Taiwan | Centenas protestaram em Lisboa contra visita de Nancy Pelosi

HM
Elementos da comunidade chinesa a residir em Portugal, bem como simpatizantes de outras nacionalidades, manifestaram-se na segunda-feira junto à embaixada dos EUA contra a vista a Taiwan de Nancy Pelosi. Parte da estrada em frente ao edifício, nas imediações do Hospital de Santa Maria, encheu-se de bandeiras chinesas e tarjas com frases a favor do princípio “uma só China”

 

“Forças externas obstruem a reunificação completa da China e serão derrotadas”, ou “Somos uma só China, Taiwan é parte da China” foram algumas das frases, escritas em inglês e chinês, exibidas na tarde desta segunda-feira, em Lisboa, em frente à embaixada dos EUA em Lisboa. Os cartazes foram exibidos por manifestantes que fizeram parte do protesto que reuniu cerca de 200 membros da comunidade chinesa em Portugal que, empenhando também bandeiras da China, se manifestaram contra a visita de Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, a Taiwan, e a favor do princípio de “uma só China”. O protesto contou, no entanto, com simpatizantes da causa de outras nacionalidades.

De megafone na mão, vários dirigentes associativos mobilizavam os manifestantes a entoar palavras de ordem e tocavam a “Marcha dos Voluntários”, o hino chinês. Entre as 16h e as 18h, parte da estrada em frente ao edifício da embaixada foi cortada ao trânsito.

Nathan Ho, que trabalha na área do comércio, contou ao HM porque decidiu manifestar-se. “Ninguém aqui concorda com a visita de Nancy Pelosi a Taiwan. Somos contra qualquer intervenção nos assuntos internos do nosso país. Taiwan faz parte da China há muito tempo. Todos os patriotas chineses estão a expressar a sua raiva contra o comportamento de Nancy Pelosi. Esta é uma interferência brutal nos nossos assuntos.”

Uns metros mais à frente, a jovem Anting Xiang, a residir em Lisboa há muitos anos, disse estar a “apoiar o princípio de uma só China” e a lutar “contra o domínio norte-americano”. “Os EUA estão a interferir nos nossos assuntos e defendemos que só existe uma China. O movimento independentista de Taiwan faz-nos mal, porque não é possível separar o território chinês”, frisou.

O senhor Zhang, natural de Zhejiang, tal como a grande parte dos chineses que emigraram para Portugal, vive no país há 14 anos. “Estou aqui porque Taiwan faz parte da China, queremos uma China e não duas Chinas.” Apesar de nunca ter visitado Taiwan, Zhang assume que “só quer uma China”. “Os EUA sabem e todos sabem que só existe uma China. Nancy Pelosi não deveria ter ido a Taiwan.”

Outro manifestante, de apelido Pei, bastante interventivo no protesto, contou que “não concorda com a posição dos EUA e a sua hegemonia”. “Taiwan pertence à China. O povo de Taiwan é bom e a maior parte das pessoas dizem que são chineses da China. Tudo isto é uma provocação dos EUA”, adiantou.

Portugueses presentes

Nem só de chineses se fez o protesto em frente à embaixada norte-americana. Muitos portugueses marcaram presença no protesto promovido pela Liga dos Chineses em Portugal e que contou com o apoio de todas as associações representativas da comunidade no país.

Rui Lourido, historiador, presidente do Observatório da China e representante da União das Associações de Cooperação e Amizade Portugal-China, foi um dos que esteve presente. “Estou aqui na luta pela dignidade do povo chinês e da China e pela exigência do respeito pelas fronteiras da China, considerando que Taiwan é chinesa desde a antiguidade.”

Actualmente a trabalhar num livro sobre o XX Congresso do Partido Comunista Chinês, a pedido da Academia de Ciências Sociais da China, Rui Lourido está, precisamente, a investigar as origens da região de Taiwan e do estabelecimento das relações com a China.

“Desde o século III A.C. e depois já no século VI D.C., concretamente na passagem da dinastia Ming para a dinastia Ching, houve o reconhecimento de Taiwan como território sob administração chinesa, [sob alçada] da província de Fujian. Mais tarde, no século XIX, [Taiwan foi considerada] como província chinesa. Não há qualquer dúvida desse reconhecimento. Achamos abusivo do lado americano que tente provar a sua capacidade de ameaça militar e de hegemonia sobre os outros povos.”

