectia as condições sociais, o bom ou o mau desempenho de Reis e Imperadores e as relações complexas entre o Céu e a Terra. Assim sendo, nos anos maus, certos animais apareciam na estação errada, e nos anos bons não acontecia nada de especial, ou então as pessoas avistavam pássaros e outros animais que representavam uma governação equilibrada e harmoniosa. Tais crenças deram lugar ao aparecimento da “Fénix” e de outras criaturas idealizadas. Outra questão a ter em conta é a metamorfose. É óbvio que os antigos chineses devem ter reparado nas transformações dos insectos. Presumivelmente, baseados nestas observações, chegaram à conclusão que os mamíferos e as aves também se podiam metamoforsear. Isto, por sua vez, podia estar relacionado com condições e ciclos sazonais, bem como com padrões éticos e morais. Finalmente, sabemos que os antigos chineses atribuíam certas características humanas ao mundo animal. Isto implicava que alguns indivíduos e os seus comportamentos eram comparados, ou identificados, com um animal em particular, com o seu presumível temperamento e com as suas características físicas observáveis. Em suma, os antigos chineses abordavam e faziam uso da fauna de muitas e variadas maneiras. Uma análise cuidada das fontes escritas aponta para a existência de conceitos biológicos, mas também revela elementos religiosos e “ecológicos”, princípios cósmicos e outras facetas associadas ao mundo animal. Agora podemos regressar ao zodíaco animal. A 21 de Janeiro de 2023, a China entrará no “Ano do Coelho”. Em inglês “year of the rabbit” e em espanhol “año del conejo”. O termo chinês é tuzi nian 兔子年. Porque é que menciono os diferentes idiomas? Alguns dicionários antigos – por exemplo, o de R. H. Mathews – diz-nos que, este será o “year of the hare” (ano da lebre). A tradução alemã convencional de tuzi nian é “Jahr des Hasen”; “Hase” significa “lebre”. Por isso, qual é a verdadeira tradução de tuzi nian: “ano do coelho” ou “ano da lebre”? O zodíaco actual, como podemos ver, não é de forma alguma claro. Na verdade, a zoologia moderna não nos ajuda a resolver o puzzle. A actual taxonomia associa duas famílias à ordem dos Lagomorpha (Tuxingmu 兔形目): (1) Os Leporidae (coelhos, lebres) e os (2) Ochotonidae (picas, etc.). Existem vários géneros dentro de cada família e várias espécies dentro de cada género. Em chinês, a família Leporidae recebe o nome de Tuke 兔科 e os Ochotonidae são chamados de Shutuke 鼠兔科. O último termo é interessante porque associa ratos/ratazanas (shu) com coelhos/lebres (tu). Isto não é nada rebuscado, porque os animais pertencentes a essa categoria agrupam hamsters e outros pequenos roedores, que têm focinhos que em muito se assemelham aos coelhos e às lebres. A zoologia também nos diz que diversas espécies das duas famílias se encontram com abundância em várias partes da China. Possivelmente, devido a mudanças climáticas, o habitat destas espécies mudou ao longo da história. Assim, não se sabe ao certo se a espécie Lepus sinensis (Huanantu 華南兔) esteve sempre restrita à região a sul do Rio Yangzi River, como o seu nome científico sugere, ou não. Da mesma forma, o Lepus capensis (Caotu 草兔) pode não ter sido tão comum como é na actualidade. Assim, devemos voltar a perguntar: O que é que designava o termo tu na antiguidade, quando o coelho/lebre entrou no zodíaco animal? Sobre este assunto não existem certezas: Não podemos dizer com exactidão quando, onde e porquê o tuzi começou a fazer parte dos doze animais do ciclo. Textos chineses antigos como o Shi jing 詩經, o “Livro dos Cantares”, mencionam o tuzi, mas não conseguimos encontrar os atributos deste animal claramente definidos – ou seja, características que nos permitam estreitar as possibilidades de pertencer a um pequeno número de espécies. O Shanhai jing 山海經, ou “Livro das Montanhas e Mares” e outras obras famosas com raízes muito antigas também mencionam o tuzi. No entanto, mais uma vez, enfrentamos os mesmos problemas ao tentar equiparar esta criatura com uma das categorias zoológicas actuais. Além disso, os estudiosos sugeriram datas diferentes para muitos textos antigos, o que torna extremamente difícil a reconstrução da trajectória do tuzi através dos tempos. As provas arqueológicas são igualmente vagas. O tuzi aparece em documentos do período Shang (cerca de 1050 AC), e temos vasos antigos de bronze, e outros objectos manufacturados, decorados com coelhos/lebres, mas não se pode adiantar muito mais sobre o papel destes animais na antiga civilização chinesa. A questão tuzi mostra como é difícil lidar com o ciclo animal chinês. Tornou-se moda usar este ciclo para uma infinidade de coisas e, hoje em dia, as pessoas citam muitas histórias mais recentes que associam o tuzi à Lua, ao elemento Yin, e a outras dimensões, mas o simbolismo original ligado a este animal permanece desconhecido. Actualmente, o tuzi está associado à rapidez na acção, à inteligência e à diplomacia. Além disso, em alguns lugares associa-se o coelho/lebre à fertilidade. Os antigos romanos associavam-no a Afrodite e pertencia também à esfera de Dionísio. Sem dúvida, as potencialidades eróticas permanecem bem vivas: as coelhinhas da Playboy são disso um excelente exemplo. Não conseguimos dizer até que ponto eram importantes as características reprodutivas do coelho/lebre na antiga China – ou mesmo se tinham qualquer importância. Talvez houvesse variações regionais e os rituais relacionados com o tuzi não passassem de histórias que circulavam para trás e para diante na antiga Rota da Seda. Será este argumento válido para excluir certas espécies, especialmente as picas, a candidatos ao tuzi “original”? É evidente que a questão do tuzi tem pano para mangas. Milhares de videntes profissionais ganham a vida a interpretar o ciclo animal e a oferecer os seus serviços a todo o tipo de clientes. Na verdade, a multiplicação “tipo coelho” da economia e de outros elementos determinam o incremento do capitalismo. Assim, podemos embelezar este artigo adicionando alguns dados biográficos: Lionel Messi (*!987) nasceu num ano tuzi. O mesmo aconteceu com Albert Einstein (*1879). De acordo com a interpretação popular, isto aponta para velocidade e capacidade fora do vulgar. Macau também é “coelho”. Pedro José Lobo (*1892, no final de um ano tuzi) encontrava-se entre os empresários e políticos mais bem relacionados. Muitas obras contam-nos que ele contribuiu muito para a sobrevivência de Macau durante a 2ª. Guerra Mundial, quando a cidade, apinhada de refugiados, passou por um período de sofrimento extremo. Finalmente, aqueles que acreditam com convicção nas semelhanças entre homens e animais, podem lembrar-se da questão das características físicas e da aparência: Hans-Dietrich Genscher, um antigo ministro alemão dos Negócios Estrangeiros (*1927), respeitado mundialmente por ser perspicaz e diplomático, era conhecido pelas suas orelhas particularmente grandes.