Quando um livro faz política

Todos os políticos, personalidades em cargos de topo, juízes e jornalistas sabem o que é o segredo de Estado e o que são as regras de ética e responsabilidade relativamente ao que deve ficar no segredo dos deuses. Na semana passada aconteceu em Portugal um facto triste, abusador e profundamente político.

O antigo governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, lançou um livro sobre a sua década à frente de uma instituição essencialmente técnica e de índole económica. O livro tem dado que falar pelas piores razões. Já lemos a obra e nas suas páginas podemos encontrar assuntos de enorme gravidade e de suma importância do que foi a governação de Carlos Costa à frente do Banco de Portugal, assuntos esses muito mais sensíveis que uma mera saída da engenheira Isabel dos Santos da administração do Banco BIC.

Na cerimónia do lançamento do livro, à qual Francisco Assis estava indicado para apresentar e rejeitou, apareceu Marques Mendes a proferir umas baboseiras absolutamente despropositadas. O acto em si foi transformado num comício político de cor alaranjada.

O que fazia ali na primeira fila o ex-Presidente Cavaco Silva, o ex-Presidente Ramalho Eanes, o ex-primeiro-ministro Passos Coelho, o líder do PSD Luís Montenegro e uma panóplia de figurantes afectos ao PSD? O livro foi comentado em todos os canais de televisão e rádio, pela simples razão de se salientar que Carlos Costa desmascarou o primeiro-ministro António Costa.

O ex-governador do Banco de Portugal anunciou que António Costa o pressionou por telefone e por mensagem privada referindo que seria conveniente não pressionar a saída de Isabel dos Santos do banco que dirigia por ser filha de um Presidente de um país amigo.

Carlos Costa se foi pressionado, devia demitir-se de imediato. Obviamente, que António Costa já participou aos jornalistas que decidiu mandatar um advogado a fim de mover uma acção judicial contra o autor do livro. Mas, neste país já vale tudo? Então, onde está o segredo de Estado devido às personalidades da governação e da administração?

Um assunto de Estado de conteúdo secreto é colocado à estampa para que um país inteiro fique a pensar que um primeiro-ministro é um vendido a terceiros? Onde está a ética e a responsabilidade de manter no segredo dos deuses determinadas matérias da soberania de um país?

O que aconteceria se todos os jornalistas se pusessem a publicar livros com todos os assuntos graves e confidenciais que sempre acharam inconveniente e ético não publicar? O que seria se os muitos assessores ou chefes de gabinetes ministeriais publicassem em livro os segredos das matérias abordadas durante as suas altas funções? O que seria se as secretárias dos ministros ou ex-ministros e dos ex-Presidentes da República viessem a público com obras literárias onde se ficava a saber tudo de menos legal que teriam praticado?

O que seria se um ex-secretário-adjunto que exerceu funções em Macau viesse a público contar-nos as peripécias e negociatas de um qualquer ex-Governador? O que seria se algum jornalista viesse escrever num livro todas as ligações que Ramalho Eanes teve com Macau e como Macau esteve ligado à sua candidatura presidencial e ao partido político que fundou?

Nunca aconteceu e pensamos que não irá acontecer, pela simples razão que ainda há pessoas que sabem respeitar a dignidade e o bom nome de quem tem governado, mal ou bem, este país. Não vale tudo quando se tratam de problemas institucionais. Não vale fazer política baixa e aproveitar-se um lançamento de um livro, mais técnico que outra coisa, para fazer política contra quem está sentado em S. Bento.

António Costa deve ter pensado que devia ter aceitado o conselho que os seus assessores, na altura, lhe disseram para não manter Carlos Costa como governador do banco central português. Era do conhecimento geral, e agora viu-se, que o senhor estava mais ao serviço dos “tubarões” do PSD do que em missão patriótica. Para nós, a estupefacção foi total. Então, Marques Mendes e Passos Coelho, potenciais candidatos a Presidente da República apoiados pelo PSD vão a correr para um lançamento de um livro onde se iria rebaixar a figura política do actual primeiro-ministro?

A que propósito, se não apenas com o intuito de promoção e de ajuda à propaganda laranja contra o actual chefe do Executivo. Não somos socialistas, mas não aceitamos que se venha tornar público conversas privadas do mais alto nível sobre factos graves que aconteceram em Portugal.

Normalmente, é ao fim de muitos anos, décadas ou séculos que se constituem os parâmetros da História e se divulga o que se passou nas altas esferas palacianas. O gesto de Carlos Costa foi imensamente feio. Tem o direito à sua liberdade de expressão, mas também tem a responsabilidade de se obrigar ao silêncio do que foi secreto e privado durante a sua governação do Banco de Portugal.

Excepção aos simpatizantes do PSD, todos os portugueses criticaram a atitude de Carlos Costa que ficará na História como o tal governador do banco central que traiu quem o manteve anos e anos nas grandes mordomias de um cargo como o de governador do Banco de Portugal.

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