Via do MeioHan Fei Zi e o legismo Rui Cascais - 16 Nov 202216 Nov 2022 Han Fei (280 -233 a.E.C.) nasceu na família real do País de Han, no centro da China, durante a fase final do Período dos Estados Combatentes. Na sua formação foi determinante a influência de Xun Zi um confucionista de grande relevo político à época. Para além deste mestre, a outra fonte para as suas teorias políticas foi, curiosamente, o “Dao De Jing” de Lao Zi, que Han Fei interpretava mais como um texto político do que como um guia místico, como pareceu ser prática subsequente e mesmo hodierna. Han Fei via o “Dao” como uma lei natural que todas as coisas e todos os homens estavam destinados a seguir. No entanto, o filósofo acabou por chegar a um pensamento em que o soberano era colocado no centro absoluto, controlando o Estado com a ajuda de três conceitos: poder (“shi”), técnica (“shu”) e as leis (“fa”). Este pensamento seria objecto de um radical refinamento ao longo da sua vida e obra. Han Fei assistiu ao gradual, mas constante, declínio do Estado Han e, em diversas ocasiões, tentou persuadir o rei a seguir políticas diferentes, apesar do monarca nunca ter ouvido os seus conselhos (diz-se que Han Fei seria gago, o que se, por um lado, lhe dificultava a comunicação das ideias na corte, por outro, o terá levado a desenvolver aquele que ainda hoje é considerado como um dos mais brilhantes estilos escritos da China). Com um desespero crescente, via como os políticos do seu tempo eram levados pelos filósofos Ru (nome da escola confucionista) e pelos seguidores de Mo Zi (490-403 a.c. Filósofo de estatura equivalente à de Confúcio, que recusava a ordem aristocrática e preconizava uma certa noção de “Amor Universal”) que pregavam interminavelmente acerca das virtudes morais. Para além desta influência, que considerava perniciosa em extremo, os estados da sua época estavam à mercê de bandos de cavaleiros mercenários que a cada passo escarneciam e agiam contra as leis, acrescentando à confusão da sociedade e dos regentes, como uma errante nuvem negra de anti-heróis pairando sobre todo um período histórico. Por fim, as obras de Han Fei acabaram por chegar ao centro de poder do Estado de Qin, onde pontificava aquele que viria a ser o Primeiro Imperador (o imperador Huangdi). No entanto, na corte Qin o filósofo foi rapidamente vítima de uma teia de suspeitas relacionadas com a sua origem no país de Han e consequente incapacidade natural de servir a outro senhor. Este clima conspiratório acabaria por conduzir Han Fei ao suicídio. O Legismo da Dinastia Qin O ponto principal e básico de onde Confúcio e Mencius partiram assentava numa visão do homem como fundamentalmente bom. Cada ser humano nascia com “de” ou “virtude moral”. Curiosamente, um dos maiores confucionistas da antiguidade, e mestre de Han Fei, Xun Zi (298 -238 a.E.C.), acreditava exactamente no oposto: que todos os seres humanos nasciam fundamentalmente depravados, egoístas, gananciosos e cheios de luxúria. No entanto, esta não era uma visão inteiramente tenebrosa e pessimista da humanidade, pois Xun Zi acreditava, simultaneamente, que os homens poderiam ser tornados bons através da educação e da convivência social. O seu aluno Han Fei começou a pensar a partir do mesmo ponto, embora tenha chegado à conclusão de que os seres humanos são tornados bons pelas leis do Estado. Para o filósofo, a única forma de contrariar o egoísmo humano e a sua depravação era através do estabelecimento de leis que recompensassem abundantemente as acções, que beneficiassem os outros (a comunidade, a sociedade; o próprio Estado, na figura do soberano) e punissem impiedosamente todas as acções que causassem mal aos outros ou ao Estado. Se, para Confúcio, o poder era algo para ser usado em benefício do povo, para Han Fei, o benefício do povo residia no controlo sem restrições do egoísmo individual. Radical, Han Fei acrescentava que se não se puder confiar no próprio Imperador para se comportar à altura do interesse do seu povo, isto é, se se pode esperar egoísmo do próprio Imperador, é necessário que as leis tenham um carácter supremo acima mesmo do soberano. Idealmente, se as leis fossem suficientemente bem escritas e aplicadas com agressividade, não existiria necessidade sequer de liderança individual, pois as leis seriam só por si suficientes para governar o Estado. Mais um aspecto em directa oposição ao idealismo confucionista de uma condição social humana em que as leis não seriam necessárias. Quando os Qin ganharam poder imperial ao cabo de décadas de guerra civil, adoptaram as ideias dos Legistas como a sua teoria política. Na prática isto significou apenas uma nova forma de totalitarismo uniforme. As pessoas eram obrigadas a trabalhar por períodos indefinidos em projectos do Estado, um dos quais foi a construção de secções de muralhas defensivas, parte da Grande Muralha. Todos os tipos de discórdia com o governo passaram a ser objecto de pena capital. Todos os modos de pensamento alternativo, que os Legistas entendiam como encorajando a tendência natural de fraccionamento da humanidade, foram banidos. Estas políticas acabariam por causar a queda da própria Dinastia Qin ao cabo de apenas catorze anos no poder. As revoltas locais não encontraram resistência por parte dos oficiais do governo, que temiam que os próprios relatórios sobre essas revoltas pudessem ser considerados como críticas ao governo e assim resultassem na sua própria execução. A corte só descobriu estes levantamentos quando era já demasiado tarde e, em termos gerais, os Qin caíram em descrédito por mais de dois milénios. Apesar de tudo isto, não é de facto simples desacreditar o Legismo como apenas um curto, anómalo e desagradável período de totalitarismo na história da China. Os Legistas estabeleceram formas de governo que influenciariam profundamente o futuro. Em primeiro lugar, adoptaram e colocaram em prática o idealismo de Mo Zi acerca do utilitarismo: as únicas ocupações a que o povo se devia dedicar deveriam ser aquelas que beneficiassem materialmente os outros, em particular a agricultura. A maioria das leis dos Qin foram tentativas de demover as pessoas de certas actividades inúteis tais como as Letras e a Filosofia. Este utilitarismo haveria de sobreviver como uma das correntes mais dinâmicas da teoria política chinesa. Em segundo lugar, os Legalistas inventaram aquilo a que podemos chamar “o primado da lei”, ou seja, a noção de que a lei é superior a cada indivíduo, incluindo governantes. É a lei que deve governar e não os indivíduos, cuja autoridade se limita à administração da lei. Em terceiro lugar, os Legistas aplicaram, quase como conclusão lógica, uma padronização uniforme da lei e da cultura. De modo a ser eficaz, a lei deve ser aplicada com uniformidade, ninguém deve ser punido mais ou menos severamente por causa do seu estatuto social. Esta noção de igualdade perante a lei permaneceria, com algumas alterações (nomeadamente na questão religiosa, levantada sobretudo com o advento do budismo organizado na China), um conceito central nas teorias chinesas de governo. Na sua busca de uniformização, os Qin levaram a cabo um projecto de padronização da cultura chinesa abarcando o sistema de escrita, o sistema monetário, os pesos e medidas, e os sistemas filosóficos (o que conseguiram sobretudo através da destruição de escolas de pensamento rivais). Tudo isto afectou profundamente a coerência da cultura chinesa e a centralização do governo. A dinastia que lhes sucedeu, a dos Han (202 a.E.C. – 9 a.E.C.), continuou esta tentativa de fusão de escolas rivais num processo conhecido por Síntese Han.