Milena Pires, a diplomata que quer ser a “voz jovem” na presidência de Timor-leste

Por António Sampaio, da agência Lusa

A diplomata timorense Milena Pires disse à Lusa que se vai candidatar à Presidência da República em resposta aos muitos apelos a que haja “um rosto jovem” na política do país, e que o faz com sentido de “responsabilidade e dever cívico”.

“Precisamos de caras novas, ideias novas e soluções também diferentes para as dificuldades e desafios que o nosso país enfrenta e vem enfrentando. É tempo de Timor-Leste ter uma mulher experiente e competente no mais alto cargo da magistratura da nação”, afirma, em entrevista à Lusa.

“Com toda a humildade, penso que tenho esse perfil e poderei responder a esse anseio da nova geração e de todos aqueles que reclamam mudança e transformação”, diz.

Milena Pires anunciou formalmente a intenção de candidatura ao cargo que tem sido sempre ocupado por homens, mesmo antes de o chefe de Estado Francisco Guterres Lú-Olo anunciar a data das eleições, previstas para março.

A pré-candidata considera que apesar das mudanças que o país já viveu nos últimos anos, Timor-Leste continua a ser “fortemente patriarcal, com muita influência e predominância dos homens na vida política e social”.

Motivo pelo qual, sublinha, “é importante haver uma face feminina e feminista nos mais altos cargos da nação para haver igualdade, justiça e verdadeira democracia”.

“Quando se testemunha a onda de violência e discriminação contra as mulheres e crianças, os LGBTI, os portadores de deficiência e os mais marginalizados e vulneráveis da nossa sociedade, a minha candidatura é importante para a mudança e transformação necessária a uma sociedade mais justa, inclusiva, solidária e equitativa”, enfatiza.

Milena Pires considera que “quando se trata de reconhecer a competência e a experiência nessa área, o fato de ser mulher, mãe e ativista pela igualdade e contra a discriminação, ajudará certamente, pois seria a primeira Presidente nesta condição”.

“Precisamos de exigir e incutir os mais altos standards e responsabilização nas figuras publicas do nosso país, para que sejam verdadeiros defensores dos direitos humanos de todos, em particular os mais vulneráveis da nossa sociedade”, refere.

A diplomata diz-se motivada por “grande sentido de responsabilidade e dever cívico” e vontade de dar o seu contributo a Timor-Leste e que a sua decisão surge em resposta a um “forte e constante apelo de muitos grupos de jovens e estudantes, em Timor-Leste e em várias partes do mundo que se juntaram” e a desafiaram a candidatar-se.

Apelos, nota, que enfatizaram a necessidade “de um rosto jovem na política timorense que possa dar corpo aos ideais de transformação e mudança há muito ansiadas pelos jovens e, de uma forma geral também pela sociedade timorense”.

A ex-embaixadora timorense junto das Nações Unidas, respondeu por escrito – a seu pedido -, a várias perguntas colocadas pela Lusa sobre a sua candidatura presidencial.

Sobre divisões que ainda permanecem entre timorenses do interior e da diáspora, Milena Pires diz que sempre contribuiu para a luta do país, dentro e fora, com funções de relevo e de representação nacional.

“O importante é dar o meu total contributo para esse povo e país que precisa urgentemente de avançar, de consolidar as suas instituições e de mostrar ao mundo que também podemos ser um exemplo de sucesso, de prosperidade e desenvolvimento. Todos os timorenses, independentemente da sua cor, religião ou passado podem contribuir para esse objetivo e ideal”, afirma.

“Vivi muitos anos fora de Timor, tantos quantos já vivi dentro do meu país. E considero isso positivo porque vi e aprendi com o mundo e com a necessidade de levar o meu país e o meu povo a uma situação diferente e para melhor, porque todos merecemos isso”, refere.

Mais jovem e com um percurso diferente dos chefes de Estado anteriores, Pires considera que apesar do reconhecimento quanto ao papel dos líderes mais velhos, fundadores da nação, se nota “algum cansaço na forma como a geração anterior conduziu e conduz a política”.

E 20 anos depois da restauração da independência – o próximo Presidente tomará posse nesse aniversário, em 20 de maio de 2022 -, “subsistem os grandes problemas de base e estruturais, quer económicos, quer sociais e políticos”, agravados pela pandemia da covid-19.

Questionada sobre quem apoiaria se não vencer e não passar à segunda volta, Pires insiste na sua “plataforma concreta e um conjunto de ideias, princípios e objetivos que irão mudar o rumo da política em Timor-Leste, mas diz que apoiará “o candidato que melhor garanta os objetivos e ideias e respeite os princípios” que defende.

O Presidente, considera, deve não só garantir o normal funcionamento das instituições e assegurar o respeito pela constituição, mas também “deve estar à altura dos desafios que o país enfrenta”, como fator de “unidade e coesão nacional”.

Prioritário será igualmente “a necessidade e a urgência de uma mudança política, de novas ideias e soluções para os problemas que o país enfrenta”, um trabalho de constante sincronização com o Governo.

