Doutrina pouco secreta

Ao nosso redor a vida toda se manifesta, num raio pequeno podemos abarcar o mundo, e tê-lo, não raro, a nossos pés. Sabemos das coisas entre uma saída e outra, e medimos o pulso vadio das sociedades até na banca do quiosque da esquina. Sabido, é que há por toda a malha do tecido social muita enfermidade nervosa como a violência doméstica, pontapés de uns e de outros, raivas já não muito surdas, grupos muito mais terríveis que os javalis que se abeiram das zonas urbanas, e é claro, um estado de nervos impróprio para uma salutar vivência de grupo. – Sim, grande parte do cérebro reptiliano encontra-se intacto mau grado as tentativas da Civilização, recrudescendo num tempo como este. – Pois passemos aos factos.

Na vasta ausência de reparo todo ele atormentado pela moléstia observante, há ainda quem possa ver numa quente tarde soalheira, presentes que gelam as veias na imagem de facas gigantescas. Não será apenas uma imagem, mas de um objeto que publicitariamente funciona como brinde; – dizem, é para a cozinha!- Pode ser, agora que toda a gente se dedica aos alimentos com manifesta incapacidade para outras coisas, presentes assim serão grandes incentivos para golpear o que quer que seja. Passamos então por dezenas de facas como se fossem rosários, descambando pelos lados dessas revistas cuja trapalhada também é tanta que deixa antever cruéis desfechos, talvez, quem sabe, por armas brancas.  Tudo isto se passa no mesmo tecido social em que os agentes defensivos como a Polícia, que ganha mal e não pode accionar os materiais, habita. Um cidadão precisa dela! Sobretudo aqueles que não têm mais ninguém que os defenda. Mas um país que acorda armado com facas, à boleia de publicidade de imprensa enganosa, pode ter um breve instante de insuportável lucidez.

É claro que nem sempre passamos por chamamentos belos com almas lustrais em nossos caminhos, por vezes os mesmos locais dão-nos encontros diferentes, como este, utensílios que devemos denunciar num estertor momentâneo: e mais nos parece inquietante quando o senhor do quiosque nada pareceu intrigado, acabando até por afirmar: – facas? Até já vêm metralhadoras! – Na «Doutrina Secreta» esse ramo Teosófico que piscava o olho ao nazismo havia…havia…como hei-de dizer? Havia então um lado ideológico ou fantasista que se nos debruçarmos não é completamente displicente, códigos, extravasar do fantástico, enfim, não nos repugna a silhueta cénica e enaltecida, os doidos deitaram-se nela correndo, compreendendo tudo à letra de modo infantil que é por natureza cruel, o que nos dá uma perspectiva também incrível do poder de persuasão deste pensamento, tido então como pensamento mágico: mas agora isto, ou seja, este outro nazismo, é destituído destes graus iniciáticos, é tudo à “machada”. Não se lhes nota nas paragonas de qualidade duvidosa que por detrás esteja a noção de um avatar vindo da Atlântida e outros locais imaginários. É a vacuidade em estado puro, duro, com objectos muito cortantes.

A sugestão que se segue para oferendas passaria talvez por chupetas um convite «Baby-Boom» para uma sociedade envelhecida demais onde as casas foram transformadas muitas delas em campos de batalha, que este nazismo já está demasiado incutido nas células de casebre para dele tirarmos mais benefícios. Também, e por desenjoo, formas mais orientais de manejo culinário, onde: oh bênção! Nem faca cortante nem garfo dentado servem para com eles se comer, e até macerar os alimentos, estando os utensílios contundentes entregues a chefes “kamikases”. É uma pobre Europa, esta, entregue aos vícios lúdicos do seu passado trucidario que todos os dias encontramos ao redor mesmo da nossa vizinhança. É um emblema de uma não “desconfinação” e uma chamada de atenção para os monstruosos adereços da antiga gruta dos sacrifícios. Estamos a ser orientados para fins bárbaros, continuadamente, já sem os aspectos subliminares que respeitem uma comum cidadania, e não me espantaria se como bem afirmou o senhor do quiosque as metralhadoras forem para breve ali vendidas.

« a noite para mim?…mantém-te forte, meu valente coração!

     não perguntes: por quê? –

Nietzsche – O Sol desce…

 

Pensamos com todo o corpo, este é o momento em que tudo é linguagem e observamos como acordam as sombras.

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