Rosa Ribeiro: “Ninguém vai para o consulado para ser rico”

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A secretária-geral do Sindicato dos Trabalhadores Consulares, das Missões Diplomáticas e dos Serviços Centrais do Ministério dos Negócios Estrangeiros diz que os trabalhadores do Consulado-geral de Portugal em Macau e Hong Kong sofrem uma pressão acrescida devido ao número de utentes, sendo penalizados com as taxas de câmbio nos salários. A “greve histórica” destes trabalhadores começa dia 5 de Dezembro

 

 

É a primeira vez que funcionários de consulados e embaixadas portuguesas organizam uma greve desta dimensão. Qual será a adesão em Macau?

Só contabilizamos os números da adesão no primeiro dia de greve, pois não contamos as intenções de participação. Tem razão quando diz que é uma greve histórica, pois é a primeira vez que dentro do sindicato se processa uma greve para todo o mundo. Já houve uma greve de cinco semanas, mas apenas na Suíça. Esta será uma greve de seis semanas e acontece devido ao agravamento da situação e à inércia para a resolução de várias questões. Os problemas não são de hoje.

No caso de Macau, quais são os mais prementes?

Os trabalhadores do Consulado estão sujeitos a uma grande pressão e os salários estão sem revalorização há muitos anos. Há um empobrecimento constante, além de que em Macau há trabalhadores que não têm protecção social nem vão ter direito a reforma relativamente a todos os anos de prestação de funções. Essa é uma situação absolutamente inadmissível e, infelizmente, Macau é um posto fora da zona Euro e tem as questões da degradação cambial. Tem o problema, semelhante a todos os outros trabalhadores de outros postos consulares, que é estarem sem aumentos desde 2009. Quando têm aumentos, como foi o caso de 2020, foi de 0,3 e de 0,9 por cento este ano, sem que tenham em conta a realidade local. É um conjunto de situações que nos faz crer que o pessoal de Macau vá aderir em força a esta greve.

Neste momento um funcionário do Consulado ganha quase tanto como um empregado de um hotel.

Exactamente. Os trabalhadores em Macau estão praticamente a ser pagos a níveis quase semelhantes aos do pessoal pouco qualificado. Mas todos os trabalhadores têm qualificações elevadas sobre todas as matérias, pois em Macau tanto tratam de matérias de registo civil como renovam passaportes, cartões de cidadão ou emitem vistos. Temos trabalhadores com um leque de funções extremamente variado e uma polivalência que é rara. Têm uma capacidade de trabalho invejável porque passam de um sector a outro sem problema, e têm um conhecimento profundo da realidade em que vivem. Como são todos funcionários públicos, estão sujeitos ao regime de Administração pública portuguesa e podem estar 11 anos sem aumentos de salários. Um trabalhador assim de certeza que está mais pobre. Ninguém vai trabalhar para o Consulado para ser rico. Pedimos apenas que os trabalhadores não empobreçam e que tenham ânimo e direito a carreira. Se estão durante anos congelados naquela carreira sem perspectivas de evolução é algo altamente frustrante. Temos as variações cambiais que jogam contra eles, e neste momento tem um factor de correcção cambial de 5,34 por cento, quando deveria estar nos 12,95 por cento. Perdem muito dinheiro todos os meses e isso também não é aceitável.

Além de desempenharem muitas funções, são também profissionais bilingues devido à especificidade de Macau.

Isso mostra que o nível de competência deles tem de ser elevado. Pessoas perfeitamente bilingues como eles deveriam ser técnicos superiores em vez de serem apenas assistentes técnicos. Todos os dias estão ali a trabalhar com duas línguas. Esse problema também existe noutros postos, mas Macau tem, de facto, essa especificidade. São trabalhadores extremamente empenhados que têm amor pela camisola de Portugal, porque podiam trabalhar noutro lado, a trabalhar no Governo de Macau, por exemplo, com outro desenvolvimento de carreira.

Quantos funcionários faltam no Consulado neste momento para que o serviço funcione em pleno?

