Corredor solitário

encontra quatro amigas para almoçar. As palavras têm virtualidades próprias e alheias, que não se encontram em mais nenhum discurso expressivo. As imagens têm outras, e os filmes. Os sons, nestes, por exemplo e a mistura de sons concretos com fraseamento musical, numa acentuação ou num nivelamento de sensações. De quem?

Take one: O impacto seco dos pés no pavimento, como em câmara lenta, porque a mente corre mais rápida, embora impedida pelo ritmo cadenciado que perturba o turbilhão encadeado de pensamentos corrosivos, de elaborar mais do que fotogramas soltos. Perturbadores mesmo assim. O batimento cardíaco com arritmias que não se arrumam, apesar da regularidade persistente da passada. O esgotamento e algo que continua mesmo assim por mais um pouco. A invasão de ácido láctico nos músculos a intoxicar a intenção. Uma respiração ritmada e ofegante a abafar a música. Mesmo a dos auriculares. Interrompida pela dor no joelho. A cabeça baixa em derrota momentânea, as mãos nos joelhos o suor a escorrer, o rio impávido ao lado. Sem se poder definir por agora se corre, também, ou se se apresenta numa unidade constante. A respiração. Como o fim. De um reservatório de energia para seguir a imperturbável transitoriedade do rio. Paralelamente e sem olhar. Linhas que não se cruzam senão no infinito. Ou seja, para muito além da nossa capacidade.

O que é apaziguador num rio é que há sempre um indefinido lado de lá. Que não tem que ser o visível ou o que é, mas simplesmente uma dimensão outra, para o devaneio – como definido por Bachelard, do repouso, da vontade – que nos dá espaço aberto ao anseio de respiração para além do espaço que já o é, de rio.

O relógio conta passos e quilómetros, enorme, no pulso cada vez mais apertado, o corpo seco e consumido, mas fruto da vontade, a consumir o que já não é excesso.

Nesta narrativa três pessoas encontram-se no corpo. No corpo das palavras da narrativa. A que anda a que corre a que baixa a cabeça. A oxigenação eufórica. Os limites. O consumo e as reservas, numa economia difícil de anotar no livro de contas. O que fica. Tudo junto ao rio de sempre e de margens que são continuidades de percurso. E uma quarta pessoa, a que se senta à mesa, para almoçar. Final cut. Quatro, como quatro amigas que se juntam num almoço a sós. Mas à quarta pessoa, juntaram-se à mesa outras três, vindas de corridas diferentes, nas margens dos mesmos rios.

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