Compre agora e pague depois

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Recentemente, em Hong Kong houve alguns desenvolvimentos sobre o sistema “compre agora e pague depois” (BNPL sigla em inglês). O Hong Kong Consumer Council salientou que, entre Janeiro de 2021 e Julho de 2022, se registaram 22 queixas relacionadas com este modelo de compras, um terço das quais relacionadas com a plataforma de vendas online.

Os queixosos eram jovens, donas de casa e pessoas sem rendimentos estáveis. A maior parte tinha comprado aparelhos electrónicos e roupas. Os montantes envolvidos situaram-se entre várias centenas e 2 mil dólares de Hong Kong (HKD).

Existe muita informação online que indica que o sistema de pagamento BNPL se tornou muito popular e veio substituir os cartões de crédito durante a pandemia. Este método assenta na filosofia “desfrute agora e pague depois”. Os consumidores não precisam de ter cartão de crédito, só precisam de instalar esta aplicação. De um modo geral, os consumidores usam os telemóveis para abrir contas e fazem as compras na plataforma. Inicialmente, só precisam de pagar uma parte do valor e, depois de receberem os artigos, pagam o resto em três prestações. Algumas plataformas chegam a aceitar pagamento diferido.

O pagamento a prestações pode ser facultado pela plataforma ou pelo vendedor. Se a plataforma fornecer crédito e permitir que os consumidores paguem as compras em prestações, passa ela a ser o credor que empresta dinheiro aos consumidores. Passa a existir uma relação de empréstimo entre a plataforma e o consumidor. Neste caso, independentemente de acontecer em Hong Kong ou em Macau, a plataforma, enquanto empresa que fornece empréstimos, deve apresentar um pedido específico aos respectivos Governos e, só depois de obter autorização, poderá dar seguimento ao seu negócio.

Se o pagamento a prestações for facultado pelo vendedor, a relação que estabelece com o consumidor traduz-se num contrato de venda de bens e, portanto, não se trata de um empréstimo. Em Hong Kong, esta transacção é regulada pela Sale of Goods Ordinance (Portaria de Venda de Bens). Em Macau, está sujeita ao Código Civil e Comercial de Macau.

A maior parte da informação que se encontra na Internet mostra que o pagamento a prestações é facultado pela plataforma, e é a isso que devemos prestar atenção.

O BNPL é atractivo para os consumidores por três razões. A primeira é a conveniência. Neste modelo, a transacção é totalmente realizada através do telemóvel. Uma vez que a maioria dos telemóveis tem programas de pagamento específicos incorporados, a plataforma liga-se a esses programas, o que poupa imenso tempo aos consumidores e resulta no axioma “onde há um telemóvel há uma transacção”.

Em segundo lugar, a utilização da aplicação é muito simples. Os consumidores só precisam de fornecer os seus dados pessoais e passam a poder comprar a crédito. A principal razão para a aprovação ser tão rápida é a plataforma não ser um banco e não verificar os registos de compras a crédito dos consumidores. Esta facilidade permite que pessoas sem cartão de crédito, como estudantes e freelancers, possam aceder sem problemas a este serviço.

Em terceiro lugar, o risco de os dados pessoais serem roubados é mínimo. Se um consumidor usar um cartão de crédito, os seus dados podem ser armazenados na rede, e existe o risco de serem roubados. No modelo pague agora e pague depois, os dados são guardados na plataforma, reduzindo o risco de roubo. Para os retalhistas é vantajoso se o pagamento a prestações for facultado pela plataforma, porque expande a clientela e aumenta as vendas.

Neste modelo, a plataforma cobra aos retalhistas uma taxa de cerca de 5por cento. Se o consumidor fizer os pagamentos no prazo, geralmente não tem de pagar qualquer taxa. Se o pagamento estiver em atraso, a plataforma cobra taxas e juros.

Segundo o relatório da empresa de crédito americana Lendingtree, quatro em cada 10 americanos já usaram o serviço BNPL. De acordo com o Global Data, o volume de transacções BNPL cresceram de 33 mil milhões de dólares em 2019 para 120 mil milhões em 2021. A Worldpay assinalou no relatório sobre pagamentos globais em 2022, que a proporção das compras online duplicará de 2,9 por cento em 2021 para 5,3 por cento em 2025.

Aparentemente o modelo de compras BFPL parece ser benéfico para consumidores, para os retalhistas e para a plataforma. Como os consumidores não precisam de pagar as compras na totalidade inicialmente, sentem-se menos pressionados e têm a ilusão de ter uma capacidade financeira superior à que realmente têm, o que os leva a fazer compras de valor mais elevado. Após repetidas utilizações, os problemas financeiros vão começar a aparecer.

Conforme mencionado anteriormente, porque os consumidores que usam este serviço são sobretudo pessoas com rendimentos instáveis, a sua capacidade de honrar os pagamentos é questionável. Por conseguinte, estas pessoas enfrentam problemas mais graves do que aqueles que auferem rendimentos estáveis e requerem mais atenção social.

De acordo com o inquérito ao emprego, emitido pela Direcção de Serviços de Estatística e Censos de Macau, relativo ao segundo trimestre de 2022, o salário médio dos residentes de Macau era de 19.400 patacas, menos 600 patacas que no trimestre anterior. A taxa de desemprego local era de 4,8 por cento. Devido à pandemia, a taxa de desemprego subiu, e o salário médio dos residentes de Macau desceu.

Estes factores vão reduzir o consumo dos residentes, que passarão a comprar pouco mais do que o indispensável. Além disso, não existem fronteiras na Internet. Registar-se na plataforma com um telemóvel e poder obter um crédito para consumo não é difícil. Mais importante ainda, alguns retalhistas que cooperam com as plataformas também têm lojas em Macau, o que merece a atenção de todos nós.

A Autoridade Monetária de Hong Kong afirmou que actualmente não existe legislação para regular as operações destas plataformas. No entanto, serão emitidas orientações relevantes no segundo semestre de 2022 para regular o seu funcionamento.

Também é importante saber que as empresas que concedem crédito em Macau têm de cumprir o que está estabelecido no Artigo 17 (1) (b) do Sistema Jurídico Financeiro Decreto-Lei No. 32/93/M. De acordo com esta disposição, só as empresas licenciadas pelo Governo de Macau podem exercer a actividade de instituições financeiras; caso contrário as suas operações são ilegais.

Registar-se nas plataformas e obter crédito para consumo é fácil. É também, como é óbvio, difícil de supervisionar. A epidemia afectou a economia e criou situações problemáticas. Temos todos de ter muito cuidado.

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Universidade Politécnica de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

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