Há a necessidade de nove a dez trabalhadores suplementares, porque temos de compreender que os que saem não são substituídos e há um acréscimo de trabalho para os restantes. Os trabalhadores estão exaustos fisicamente e desgastados moralmente com os problemas que não têm resolução à vista. Neste momento somos 1.200 trabalhadores em todos os postos consulares e embaixadas portugueses de todo o mundo, o que mostra que estamos depauperados. Somos uma ninharia no contexto dos funcionários públicos portugueses. Destes 1.200 temos ainda os trabalhadores das residências oficiais. Trabalhadores operacionais e técnicos ao serviço das comunidades temos cerca de 850. Estes números não correspondem ao nível de representação que Portugal deveria ter tendo em conta a extensa rede diplomática. Macau é um grande posto tendo em conta o número de trabalhadores que tem. Dissemos na Assembleia da República, quando interpelados na Comissão dos Negócios Estrangeiros, qual seria o número de reforço global, e falamos em 500 com base num estudo feito. O ministro [João Gomes Cravinho], numa reunião, disse-nos que não era bem este o número que tinham pensado, mas que não estaria muito longe disso. Para nós, não era contratar 500 trabalhadores em quatro anos, mas sim já. Há um tempo de aprendizagem para cada trabalhador. Se queremos chegar ao fim da legislatura com reforço de pessoal temos de os recrutar de uma vez só, para estarem operacionais daqui a três ou quatro anos. Também queremos uma garantia, de que quem vai para a reforma seja substituído, sem que estes trabalhadores entrem no novo recrutamento. Isto porque temos verificado que há substituição das saídas sem novas contratações. Há 100 saídas, mas depois há 100 entradas, pelo que é falsa a ideia de reforço de trabalhadores. Esta deveria ser uma tarefa prioritária do Governo, porque sem isso estamos sempre ao lado da questão e as comunidades vão continuar extremamente insatisfeitas. Somos nós que somos confrontados com os utentes e somos muitas vezes confrontados e agredidos. Agressões verbais são mais que muitas.

Há esse tipo de casos no Consulado em Macau?

Sim. Não há registo de agressões físicas, mas as pessoas quando entram para serem atendidas já vêm frustradas porque estiveram muito tempo à espera. Já se dirigem ao funcionário como se ele fosse o culpado. Não é verdade, porque os funcionários fazem horas extraordinárias sem qualquer compensação, unicamente por brio profissional.

Terminou, na última semana, a discussão na especialidade do Orçamento para 2023 em Portugal. Mais uma vez se verificou que não vai haver um reforço de verbas para resolver este assunto.

Queremos saber como, com quase o mesmo dinheiro, se vai fazer um recrutamento. Este ano ainda há concursos a decorrer. Parece-nos evidente que não há uma prioridade neste sector da Administração pública. É muito simples: somos tratados à parte, apesar de sermos funcionários públicos. Somos esquecidos. Os trabalhadores nestes postos não são uma prioridade. Apresentamos a todos os grupos parlamentares [na Assembleia da República], para que fosse consagrado o princípio de respeitar a inflação dos países onde estão os trabalhadores para calcular a percentagem da sua actualização salarial. Este ano deram-nos uma percentagem de 0,9, baseada na inflação em Portugal entre Janeiro e Dezembro de 2021. Temos países com inflações muito superiores [no caso de Macau, a inflação está a 1,12 por cento]. Queremos rever o estatuto profissional para resolver esta questão.

Os embaixadores e cônsules pouco podem fazer para minimizar estes problemas.

Fazem o seu trabalho, que é reportar o que se passa ao Ministério dos Negócios Estrangeiros. Muitos estão preocupados por terem os trabalhadores nessa situação. Simplesmente as decisões não estão nas mãos deles, mas não se coíbem de enviar alertas muito sérios para o Ministério. Temos colegas com dificuldades físicas e que vêm tratar-se a Portugal, a quem damos ajuda. Demos um aparelho ortopédico a uma colega que tinha um custo de três mil euros [cerca de 25 mil patacas], o Ministério deveria pagar e não pagou, porque não tinha seguro.

Além dos salários, há outras questões que precisam de ser alteradas?

Neste momento focamo-nos mais na questão dos salários, recursos humanos e protecção social. Há uma portaria de seguros de saúde que se aplica aos diplomatas, mas não aos trabalhadores. Há filhos e enteados no Ministério. Se querem ser tratados, têm de adiantar as despesas. Haverá uma segunda fase de rever o sistema de protecção social e o estatuto. Com esta norma travão, que impede que os nossos aumentos sejam superiores aos da Administração pública em Portugal, a nossa situação específica não é reconhecida. E isto também está nos planos de negociação.

O que pode desbloquear a greve?

Que nos sejam comunicadas as tabelas e que haja o aval do Ministério das Finanças, e que sejam publicados os textos que já foram negociados. Muitas vezes é difícil chegarmos a acordo face a um texto, e depois demora a ser publicado, mais de dois anos muitas vezes. É absolutamente incompreensível.

A situação no Consulado de Macau é mais ou menos grave face a outros locais?

É mediamente complicada a situação. Há mais pressão de trabalho em Macau do que em Pequim, veja-se pelo número de utentes. A situação não é das piores nem é das melhores, sendo que nenhum consulado ou embaixada está bem neste momento.

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