Primeira expedição marítima de Zheng He (IV)

Com a queda da dinastia Song do Sul (1127-1279) e a ocupação da China pela dinastia Yuan (1271-1368), os mongóis estabeleceram um grande império a atravessar o continente asiático até ao Médio Oriente, dominando a Ásia Central e parte da Índia. Devido à Pax Mongolorum ficavam assim desimpedidos os caminhos comerciais terrestres e, como eram um povo das estepes, sem ligação ao mar, apesar de ensaiarem uma expansão marítima, com tentativas frustradas de conquistar o Japão em 1274 e 1281, entregaram a administração dos seus portos com os respectivos juncos a oficiais estrangeiros, sobretudo mercadores árabes a viverem na China há já algumas gerações.

Quando a dinastia Ming chegou ao trono em 1368, os juncos foram proibidos de se fazer ao mar e sair do país e passaram até 1398 a navegar apenas no Grande Canal e por os rios da China. Os caminhos terrestres para Ocidente continuaram controlados pelos mongóis, sendo as costas do Sudeste Asiático percorridas por barcos de mercadores indianos do Gujerate, sobretudo do porto de Cambaia, alguns da península Arábica, de Java, dos arquipélagos da Malásia e das Filipinas, existindo uns quantos mercadores chineses desrespeitadores das leis do país, logo piratas, a manter contactos com as comunidades ultramarinas.

Em 1403, uma armada chinesa comandada pelo Almirante Yin Ching aportava em Malaca, encontrando aí barcos de comerciantes do Índico a fazer negócio. Com uma posição geográfica privilegiada, Malaca começava a dar os primeiros passos para se afirmar como um novo território. O então hindu príncipe Parameswara em 1390 fora coroado Maharaja de Palembang, mas tentando tornar o reino independente logo uma expedição de Java o atacou, obrigando-o a fugir de barco para a península da Malásia, onde havia duas forças em conflito, o Sião e Majapahit. Parameswara pouco depois de chegar à península matou o governante siamês em Tanma-hsi e colocou-se como Rei.

Após um ataque dos Tai, em 1398 partia para Malaca, então ainda uma aldeia piscatória onde se estabeleceu. Aí tentava formar um reino, mas devido à sua inexperiência, era constantemente substituído pelos vizinhos Tai, do reino do Sião. Este o cenário encontrado pelo Almirante Yin Ching em 1403 e, por isso, dois anos depois, Zheng He na sua primeira viagem em vez de ir a Malaca seguiu para o reino do Sião.

PARTIDA DO PORTO DE LIUJIA

A Noroeste da cidade de Nanjing, pelas águas do Rio Jia saíram dos estaleiros de Longjiang muitos dos juncos que, seguindo pelo Yangtzé, navegaram até ao porto de Liujia em Taicang, prefeitura de Suzhou na província de Jiangsu, para se reunirem aos muitos barcos aí já ancorados que os esperavam. Na cidade de Taicang (太仓) existia a povoação Liuhe (浏河) onde no Palácio de Tian Fei, um dos quatro maiores templos a Mazu na dinastia Yuan, Zheng He foi pedir à deusa protecção para a viagem, como era tradição dos mareantes.

Em Taicang foram recrutados um grande número de experientes marinheiros, pois durante a dinastia Yuan fora um dos principais portos da China de onde era o arroz transportado via marítima para chegar à capital Dadu (Beijing), devido à dificuldade do trajecto por o Grande Canal. No porto de Liujia, na povoação Liuhe, nos baochuan foram embarcadas mais de um milhão de toneladas de mercadorias, preciosos e delicados produtos como tecidos de seda, porcelana, chá e moedas de cobre, para trocas e prendas aos soberanos dos reinos a visitar.

No porto de Liujia (刘家港), parte da armada aguardava no estuário do Rio Yangtzé, onde não faltavam já dezenas de juncos, com sete mastros e 28 zhang de comprimento e doze de largura, uns preparados com cisternas para água potável, outros para o transporte de mantimentos, animais vivos para consumo durante a viagem e a servirem de hortas para produzir vegetais, como soja, excelente em vitaminas e contra o escorbuto.

A partida ocorreu no dia 15 da sexta lua do terceiro ano do reinado do Imperador Yongle (11 de Julho de 1405).
O Almirante chefe da armada Zheng He ia instalado no maior dos baochuan e ao seu redor barcos mais pequenos de 24 e 18 zhang com seis e cinco mastros para transporte de tropas e de combate, com uma grande mobilidade, usando ainda uma arma do tempo da dinastia Sui, a “lança explosiva”. Seguiram até Wuhumen, em Fujian, onde foram feitos os últimos preparativos e se juntaram à armada muitos juncos provenientes de vários portos chineses de Zhejiang, Fujian e Guangdong.

Reunida toda a frota em Humen, província de Guangdong, em Dezembro de 1405 a armada avançou ao longo da costa pelo Mar do Sul da China, tendo o Almirante Zheng He a coadjuvá-lo como vice-comandante Wang Jinghong, entre outros Grandes Eunucos. A tripulação totalizava 27.800 homens distribuídos por 62 grandes e médios juncos, os barcos do Tesouro e 255 embarcações mais pequenas, seguindo muitos oficiais, astrónomos, intérpretes, geomantes, milhares de marinheiros e soldados, assim como cronistas, médicos, comerciantes e outro pessoal.

PORTOS VISITADOS

Pelo Mar do Sul da China atingiram na última semana do ano de 1405 a cidade de Qui Nhon, no reino de Champa (hoje parte da costa do Vietname), e avançando para Sudoeste chegaram devido ao bom vento três dias depois a Zhenla, para retribuir a visita diplomática da embaixada daí enviada durante o reinado do Imperador Hongwu.

Seguiram para Surabaya, em Java, onde intervêm num problema de sucessão do trono, mas foram apanhados no meio do conflito local. Mais de cem dos seus homens morreram e quando todos pediam ao Almirante Zheng He para serem tomadas medidas militares, este declinou e preferiu aceitar as desculpas dos nativos.

Partiram para Palembang, na ilha de Sumatra e a caminho do Sião (XianLo, Tailândia) a armada foi apanhada por uma terrível tempestade. Nesse momento de aflição apareceu a Zheng He a protectora deusa Tian Fei que evitou uma tragédia.

Após o Sião, atravessando o estreito de Malaca foram pelo Sul das ilhas de Nicobar até ao Sri Lanka, onde a Sudoeste aportaram em Beruwala. Depois seguiram para Cochim (Kezhi) e chegaram a Calicute (Guli), um dos importantes portos do Oceano Índico de especiarias e têxteis, onde foi deixada uma estela e uma embaixada embarcou para visitar a China.

A armada no regresso encontrou-se em 1407 com uma frota de navios piratas, que controlava a navegação no mar do Sudeste da Ásia e aterrorizava a população de Palembang, em Sumatra, onde existia uma grande comunidade da diáspora chinesa. Após derrotá-los no Estreito de Malaca, trouxe o chefe cantonense Chen Zhuyi e os sobreviventes do bando para serem executados em Nanjing, granjeando-lhe assim uma imensa simpatia e o estreitamento das relações com os países e reinos da região, por deixar esse mar livre de pirataria. Em Palembang embarcou também uma embaixada para a China, que regressaria na 2.ª viagem.

A primeira expedição marítima de Zheng He chegou a Nanjing no segundo dia do nono mês lunar do quinto ano do reinado do Imperador Yongle (2 de Outubro de 1407).

Subscrever
Notifique-me de
guest
0 Comentários
Mais Antigo
Mais Recente Mais Votado
Inline Feedbacks
Ver todos os comentários