Cinema | “Pê” é a primeira curta-metragem de Margarida Vila-Nova

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O festival de Curtas Vila do Conde foi o palco de estreia da primeira curta-metragem realizada por Margarida Vila-Nova, intitulada “Pê”. A experiência na realização foi o resultado da convicção e desejo de filmar e estar do outro lado da câmara

 

Margarida Vila-Nova acaba de se estrear na realização com “Pê”, a primeira curta-metragem, que estreou na última sexta-feira no festival internacional Curta Vila do Conde. A sinopse que apresenta o filme de 20 minutos levanta o véu sobre a história de “um homem com um cancro terminal”, o titular Pê, interpretado por Adriano Luz, à medida que deambula por Lisboa e se confronta “com uma realidade quotidiana alheia ao seu sofrimento, enquanto prepara a sua morte próxima”.

Um dos passos preparatórios é deixar uma “carta de despedida à filha”, que, “ao esvaziar a casa do pai”, encontra a missiva. “É o início de um novo encontro”, pode ler-se na sinopse. “Desde o primeiro minuto, sabia que o queria filmar. Não como queria filmar. Foram imagens que foram surgindo ao longo de dois anos, que fui pensando sobre o filme e a abordagem que queria. Parto de uma carta para construir o filme, a carta é sempre a estrela guia”, explica Margarida Vila-Nova, em entrevista à agência Lusa.

“Pê” estreou-se exactamente três anos depois da morte do pai, uma figura influente do cinema documental português – o produtor Pedro Martins -, e três anos depois de abrir a carta que desencadeou o processo (Pedro Martins foi o fundador da SF Filmes e da SP Televisão, e um dos fundadores da European Documentary Network e da Associação pelo Documentário – Apordoc).

Esse “processo muito particular e pessoal”, em torno do luto e da partilha da carta, levou-a a Edgar Medina, que assina o argumento com a actriz, e à Arquipélago Filmes, que assumiu a produção, conseguida com financiamento do programa Garantir Cultura.

“O que interessava trabalhar no filme é alguém que prepara a sua partida, num gesto de altruísmo, amor, e que prepara a sua própria morte. Há um lado de dignidade, elegância, de um acto maior. Eventualmente, é coisa de herói, não é dos mortais. Isto também me trouxe para um lugar de cinema, de imagem, transportou-me para um universo mágico, que interessou depois abordar e filmar”, resume.

Carta ao pai

A estreia na realização explora o próprio humor dessa produção da personagem, seja “a igreja ou um cocktail para 200 pessoas com vinho branco e croquetes”, e a figura do pai, “a relação de um pai com uma filha”. A filha interpreta, mas não sente que tenha representado, antes dado um veículo para não tornar ausente um dos interlocutores, mesmo que o filme “não seja uma resposta literal” à missiva.

“Há coisas que não dizemos ou fazemos em vida, mas resolvemo-las mais tarde. E acho que o cinema, a arte, é uma forma de materializar ou perpetuar a memória de um amor, de uma relação, de uma ideia, de um pensamento, e sobretudo este tema do luto, que me começou a inquietar muito nos últimos anos. (…) Como é que o luto nos transforma. Ainda por cima nestes últimos dois anos, de contexto pandémico”, reflecte.

Depois das deambulações do pai, “há um tempo paralelo, quando a filha vai encontrando as memórias”, que adensam a relação, mas também permitem reflectir sobre as memórias, sobre o quanto se conhece alguém, e fugir de uma “caricatura” da figura real que inspira “Pê”.

“Em última análise é um homem, é um pai. Fundamental era encontrar o tempo deste personagem, o pensamento dele, o olhar de inquietação, o humor, a calma… Para mim, enquanto filha, ao longo deste processo em que fui encontrando todos os escritos que tinham sido deixados, os álbuns de fotografia, as memórias, aproximei-me. Hoje, depois de filmar este filme, conheço melhor o meu pai do que conhecia há três anos”, explica.

A estreia enquanto realizadora trouxe-lhe uma “aprendizagem riquíssima”, desde logo para o trabalho como actriz, e uma noção diferente do trabalho em equipa que implicam as funções, bem como a assertividade e a possibilidade de passar a tomar decisões.

Sem ideia, para já, de carreira futura para a obra depois do Curtas, nem de uma próxima ideia a explorar nestas funções, encontrou um nervosismo diferente para esta estreia, até por estar “um bocado desconfiada”.

“Começo a olhar para os nomes [na programação] e penso: ‘O que é que eu estou a fazer aqui no meio deles?’. Com toda a felicidade, orgulho, e toda a gratidão por estar aqui no festival, poder mostrar aqui o filme. É o festival mais certo para o acolher. (…) Depois acordem-me quando acabar. Sinto que estou num papel que não é o meu, um bocadinho. Mas hei-de resolver esta questão comigo”.

Nascida em Lisboa, em 1983, Margarida Vila-Nova tem feito trabalho como actriz entre o cinema, a televisão e o teatro, com séries como “Sul” e “Causa Própria”, no passado recente. No cinema, tem no currículo vários filmes de João Botelho (“Livro do Desassossego”, “A Corte do Norte”) e Ivo Ferreira, como “Cartas da Guerra”, de 2016, e “Hotel Império”, de 2019.

Adriano Luz conduz “Pê”, num elenco que conta, além de Vila-Nova, com Cleia Almeida, Inês Castel-Branco, Luísa Cruz, António Fonseca e Pedro Lacerda.

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