Covid-19 | Portugueses sem BIR autorizados a entrar em Macau. Comunidade enaltece medida

Hoje Macau
A partir de sexta-feira, portugueses sem BIR que viajem de Portugal, Interior da China e Hong Kong, estão autorizados a entrar em Macau, cumprindo as exigências que vinculam os residentes, como a obrigação de quarentena. A medida permite reencontros familiares e a continuidade de projectos académicos e profissionais suspensos pelas medidas de restrição da pandemia. Figuras da comunidade portuguesa em Macau ficaram agradadas com a medida

 

Marisa Gaspar pode, finalmente, avançar com o pós-doutoramento que estava suspenso devido à impossibilidade de entrar em Macau. A antropóloga e estudiosa das áreas da gastronomia, património e turismo locais, que não tem estatuto de residente da RAEM, foi apanhada de surpresa pela notícia de que a partir da próxima sexta-feira pode regressar ao território. “Não estava mesmo à espera desta decisão, e não sei quando poderei fazer a viagem porque tenho cá muitos compromissos. Provavelmente, irei no final do ano”, contou ao HM.

Académica ligada ao Instituto Superior de Economia e Gestão, Marisa Gaspar tem a decorrer, desde 2017, um projecto de pós-doutoramento que se debruça “sobre o facto de Macau ser cidade criativa da UNESCO na área da gastronomia”.

“Tinha um território interdito e um objecto de estudo que desapareceu (o turismo). Poderia virar-me para a delegação da Direcção dos Serviços de Turismo em Lisboa, mas, entretanto, fechou portas abruptamente no ano passado. Fiquei, de facto, sem contexto de pesquisa”, acrescentou.

Na sexta-feira, o Centro de Coordenação de Contingência do Novo Tipo de Coronavírus anunciou que, a partir da próxima sexta-feira, 27 de Maio, os portugueses que não tenham BIR e que “não tenham estado em locais fora do interior da China, Macau, Hong Kong ou Portugal” nos últimos 21 dias podem entrar em Macau “sem autorização prévia das autoridades de saúde”.

As autoridades afirmam ainda que tiveram em conta “as necessidades dos residentes ou entidades da RAEM”, razões pelas quais decidiram “dispensar, a título excepcional, o cumprimento da medida por parte de determinado grupo de pessoas”, uma vez que “o intercâmbio entre pessoas de Macau e Portugal é necessário”.

Além disso, o centro de contingência concluiu que em Portugal “a situação epidémica é considerada moderada”.
Ainda assim, para entrar em Macau é preciso cumprir “requisitos de entrada e apresentação de documentos exigidos pelas autoridades sanitárias”. Mantém-se, a obrigatoriedade quarentena de 14 dias num dos hotéis designados para o efeito.

Assim sendo, os portugueses abrangidos pela medida têm de apresentar passaporte português válido, certificado de resultado negativo no teste à covid-19, certificado de vacinação, “confirmação de reserva emitido pelo hotel de observação médica”.

Em relação aos documentos que comprovem que nos 21 dias anteriores à entrada em Macau o declarante não esteve em locais fora de Portugal, Interior da China e Hong Kong existem duas opções: Pedir um atestado às entidades autárquicas de Portugal ou assinar uma declaração, sob compromisso de honra para o mesmo efeito. Importa referir que caso se venha a constatar que as informações não corresponde à verdade, o declarante pode ser acusado de prestação de declarações falsas.

Na contagem dos 21 dias, é permitido a soma do tempo nos três territórios, ou seja, antes de entrar em Macau, a cidadão português pode passar sete dias em Portugal, outros sete no Interior da China e outros sete em Hong Kong.

Alma do negócio

Bernardo Mendia, secretário-geral da Câmara de Comércio Luso-Chinesa, também ficou agradado com a novidade, destacando que muitos negócios, assim como as actividades da própria câmara de comércio, terem agora maior margem de manobra para acontecer. “Acho esta medida espectacular, é uma óptima notícia. Estas restrições [afectam sempre], mas temos agora de olhar para a frente. Há projectos da Câmara de Comércio que ganham novos contornos com esta medida e, sobretudo, vamos poder organizar visitas, finalmente. O próximo passo seria o alargamento desta medida aos países de língua oficial portuguesa.”

