Zhang Wo dançando com a sua sombra

Zhang Wo , Nove Cantos, 1361. (detalhe)

Su Dongpo (1037-1101), que viveu dolorosamente o exílio, escreveu um célebre poema recordado no Festival do Meio-Outono, e conhecido como «Prelúdio à melodia da água» (Xuidiao getou) onde constam os versos que sublinham a saudade e alertam para os perigos do isolamento:

Como gostaria de voltar cavalgando o vento,
Mas receio o Palácio de cristal
e a Torre de jade lá no alto
onde poderei não conseguir suportar o frio.
Levanto-me e danço com a minha sombra clara:
ainda estou no Mundo dos homens?

O exílio poderia ser entendido como a condição do poeta como a viveu Qu Yuan (339-298 a.C) e identificou no Li Sao, Encontrando a tristeza, que consta da antologia Chu ci, as Elegias de Chu. A figura do poeta unia-se assim aos versos de origem xamânica, escritos para serem cantados em forma de antífonas no decurso de cerimónias rituais e, fazendo uma ponte para o mundo dos seres sobrenaturais, facilitavam a transmissão de objectivos morais, métodos estilísticos do passado e à exposição expressiva do trabalho do pincel.
Foi o que na dinastia Yuan um pintor literato de Hangzhou chamado 張渥 Zhang Wo (activo entre 1336-64) fez e mostrou no rolo horizontal Nove Cantos (Jiu ge) de que existem três versões. Duas de 1346, uma no Museu de Xangai, outra no Museu Provincial de Jilin (tinta sobre papel, 29 x 523,5 cm). Outra de 1361 está no Museu de Arte de Cleveland (tinta sobre papel, 28 x 438,2 cm) contendo o texto original na caligrafia de Chu Huan (activo 1361- c.1450), que acompanha as onze representações.
Entre elas, uma das mais antigas figurações do poeta Qu Yuan e mais dez seres imortais que constam das Elegias. Executadas sem cor ou diluição de tinta (baimiao) mostram, no esplendor das suas linhas claras e ondulantes, a cadência do movimento de ondas e nuvens, particularmente nas etéreas figuras dos dois poemas mais conhecidos, dedicados à Divindade e à Dama do rio Xiang.
Zhang Wo recriou nessa pintura um tema e um método já usado por Li Gonglin (1049-1106), que aperfeiçoou e que vinha já do pioneiro Gu Kaizhi (345-406) e do seu rolo Ninfa do rio Luo, que também se apoiava num poema narrativo de Cao Zhi (192-232), que descreve encontros e desencontros com uma ninfa desse rio cujo original se perdera, mas fora recriado várias vezes durante a dinastia Song. Um género de pintura em que os seus amigos literatos gostavam de se rever.
Da biografia de Zhang Wo consta uma breve carreira de funcionário imperial, abandonada por desencorajamento ou perseguição baseada em preconceitos regionalistas. Mas desde que abandonara a burocracia, encontrara o mecenas Gu Ying (ou Gu Dehui, 1310-69) que lhe proporcionou a possibilidade de viver da arte da pintura. Achará nela um lugar de exílio oposto ao destino funesto de Qu Yuan. Como escrevera Su Dongpo: «Se o meu coração encontra aqui a paz, aqui será a minha aldeia natal.»

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