Entrevista MancheteJosé Leitão, representante do escritório da MdME em Portugal: “Continuamos convictos da retoma de Macau” Andreia Sofia Silva - 13 Out 2022 José Leitão / HM Depois de anos a operar em Portugal em parceria com um escritório de advogados local, a MdME estabelece-se agora no país por conta própria, apostando na assessoria jurídica ligada ao investimento entre Portugal e a China. José Leitão, responsável pelas áreas de compliance e Direito público, fala dos planos de expansão do escritório que aposta cada vez mais na internacionalização A MdME abre agora oficialmente o escritório em Lisboa, mas já tinham presença em Portugal há algum tempo. Tínhamos feito o trabalho preparatório e operamos desde que temos a licença da Ordem dos Advogados, há alguns meses. Mas estamos agora a fazer o lançamento [oficial] porque pudemos mudar de instalações e aproveitamos o facto de ter mais sócios em Portugal. Na realidade, já trabalhávamos há alguns anos com Portugal fruto de uma parceria que tínhamos com os escritórios da Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados. Agora operamos como escritório independente. Quais os principais projectos que pretendem desenvolver a curto prazo? Queremos recrutar mais profissionais, crescer e fazer o percurso normal de uma sociedade de advogados internacional em expansão. Temos planos a longo prazo, estamos aqui para ficar e esse é o passo seguinte para a nossa expansão, quer pela natureza das operações e a nacionalidade dos advogados, pois temos um ADN chinês e português, quer pela proximidade dos dois países e pelo fluxo de investimento que existe nos dois sentidos. Achamos que uma sociedade internacional nascida em Macau está tendencialmente posicionada nestes dois fluxos de investimento. O nosso plano é fazer crescer a nossa assistência e sermos a sociedade internacional de advogados que assiste os clientes nas suas necessidades jurídicas e nas suas relações entre Portugal e China. Mais do que uma questão estratégica, o estabelecimento do escritório em Lisboa não é também uma questão de sobrevivência, tendo em conta a situação em Macau, com a redução da comunidade portuguesa, por exemplo? O passo natural para as sociedades de advogados em Macau é mesmo a internacionalização? Acho que sobrevivência é uma palavra um pouco pesada. O plano de internacionalização com uma presença em Portugal é até do tempo pré-pandemia. Obviamente que a pandemia veio desacelerar o ritmo e obrigou-nos a gerir os nossos esforços de outra maneira. Já sentíamos esta necessidade. Independentemente das circunstâncias que acontecem neste momento em Macau, compreendemos que elas têm impacto na comunidade portuguesa, porque torna difícil as viagens, as pessoas não têm como tirar férias, e para nós faz sentido uma diversificação. Macau é o centro da nossa actividade, continuamos a ter um projecto de longo prazo para Macau. Continuamos convictos da retoma de Macau e do regresso à normalidade. Há aqui um elemento de diversificação e internacionalização. Não lhe chamo sobrevivência, mas [este passo] ajuda, evidentemente. Esta estratégia em relação a Macau passa por Hengqin? Estamos atentos a todos os desenvolvimentos que estão a ser feitos no âmbito do estreitamento da ligação de Macau com a China. Hengqin surge no contexto do estreitamento de relações com a China, tal como a Grande Baía, e queremos fazer parte desse projecto. Achamos que Hengqin está ainda numa fase de evolução e ainda se vai revelar num futuro próximo qual será o papel de Macau e dos profissionais como os advogados. Mas Hengqin faz, sem dúvida, parte dos nossos planos e é um horizonte para o qual olhamos com interesse. Promovem actividades em diversas áreas como consultoria e alta finança. Que perfil traça dos vossos clientes? São clientes que, ou querem fazer o movimento para a entrada no mercado português, seja a título individual ou colectivo, ou são clientes que estão cá em Portugal e que sentem necessidade de ter um serviço jurídico mais focado neles e ciente das especificidades culturais. É fundamental