Os jovens no período áureo da dinastia Tang

Texto e tradução de António Izidro

 

Li Bai tem histórias simples, mas inspiradoras. Os arrogantes da sua época viam no fenómeno juvenil um punhado de miúdos imaturos, rebeldes e inconsequentes. Neles não reconheciam ou meramente detectavam ideais e sonhos nobres. Limitavam-se a sublinhar os erros que, ingenuamente, os jovens cometem, apagando o facto de muito tempo ainda haver para corrigir e aprender.

“Nos jovens estão os valores. Quem ousa dizer que as gerações de amanhã não serão tão dignas como as de hoje?”

Eis uma sentença de mestre Confúcio. Para o poeta, haverá sempre um lugar para a juventude: «Da providência vem o talento, servirá sempre para alguma coisa».
Ainda jovem, Li Bai chega a Yuzhou (actual Chongjing), onde se desentende com o altivo magistrado local, Li Yong, homem de grande cultura que teve palavras pouco amáveis para com o poeta. Menosprezado, mas não derrotado, Li Bai riposta com arte e sabedoria ao magistrado que ninguém ousava enfrentar. Afinal, o homem embriagado, montado num burro, passeando livre pela comarca, que o magistrado tão arduamente censurava, era o próprio Li Bai. Antes de partir, o poeta dedica-lhe um áspero poema, porque o cargo que ocupava não era consentâneo com o facto de ignorar Confúcio. Afinal, o Confucionismo, como doutrina oficial da época, era matéria obrigatória nos exames oficiais para candidatura a cargo público.

Para (o magistrado) Li Yong
Dapeng, levado no vento,
subiu num só dia 90 mil lis.
Mas poderia o sopro do vento cessar,
suas asas ergueriam ondas no alto-mar.
Vejam-me aquele, o de torpes sentenças,
como troça de minhas soberbas palavras.
O Mestre disse: Respeitai a valorosa juventude,
jamais o homem maduro deprecie os jovens.

Li Bai é também capaz de atravessar o tempo, reemergir no passado, algo frequente nos seus escritos. Num cântico, evoca os tempos da sua juventude, considerando os jovens da sua época. Caçam, tocam música, divertem-se com vinho à noite, em tabernas onde trabalham moças de etnias estrangeiras. Chang An, a Capital da Paz Duradoura, vivia o período áureo da dinastia Tang, as trocas comerciais prosperavam e o “Largo Dourado” era a zona por excelência do comércio, cujas praças e feiras atraíam multidões de mercadores locais e estrangeiros. Era também para aí que os jovens convergiam, de vestes raras, montados em cavalos de raça. Moços prazenteiros, simpáticos e, ainda que fossem ricos, não eram soberbos nem arrogantes. Atributos de uma personalidade que Li Bai ressalta ao longo do poema.

Cântico da Juventude
I
Delícias de vinhos finos,
tangeres de qin, treino de espadas,1
à beira-rio se elevam hinos.
Passariam por Yan, príncipe do reino,2
e tal como os heróis do Condado querem ser,3
nobres de aspirações e de ideais por haver.
Da contenda de Lu Goujian,4
eles guardam um conceito:
uma disputa não revoga o respeito.

II

A leste do Largo Dourado,
jovens dos Cinco Mausoléus,5
– semblantes intensos, brancas
montadas, selas de prata –
vagueiam no vento da primavera,
apreciam as flores pelo caminho.
Joviais, seguem para a taberna
onde jovens estrangeiras servem vinho.6

III

Vede os jovens e intrépidos
viajantes7 de Huainan,8
os dias passam caçando e pela noite
aos dados eles vão jogando.
Por desforra afeita às regras,
eles mil lis dão num passo,
milhões não são embaraço,
e de voz rija clamam: “Todas negras!”9
Prazenteiros se revelam,
em postura fidedigna,
da cabeça aos pés cobertos,
por roupas de seda fina.
Meretrizes e orquídeas,
flores desabrochadas,
são companheiras de encantos
de viagens encantadas.

Senhores de ancestrais nobres,
mas sem arrogância atrevida,
selas, corcéis, dão aos pobres,
e ousam considerar o comércio da bebida.
Corações de ouro singelo,
sinceros em qualquer trato,
pródigos com os vindouros,
amparam qualquer novato.
Tal como as primaveras,
gerações passam e surgem,
flores há que fenecem
enquanto outras ressurgem.
À porta de casa recebem
os letrados com decência;
a nobres, condes ou duques
tratam com igual deferência.
Jovens que alto ides,
vivei alegres a vida,
evitai viver nos livros
e levar vida sofrida.
Jovens que alto ides,
vivei a vida sem dano,
evitai de perecer
nas corveias do mundano.
Sabeis os quase soldados,
os trajados de letrados?
Discípulos de Kongzi,10
pobres e longe exilados.
Não importa se como
raízes e ramos cresceis,11
mas que na presente hora
sem cessar vos empenheis.
Cargos, títulos, comendas,
todos deveis rejeitar,
e em vossas próprias cabeças
as insígnias colocar.12
Valei-vos aqui do sucesso,
tanto na vida o buscais,
pois que a póstuma honra,
tarde demais alcançada,
não constará dos anais.

In LiBai – A Via do Imortal

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