Fundo para contratos pré-pagos

Na terça feira passada celebrou-se a 40ª edição do “Dia Internacional dos Direitos do Consumidor”, criado pela Associação Internacional de Consumidores”. Esta celebração recorda-nos o fecho de um centro de yoga de Macau, em 2021. A maior parte dos clientes já tinha pago as mensalidades referentes aos dois anos seguintes, num total de cerca de 3 milhões e o Conselho de Consumidores de Macau serviu de mediador.

Após este incidente, algumas pessoas defenderam que se devia tomar como exemplo o “Hong Kong Travel Industry Council Reserve Fund” (HKTICRF) e criar em Macau um “Fundo para Contratos Pré-Pagos” (FCP). Se situações semelhantes viessem a ocorrer no futuro, as compensações deveriam ser feitas através do FCP.

Em Hong Kong, as agências de viagens têm de depositar 1% do valor pago pelos clientes no HKTICRF. Se a agência fechar por qualquer motivo, o HKTICRF responsabiliza-se pelo reembolso, até 70% do valor despendido.

O fecho de Centro de Yoga em 2021 coincidiu com a aprovação da Lei da Protecção dos Direitos do Consumidor (LPDC) em Macau. Esta lei entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2022. As secções 53 a 56 estipulam claramente que um “contrato pré-pago” implica o pagamento de bens e serviços de que o consumidor ainda virá a usufruir.

Um contrato pré-pago deve ser feito por escrito. Posteriormente, o prestador do serviço deve entregar ao consumidor um certificado de garantia do pré-pagamento, para que o cliente esteja habilitado a exigir a prestação dos serviços futuramente. Além disso, o LPDC estipula que os contratos de serviços pré-pagos são obrigados a incluir informações como o nome do prestador do serviço, o número fiscal, contacto, etc.

Embora a LPDC não estipule que seja o Fundo para Contratos Pré-Pagos a responsabilizar-se pela elaboração dos contratos, a secção 57 dá aos consumidores 7 dias para os denunciarem, sem necessidade de qualquer razão específica. Na medida em que os consumidores têm a possibilidade de reflectir se querem ou não avançar com estes contratos já lhes está a ser dada alguma protecção.

É claro que este tipo de incidentes não acontece só em Macau, também ocorre em Hong Kong. Antigamente, em Hong Kong, muitas pessoas defendiam que os contratos de serviços pré-pagos eram uma forma de liberdade comercial e por isso não foi fácil legislar sobre esta matéria. No entanto, podemos regular outros elementos tais como o intervalo temporal que os contratos abrangem que, por exemplo, não poderá exceder os três anos. Entre outros aspectos, se este prazo se dilatar, o prestador de serviços fica responsável por fornecer ao cliente a data de validade do contrato, no momento em que este é realizado. A última fórmula é talvez a melhor. Mesmo que não exista legislação relevante, os consumidores podem tirar todas as dúvidas junto dos prestadores de serviços previamente, o que ajuda a evitar mal-entendidos.

Além disso, a natureza comercial afecta diretamente o reembolso do cliente após a assinatura do contrato pré-pago. Há muitos anos, em Hong Kong, uma grande empresa de filmes de aluguer foi fechada. Uma grande parte dos clientes comprava assinaturas por um preço especial, das quais se deduzia um determinado valor sempre que levavam um filme. Este modelo é sem dúvida um contrato pré-pago entre o comerciante e o consumidor. A loja anunciou o fecho e não ia ser feita qualquer compensação aos clientes, mas o liquidatário (o responsável pela gestão dos assuntos de liquidação de uma sociedade anónima em Hong Kong) incentivou-os a irem à loja alugar filmes e a desfrutarem-nos num prazo determinado. Embora não se tratasse de um reembolso, o consumo rápido dos filmes compensou efectivamente a perda que os consumidores sofreram.

A Secção 275 da Lei Empresarial (Liquidações e Provisões Diversas), Capítulo 32 da Lei de Hong Kong, estipula que, se um comerciante pretende defraudar os credores, o tribunal pode ordenar que sejam compensados pelo prejuízo. É disso exemplo típico quando o comerciante sabe que é incapaz de pagar as dívidas, mas mesmo assim mantém o negócio com a intenção de defraudar os clientes. Esta acção é designada por “comércio fraudulento”. Para além da responsabilidade civil, os comerciantes podem ainda enfrentar responsabilidade criminal e serem sujeitos a multas e a penas de prisão. A Secção 168L tem em vista o impedimento deste tipo de incidentes. Esta secção proíbe o comerciante de exercer as funções de administrador de uma sociedade anónima por um período até 15 anos após a condenação por comércio fraudulento.

Hong Kong não estabelece um fundo de compensação especial para contratos pré-pagos, mas o Hong Kong Consumer Council criou o Consumer Litigation Fund para apoiar os consumidores em caso de litígio e para os ajudar a serem recompensados pelas suas perdas.

Os comerciantes de Hong Kong são regulados pelas secções 275 e 168L. Na eventualidade de comércio fraudulento, ficam sujeitos a processo cível e a processo criminal. Assim sendo, o HKTICRF reembolsa os consumidores lesados e a lei encarrega-se de punir o infractor. Se a mesma situação ocorrer em Macau, na ausência de leis relevantes, é muito provável que os comerciantes não tenham e enfrentar responsabilidade civil nem responsabilidade criminal. A criação do Fundo de Contratos Pré-pagos pode certamente compensar os consumidores pelas suas perdas, mas também reduzirá a pressão social sobre os comerciantes sempre que entrem em processo de liquidação. Ou seja, não serão responsabilizados criminalmente, nem precisarão de compensar os clientes lesados. Será esta uma mais valia para Macau?

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Universidade Politécnica de Macau

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