trazermos essa compreensão aos clientes. No fundo, somos a ponte entre estas duas culturas. Eu vivi quase 14 anos em Macau, temos advogados chineses, e temos uma polinização cultural que é um elemento diferenciador. O nosso perfil de cliente é aquele que já tem alguns investimentos no mercado português ou quer fazer investimentos com algum volume e têm necessidade de ter um maior apoio na área do Direito português e de um aconselhamento estratégico. A entrada no mercado com barreiras de língua, culturais e jurídicas pode ser um processo difícil. Nós fazemos a assessoria jurídica, mas também ajudamos os clientes a navegar nesta nova realidade. A China investe em Portugal há muitos anos, houve a política dos vistos Gold. Como descreve hoje o investimento chinês em Portugal? Portugal é um parceiro de negócios natural da China, e somos o mais antigo de todos. Achamos que a relação comercial entre Portugal e a China é estratégica para os dois países. Evidentemente quando se criam certas condições privilegiadas de investimento existe um ciclo de um maior investimento, menos focado e mais de oportunidades, e depois vai-se refinando até se tornar um investimento menos quantitativo e mais qualitativo. É isso que vai acontecer. Existe uma lente covid nos últimos dois anos que distorce todas as análises que se possam fazer, mas achamos que o apetite [pelo investimento] continua. O futuro vai ser marcado por investimentos mais estruturados e qualitativos, focados em áreas de interesse específicas. Macau pretende desenvolver o seu sector financeiro… E tem feito alguns desenvolvimentos, no âmbito do mercado das obrigações. Tem feito algumas reformas. A reforma do sistema financeiro tem sido feita e é uma área em que somos bastante activos. Face a esse mercado de obrigações, há interesse da parte das empresas portuguesas, incluindo no projecto da plataforma comercial? A questão da plataforma é uma discussão antiga. Parece um slogan. Não é um slogan, mas sim um desígnio. Como todos os desígnios demora tempo a ser implementado e depende de uma confluência de factores. Acho que estão a convergir mais. O mercado de obrigações é um sistema de capitalização de empresas interessante em Macau. Falta ainda, e achamos que temos um papel nisso, algum reconhecimento de parte a parte. Falta a sensibilização das entidades para o sistema jurídico que é semelhante ao português, o que oferece algumas garantias, nomeadamente o facto de as leis estarem em português. Em Macau, onde são emitidas e vendidas as obrigações, falta a sensibilização do mercado local para o que são as empresas portuguesas. Existe interesse, mas é preciso ainda algum trabalho de fundo de sensibilização e de um maior conhecimento das ferramentas dos dois mercados. É essa ponte que queremos fazer. Há ainda um desconhecimento, junto das empresas portuguesas, do potencial de Macau? É difícil dizer que há uma falta de conhecimento. Qualquer pessoa de qualquer empresa grande em Portugal reconhece que Macau é um mercado com potencial. Mas falta ainda o meio logístico na supressão da distância cultural que há entre as duas realidades. Macau continua a ser um mercado muito distante e que precisa de intérpretes que o conheçam bem para o auxílio nessa entrada [das empresas]. Até que ponto a política covid zero tem impacto nas relações comerciais entre os dois países e na vossa actividade em particular? A paralisação da entrada de pessoas não faz com que as situações jurídicas do dia-a-dia não continuem a existir. Continuamos a ter muito trabalho [com o mercado chinês]. Sentimos a economia e as perguntas que os nossos clientes nos fazem virados para a ideia de que estas restrições são a prazo. A ideia é como pode haver uma melhor preparação para o ciclo que virá a seguir. Penso que estas restrições são temporárias e o comportamento dos agentes económicos e nós, como auxiliar de negócios, terá a ver com isso. Acho que nos próximos meses as medidas vão começar a ser progressivamente aligeiradas e confio que, a curto prazo, teremos algo parecido com a normalidade.