Estudo | Mangais diminuíram para um terço nos últimos 30 anos

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Florestas de mangues que depuram água de Macau caem para um terço em três décadas. No que diz respeito à poluição marítima, Macau está entre territórios do mundo com maior índice de contaminação de plástico no oceano

 

A extensão de florestas de mangues em Macau, que têm a capacidade de depurar as águas do território, foram reduzidas para um terço nas últimas três décadas, disse à Lusa uma investigadora universitária.

“Havia 60 hectares nos anos 90 e agora são cerca de 19, mais centradas em partes da Taipa, Cotai e Coloane. Foram-se destruindo pela pressão da urbanização, mas há agora um esforço muito grande das autoridades para reflorestar estas zonas com a colaboração da Universidade de São José”, explicou a engenheira do ambiente Cristina Calheiros, docente da instituição.

“A floresta de mangues é como uma estação de tratamento de águas natural, são ecossistemas habituados à salinidade e ajudam a depurar a água, a remover poluentes, metais pesados, servindo de apoio à descontaminação das águas”, contextualizou a académica, doutorada em biotecnologia.

Cristina Calheiros frisou que os mangais são um contributo ambiental importante com benefícios que passam pela fitorremediação, por se tratarem de sequestradores de carbono e locais de nidificação, mas também a nível económico, porque estas florestas “são maternidades para peixes, caranguejos, bivalves e outros animais marinhos”.

Ou seja, concluiu, “é um exemplo como Macau deve adoptar soluções baseadas na natureza”.
Para além da conservação de zonas húmidas, das florestas de mangues, outras respostas devem ser dadas em Macau, sustentou, onde as autoridades podem liderar pelo exemplo.

Soluções que passam também por acções até nos edifícios, como a criação de jardins verticais e coberturas ou telhados verdes, porque, salientou aquela que é também vice-presidente da Associação Nacional de Coberturas Verdes, “o que se fizer ao nível do edificado e em terra tem impacto directo no mar”, dando o exemplo a gestão e políticas relativas ao plástico, um dos grandes poluentes dos oceanos.

O que vem de cima

Macau, um dos territórios com maior densidade populacional a nível mundial, tem sido confrontado com “o tipo de pressões que se vê um pouco por todo o mundo”, de “crescente urbanização, impermeabilização da superfície, degradação das zonas costeiras, da qualidade do ar e da água, e de carência de espaços verdes”.

Com o problema acrescido das alterações climáticas, as condições mais extremas e mais eventos de súbita precipitação, as escorrências urbanas que vão para o mar afectam a qualidade da água, sendo necessário investimento ao nível do saneamento e da drenagem, num território que tem igualmente de contar com o factor potenciador de poluição a partir de regiões vizinhas.

A Universidade de São José tem também promovido acções de sensibilização/educação ambiental, para dar resposta à necessidade de envolver todos na mesma missão, em sintonia com a convicção de que é preciso ter “uma visão holística do problema”, insistiu. Afinal, concluiu, “é preciso apostar na literacia ambiental”. E “dar o exemplo”, acrescentou.

Mar de plástico

O director do Instituto de Ciência e Ambiente da Universidade de São José disse à Lusa que o território regista a nível mundial um dos maiores índices de contaminação de plástico no oceano e que este é um dos grandes desafios ambientais na região. David Gonçalves deu como exemplo o Rio das Pérolas, no sul da China, que está entre os dez que mais contribui ao nível da contaminação oceânica com plásticos, microplásticos e nanoplásticos.

Macau, a oeste da foz do rio, que atravessa várias províncias chinesas, tem dados de “um estudo feito há já algum tempo que revela que os índices de contaminação nas praias e zonas costeiras, que afecta plantas e animais, são dos mais elevados do mundo”, explicou David Gonçalves.

“Por um litro de areia, de sedimento, foram encontradas mais de duas mil partículas de microplástico, (…) o que se situa no extremo elevado do que é reportado na literatura, quando nos casos mais baixos se aponta para poucas dezenas ou menos até”, exemplificou o biólogo, especializado na área do comportamento animal e ciências ambientais.

Agora, avançou, está a ser conduzido um estudo que envolve a instituição de Macau e a Universidade do Algarve, em parceria com o Instituto de Oceanologia da Academia Chinesa de Ciência dedicado à quantificação da poluição de nanoplásticos na água em sedimentos e organismos, que irá permitir fazer uma análise comparativa.

“E Macau é um bom caso de estudo, neste caso mau, ao nível da contaminação de plástico em geral”, sendo que a investigação vai ser desafiante ao nível da técnica, baseada em análises físico-químicas que permitam a quantificação dos nanoplásticos, diferente daquela que permite obter os índices de contaminação dos microplásticos.

Para além disso, explicou, “a investigação vai procurar perceber o impacto destas nanopartículas nas células, nos organismos, e de que forma podem causar interferência na fisiologia e comportamento normal dos animais”.

Solução de aquacultura

Também devido à sua localização geográfica, em Macau não faltam desafios ambientais: a resposta a uma gestão ineficiente dos resíduos sólidos é um deles. E qualquer acção nesta área deve passar por reduzir a proporção de resíduos sólidos e em melhorar a qualidade de gestão dos mesmos, sustentou o académico.

Outro dos elementos de pressão para Macau, com impacto directo no mar, tem a ver com as alterações climáticas, frisou, associando as emissões de carbono na atmosfera, absorvido em parte pelo mar, cuja temperatura aumenta, enquanto, em sentido contrário, o oxigénio diminui, com impacto nas espécies marinhas.

Um factor a ter em conta, sobretudo quando é associado à sobre-exploração de recursos, como a pesca, especialmente numa zona como aquela em que a região de Macau está inserida, “onde há fraca regulamentação”, salientou.

Um sinal de esperança está no facto de se ter assistido recentemente à “transição das quantidades de captura no mar para a aquacultura “, até porque “a China é o produtor ‘número um’ de aquacultura”, lembrou, para concluir: “é um caminho que a meu ver tem de ser feito para aliviar a pressão”. Uma pressão que é visível na degradação dos ecossistemas costeiros. E que se traduz na degradação das florestas de mangais, ainda que se assista a uma recuperação nos últimos anos, mas ainda longe da cobertura anterior, notou.

Também aqui, a integração na Grande Baía pode ser benéfica para o território, “desde que os planos de integração ambientais passem do papel à prática”, ressalvou.

“Ao nível de Macau acho que temos feito relativamente pouco no sector energético e nos transportes, com a energia a ser praticamente toda importada – e de fontes maioritariamente de origem fóssil -, com Macau a registar um desempenho fraco, considerando até os objectivos da própria China de descarbonização”. Ou seja, Macau tem de fazer mais para se alinhar com esses objectivos”, concluiu.

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