Como Li Song Viu a Onda Sob o Luar

«Montanhas verdes atrás de montanhas, mansões atrás de mansões,/ Quando terminarão as canções e as danças no Lago do Oeste?/ Um vento quente aquece os visitantes, tornando-os desnorteados,/ Parece que a justa Hangzhou se vai assemelhando à velha capital, Bianzhou.»

Su Shi (1036-1101) preservou em emocionantes poemas a árdua experiência de estar no meio de tempestades embarcado no meio de um rio. Quando em 1082 escreveu as suas reflexões sobre o passado e as guerras no Penhasco Vermelho (Qianchibi fu) após uma viagem com amigos no rio Changjiang, foi esta situação que o poeta descreveu como «pairávamos livres como se tivéssemos deixado o mundo para trás, nos tivessem nascido asas e voássemos como os imortais», que se tornou de tal modo visual que os pintores repetidamente a evocariam. Como no caso de uma notável pintura feita alguns anos após a morte do poeta e que o mostra nessa embarcação com amigos no meio das ondas e rochedos sem margens e, o único vestido de vermelho é o poeta que volta a cabeça para um penhasco. Essa memória visual (folha de álbum montada como rolo vertical, tinta e cor sobre seda, 24,7 x26,3 cm, no Museu Nelson-Atkins) é atribuída a um pintor de Hangzhou, que estava ao serviço da corte, num tempo em que era fluida a fronteira entre os pintores literatos e académicos, e se notabilizaria por ilustrações da irrupção do incomum no habitual da vida quotidiana, chamado Li Song (1166-1243). Existiria uma afinidade do pintor com o poeta atento às mudanças e que anotava as permanências, como ele escreve no poema da Lua do meio-Outono (…) «A Via Láctea está silenciosa, volto-me para o prato de jade,/ O bem desta vida não durará muito tempo./ No próximo ano onde observarei a lua brilhando?» Essa mesma velha lua do meio-Outono cuja claridade na disponibilidade da noite, permite reconhecer os amigos foi observada por Li Song através de um espantoso fenómeno natural que ocorre anualmente perto de Hangzhou. Em Observando a onda numa noite de luar (folha de álbum, tinta e cor sobre seda, 22,3 x 22 cm, no Museu do Palácio em Taipé) o pintor alcança uma memorável síntese poética.

Li Song dispôs os poucos elementos da sua pintura num cuidadoso equilíbrio. Uma mansão construída à beira das águas colocada entre duas árvores nuas, com um pátio onde estão rochas e pinheiros, dentro da casa pequenas personagens deixadas em branco, parecem fantasmas, como se adquirindo a cor da lua, que na pintura tem uma coloração que dir-se-ia humana. Só algumas estão na varanda a assistir a essa violenta maré que empurra as águas do rio Qiantang no equinócio do Outono, fazendo-as correr ao contrário e é um acontecimento raro no mundo (no Brasil designado pororoca) e é o que ocupa o centro da pintura. Está alinhada debaixo da lua e de uma inscrição que refere que é preciso abrir a porta e «observar a onda nocturna sob o luar» e é acompanhada pelo vistoso carimbo da Senhora Gongsheng (1162-1233) a imperatriz Yang dos Song, que nas suas três linhas cortadas é o trigrama kun, da terra, o receptivo, que dialoga com a onda dita localmente do «dragão de prata», yinlong.

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