Romance, a obsessão Bridgerton e as mãos

Eu nunca tinha realmente mergulhado no mundo dos romances do séc. XIX pelas mãos da Jane Austen, apesar da insistência de uma amiga minha em recomendá-los. Reconheço que ela sempre percebeu melhor do que eu o poder maravilhoso do romance silencioso e do seu lento desenvolvimento. Uma verdadeira fórmula para pôr qualquer coração a palpitar. Eu estou na onda do momento, absolutamente abismada com a forma tão delicada e colorida de mostrar tesão e tensão sexual no retrato da altura. Isto tudo porque uma versão modernizada destes romances – uma coleção de livros deste século a puxar o imaginário do outro – tem chegado a milhares de casas numa adaptação televisiva, diga-se, muito erotizada.

Também não podia ficar mais consternada com os clichés românticos que evocam os valores patriarcais, por mais que a autora das obras se considere uma feminista. Existem umas pinceladas de pensamento crítico em alguns diálogos, mas pouco mais. A perspectiva feminina deve ser considerada como complexa e interseccional que é incapaz (e não pode) ser retratada num romance que acha que o casamento e o nascimento dos filhos são os elementos necessários para o final feliz.

A característica ‘feminina’ da série reflete-se no espaço que dá ao escalar da tensão sexual, em vez de se focar no sexo puro e duro. Não quero destruir a série a ninguém, por isso não me vou alongar com detalhes do enredo.

Mas a obsessão por um romance histórico que nada tem a ver com os nossos tempos parecia um enigma que precisava de desvendar. Sem grandes certezas, mas com alguma reflexão, acho que segredo está… nas mãos.

Literalmente, as mãos tornam-se protagonistas com direito a múltiplos enquadramentos. Uma fórmula extensamente reproduzida, principalmente, na cinematografia que retrata essa época. A paixão vivia do toque das mãos nuas, quando era de bom senso usarem-se luvas. Este era o único contacto para todos os que viviam um amor impossível.

O erotismo das mãos pode muito bem ser contemporâneo, seja porque crescemos com estas referências de romantismo, ou pura e simplesmente porque faz sentido. Existem imensos nervos nas mãos e nas pontas dos dedos, por isso não vejo porque não seria uma zona erógena como qualquer outra.

Se há lição a retirar do erotismo da série e do poder erótico das mãos é que o erotismo pode ter muitas expressões e essa diversidade não está a ser devidamente trabalhada e retratada na cultura popular como um todo. O erotismo sensual, de antecipação ou kinky tendem a ser apagados pelo erotismo explícito. Quanto mais se criar espaço para explorar estas múltiplas valências em série televisivas mainstream, e em livros populares de leitura de bolso, mais espaço se cria para as alternativas. Só assim, em verdadeira diversidade, é que conteúdos poderão ressoar a todos os gostos e, idealmente, a todas as expressões de género e a todas as orientações sexuais.

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