Bernardo Mendia também pondera visitar Macau o mais brevemente possível, falando do lado humano que a restrição de entrada implicava. “Uma notícia destas é óptima sobretudo para casos particulares de famílias. Penso que todos devem ficar bastante satisfeitos e aproveitar.”

No entanto, o responsável aponta a possibilidade de faltarem quartos de hotel em Macau para quarentena. “Deveria ser seguido o modelo de Hong Kong em que existe uma lista grande de hotéis aprovados pelas autoridades para cumprir quarentena e os visitantes podem seleccionar o hotel que querem mediante os preços.”

“Temos de olhar para isto de forma positiva e sem dúvida que a economia de Macau vai beneficiar com esta abertura e com as próximas que se realizarem. Isto era esperado por toda a gente há muito tempo. Devemos aproveitar para ir a Macau”, frisou Bernardo Mendia.

Amélia António também sublinhou o lado humano da permissão de entrada no território a portugueses sem BIR. “O peso económico das pessoas que viajam de Portugal não é notório, mas são notórios aspectos culturais, sociais, com as famílias que estão com problemas há muito tempo. Existem imensos aspectos positivos e a parte económica até terá eventualmente menos peso. Esta possibilidade ajuda a serenar um pouco o estado de espírito dos residentes de Macau que não conseguem que as famílias venham cá”, descreveu ao HM a presidente da Casa de Portugal em Macau (CPM).

A também advogada descreve casos, já conhecidos, de “crianças que nasceram e que nunca viram os pais” ou “problemas sociais e familiares que se vinham arrastando ao longo destes anos”. A entrada de cidadãos portugueses, “pode trazer mais estabilidade psicológica aos residentes”, frisou.

Amélia António pede até o alargamento da permissão de entradas no território, pois “chegámos a um ponto em que é necessário que aconteçam coisas, não apenas em relação aos portugueses, mas em termos gerais”.

“A economia começa a estar cada vez mais estrangulada”, descreve Amélia António, que fala também das dificuldades na área cultural com a organização de eventos com pessoas de fora e na renovação de quadros na Escola de Artes e Ofícios da CPM. “Do ponto de vista cultural, é muito importante para fazer coisas, porque estamos aqui há três anos sem poder fazer nada de especial. Temos formadores a saírem e não os conseguimos substituir, por exemplo. Isso diminui a capacidade de realização e de intervenção na comunidade.”

À TDM – Rádio Macau, o cônsul-geral de Portugal em Macau e Hong Kong Paulo Cunha Alves também destacou os efeitos positivos desta decisão. “São óptimas notícias do ponto de vista humanitário. Este programa de restrições de entrada na RAEM para cidadãos portugueses não-residentes constitui uma excelente notícia para todos nós e congratulo a medida anunciada, que vem contribuir para o alívio das dificuldades há muito sentidas por muitos residentes que nos últimos dois anos e meio têm experimentado a dor da distância de familiares e amigos e também a dor da distância. Vamos ver, na prática, como é que a medida se traduzirá, em dados concretos.”

Ganhos para a EPM

José Sales Marques, presidente do Instituto de Estudos Europeus, economista, administrador e da Fundação Escola Portuguesa de Macau (FEPM), refere que a medida era desejada há muito tempo e que os seus efeitos não se vão sentir apenas na economia, mas no sector cultural e educativo. Sobretudo para a EPM, que há algum tempo se depara com dificuldades na contratação de professores. “Sobretudo com a questão da EPM, que emprega professores portugueses. Obviamente que esta é uma excelente notícia, porque já não temos esse problema das autorizações prévia. Sem dúvida que ficámos mais aliviados”, acrescentou.

“Esta medida facilita muito as coisas, porque já se pode pensar que um casal não precisa de ficar separado. Também as empresas que recorrem a quadros estrangeiros podem contratar pessoal sem problemas. Sem dúvida que em termos gerais é uma medida com um bom impacto económico.”

José Sales Marques entende que a própria comunidade portuguesa pode ser animada por uma nova dinâmica. “Há quem esteja a pensar sair de Macau devido ao afastamento familiar. Talvez agora mudem de ideias”, aponta.

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