Falar de nós

Falando de nossos feitos, são os efeitos melhorados, seguros, e naturalmente previsíveis no que à autossugestão diz respeito. Muitas vezes nem acrescentamos mais interesse que o imenso prazer dado pela valorização das coisas que em nós se enaltecem. Mostrar de nós coisas tão iguais a outras quaisquer nem é bem uma disputa, mas tão-somente um reflexo comparativo que todos tendemos a distribuir.

Depois os que se afundam na intrigante “originalidade” que nunca, ou quase nunca intriga (exatamente pela ausência de tal componente) podendo nós mesmo afirmar que alguém carismático pouco se apercebe desse impacto em seu redor na medida que ele é inato, mas, e dado que é particularidade perturbador e sem resposta, os que falam de si falam também de outros «sis» “de si” “de sim” “de não” e assim, num alvoroço que desconhece o poder central, se vão ajaezando à andaluza (que ao vidente nada se recusa) os que falando de todos, de si falam com demarcação e lunatismo padecentes.

Falando de nós que também merecemos, nós, aqueles que fazem, que estão de pé, que não baixam a guarda, que todos os dias lutam na aflitiva selva do desarranjo mental do mundo, dos que estão sós por destino e suprema ambição de liberdade – falando de nós, digamos – nós nem sabemos bem o que de nós mesmos dizer. Parece-nos irrisório, por outro lado, uma grosseria ocupar tempo alheio com tais voluntarismos, e por isso somos sempre aqueles que menos falam. Gente existe que opina de modo reverberante qualquer tema como instigados pela pressa de uma revelação, depois, ela não vem, as palavras estreitam-se e uma pessoa pensa o porquê de escutar as gentes em seus delírios onde se depreendem males de cognição avassaladora. Mas a vida tornou-se nisto, ou mais ou menos isto, patranhas, entranhas, e muita molécula solta de ilusionismo egótico, erótico, entrópico… Sem nos darmos conta deixámos de ouvir os sinos da Cidade, que ela se tornou um negócio de casas, casarios para mentes não casadoiras, intermitente e bastante decorativa, caríssima e carente de inquilinos de condição sustentável.

As coisas de que se fala! Coisas gentes, agentes das coisas e outras mais, e o que dizem parece uma obra ficcional ao negro tecida por escaravelhos. Dizem que dizem, fala que falam, e o certo é que quase nada se escuta da amálgama tecedeira de uma irrequieta imaginação daninha que só dá frutos estranhos: que há nisto até quem conte com o nosso testemunho! Nestas dissonantes matérias faladas existe sempre o depositário bom senso prestes a normalizar pelo verbo mofo uma “poliquice” tão correcta que o som das vozes prodigaliza o sono que por vezes não vem e por elas logo aparece. Desta estirpe de faladores os mais monótonos são ainda os negacionistas; negam até a obsoleta razão de haver tais pensamentos com roteiro de muito poucos caracteres. Mas temos fala para muito mais!

Comovemo-nos perante todas as formas de energia móvel lançadas ao vento quando se transformam em energia limpa, são aquelas vozes que se transformam em canto ao dizerem o inesperado sem dar azo a nenhum contraditório- solilóquio, narração, encanto e forma- que a palavra tem o esqueleto dos verbos altos, é como os segredos, nós escutamo-los como feitos apenas para nós.- Que esta outra coisa fala de nós, mas nós não falamos dessa “coisa” que nós devíamos falar pelo espírito das coisas, e não pelo fonador, o aparelho mais estridente que nos pôde acontecer.

E como para falar são sempre precisos dois, o que falam dois o tempo todo metidos no falatório de cada um? Empolgam-se palavrosamente numa constatação de que nada têm mais a dizer, e isso seria até bom se para tal se calassem de vez. Mas não! Há sempre uma reverberação pronta a soltar-se no trilho das causas, que os efeitos se geram por si. E dito isto, falemos então.

Não tanto que nos impeça a vida de colocar questões, nem de argumentar o irrazoável, mas das coisas concebíveis e nada mais, que o inconcebível foi esta natureza do eco partilhado por vozes tais que diríamos falácia. Falemos como nos sonhos nas noites de Verão, e se não nos doer a voz, cantemos! Nós devíamos retorquir às perguntas, respostas cantantes, e retirar de uma vez por todas a carga episcopal dos retóricos de serviço, libertá-los, que é gente amordaçada. Devemos uma certa misericórdia aos algozes frenéticos da palavra, sem a qual, a sua condição de escravos fonadores não se daria.

E soltos e mais livres, digamos pois somente o que nos inspira o pensamento, que nós sempre falaremos, e iremos Rumo a Bizâncio, o belo poema de Yeats, dizer a sua primeira frase a título de filme, que também «este país não é para velhos».

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