E, finalmente, pretende contribuir para criar “uma imagem diferente de Timor-Leste no mundo” face à atual “imagem bastante fragilizada e desacreditada”.

“Precisamos, de alguma forma, renascer das cinzas que a enorme crise política, económica e social, e sobretudo e pandemia do covid-19 fez mergulhar o nosso país”, diz.

Milena Pires considera que o povo timorense deve escolher alguém “que possa representar a mudança e a transformação pela qual todos anseiam no país”, “competente e com provas dadas” e que “seja verdadeiramente o símbolo e o garante da unidade de todos os timorenses”.

A aposta na experiência internacional para chegar a PR

Embaixadora de Timor-Leste junto das Nações Unidas, entre 2016 e 2021, Milena Pires aposta na experiência internacional para chegar a Presidente do país.

Um dos membros da comunidade timorense na diáspora durante a ocupação indonésia, Milena Pires, 55 anos, considera que o seu passado político e profissional são “o suporte e a confiança que dão esse sentido e a razão de ser” à candidatura, como explica à Lusa.

Trata-se de um percurso que lhe permitiu criar uma “base bastante rica de experiência e competência” que, defende, ajudarão no exercício do cargo de chefe de Estado.

Durante a ocupação indonésia atuou sempre na frente externa e diplomática e depois do referendo de 1999, já em Timor-Leste, foi membro e vice-presidente do Conselho Consultivo Nacional da Administração Transitória das Nações Unidas (UNTAET), o órgão embrionário da futura Assembleia Constituinte e de que também fez parte, eleita pelas listas do Partido Social Democrata (PSD).

Milena Pires integrou o primeiro grupo de deputados do primeiro parlamento depois da restauração da independência, em 2002, mantendo o cargo de vice-presidente do PSD durante vários anos.

Soma-se a isso uma experiência larga em cargos de liderança em agências das Nações Unidas, como representante da UNIFEM em Timor-Leste e como membro eleito do Comité das Nações Unidas para a Eliminação de Todas Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW).

A diplomata esteve na fundação de várias organizações não-governamentais, foi assessora técnica e política em várias instituições não governamentais e ministeriais, incluindo o gabinete do vice-primeiro-ministro do IV Governo Constitucional e no Ministério do Comércio, Indústria e Ambiente.

O seu último cargo de relevo foi de embaixadora nas Nações Unidas em Nova Iorque, que ocupou entre 2016 e o ano passado.

Antes da sua nomeação para Nova Iorque, exerceu as funções de assessora para a Coordenação das Políticas de Indústria e Ambiente, junto do Ministério do Comércio, Indústria e Ambiente do Governo de Timor-Leste.

Entre 2011 e 2014 fez parte do Grupo de Peritas no Comité das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres (CEDAW), em Nova Iorque e Genebra, e antes disso foi assessora do vice-primeiro-ministro, coordenador da Gestão da Administração do Estado, durante o Quarto Governo Constitucional de Timor-Leste.

Com ampla experiência na gestão de políticas e programas de desenvolvimento, trabalhou em instituições governamentais e nāo-governamentais timorenses, bem como em organizações multilaterais, onde exerceu diferentes cargos.

Entre eles destaca-se o cargo de especialista para o Reforço da Sociedade Civil, no Programa “Justice Facility”, coordenadora do Setor da Justiça no Relatório do Estado da Nação e especialista para a Comunicação Social, no Ministério da Educaçāo de Timor-Leste.

Mulher do atual secretário-exexutivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), Zacarias da Costa, foi ainda conselheira no Serviço para o Tratamento e Reabilitação dos Sobreviventes de Tortura e Trauma, em Sydney, Austrália, onde também exerceu funções, ainda em início de carreira, no Conselho Timorense da Austrália.

Durante a sua carreira, também exerceu funções em Inglaterra como “Asia Policy Officer” no Instituto Católico para as Relações Internacionais (CIIR), sediada em Londres, e depois, já em Timor-Leste, como Coordenadora de Programa e Chefe do Escritório do Programa das Nações Unidas para as Mulheres (UNIFEM).

Considera-se uma “ativista empenhada dos direitos humanos e, em particular, dos direitos das mulheres e da igualdade do género, bem como do direito a participação política”.

Milena Pires é autora de vários artigos sobre estes temas em livros e revistas da especialidade e participou em inúmeros seminários e conferências a nível nacional, regional e internacional, sobre temas que vão desde a participação das mulheres na tomada de decisões, a violência contra as mulheres, e o tráfico de mulheres e exploração sexual.

Membro do Corpo Diretivo de várias organizações da sociedade civil, e membro fundadora da REDE FETO – a Rede das Mulheres Timorenses, é formada em Sociologia e Literatura Inglesa, e tem um filho.

As eleições estão previstas para março e qualquer candidato tem que formalizar a candidatura no Tribunal de Recurso com pelo menos 5.000 assinaturas. A data das eleições será anunciada este mês pelo chefe de Estado, Francisco Guterres Lú-Olo.

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