A visita de Nancy Pelosi faz, assim, “parte da estratégia americana, independentemente de quem esteja no poder, que é manter a hegemonia sobre as várias potências ascendentes”. “Ao ver que não consegue impor essa ascendência, surgem estas atitudes de provocação ou de demonstração de músculo militar. Interessa aos EUA manter o máximo possível a estratégia da venda de armas”, acrescentou Rui Lourido.

Outro português que esteve junto à embaixada dos EUA em Lisboa foi Diogo Calado que, como português, diz que “não tem de ter uma posição sobre Taiwan”, por ser uma “questão interna da China”. Ainda assim, entende que a visita da presidente da Câmara dos Representantes “é intolerável” e constitui “uma interferência de um Estado estrangeiro noutro”.

Diogo Calado, que viveu mais de dez anos na China, recordou outros exemplos do que entende ser a interferência dos EUA. “O país está a interferir como já o fez no passado, em Portugal, por exemplo. Falo das reuniões [no pós-25 de Abril de 1974] entre Mário Soares e [Frank] Carlucci [ex-Secretário de Estado da Defesa dos EUA], aqui na embaixada. Ao interferir, o país está a humilhar-se publicamente na comunidade internacional e isso está a ficar patente nas opiniões dos países que apoiam a China e as suas posições políticas.”

A carta do dia

Y Ping Chow, presidente da Liga dos Chineses em Portugal, não segurou o megafone, mas não deixou de acompanhar as operações de perto. “Estamos muito satisfeitos [com a adesão]. Este é um dia de trabalho ou de férias para muita gente e estas pessoas sacrificaram esses dias para apoiar a iniciativa.”

Para já, as associações de chineses em Portugal não planeiam outras acções do género. “Apenas queremos mostrar aos americanos que não vale a pena querer criar a guerra na zona do Pacífico porque nós, chineses, somos um povo de paz e é assim que queremos resolver os problemas”, frisou Y Ping Chow.

Os manifestantes entregaram ainda uma carta dirigida à embaixadora dos EUA em Portugal, Randi Charno Levine, a argumentar que a visita de Pelosi “provoca insegurança e conflito no estreito de Taiwan e na região, e afronta o consenso mundial estabelecido pelas Nações Unidas de não ingerência nos assuntos internos dos países e do reconhecimento da nação chinesa”.

Na carta lê-se ainda que “a diplomacia dos EUA, em especial face à região chinesa de Taiwan, está de novo a apoiar essas forças separatistas, anti-democráticas e anti-nacionais, que temporariamente se esconderam sob o novo regime de democracia liberal, beneficiando da política belicista e de duplicidade dos últimos governos dos EUA”.

A missiva cita ainda o antigo secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger que, a 13 de Agosto, disse ao Wall Street Journal que “estamos à beira da guerra com a Rússia e a China face a crises que nós próprios, em parte, criámos, sem nenhuma perspectiva de como vão acabar ou a que devem conduzir”.

A carta chega ao fim com a referência ao princípio “Um País, Dois Sistemas”, pensando inicialmente para Taiwan, mas que foi aplicado nas regiões administrativas especiais de Macau e Hong Kong. Esta política “garante, simultaneamente, a continuidade da economia e do regime de democracia liberal de Taiwan e a unificação pacífica de toda a nação chinesa”.

Taiwan | Lao Ngai Leong defende “Um País, Dois Sistemas”

Lao Ngai Leong, representante de Macau na Assembleia Popular Nacional, considera que o princípio “Um País, Dois Sistemas” corresponde às expectativas de Taiwan, tendo em conta a aplicação bem-sucedida em Macau desde a transferência de soberania. O responsável falou à margem de uma palestra sobre a publicação do Livro Branco por parte das autoridades do país, intitulado “A questão de Taiwan e a reunificação da China na Nova Era”.

Segundo o canal chinês da Rádio Macau, o representante indicou que esta é a terceira vez que a China publica um Livro Branco sobre o assunto, com factos e a informação de que Taiwan é uma região chinesa. Além disso, Lao Ngai Leong frisou que “Um País, Dois Sistemas” é um princípio reconhecido pela comunidade internacional.

Por sua vez, Li Weihua, vice-presidente do Conselho Regional de Jiangsu para a Promoção da Reunificação Pacífica da China, disse que o Livro Branco inclui a informação de que o Partido Comunista Chinês tem impulsionado de forma firme a reunificação do país, além de definir as soluções sobre a questão de Taiwan para a Nova Era.

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