Sexanálise VozesSex Education Tânia dos Santos - 21 Out 2021 Depois de um hiato de dois meses, o regresso a este espaço de escrita vem divulgar a série que melhor caracteriza o sexo e os relacionamentos românticos em muitas das suas valências, tensões e dificuldades. A série Sex Education, da vossa plataforma de streaming mais popular, proporciona o espaço de discussão para os temas mais prementes do sexo na esfera do entretenimento – que como já sabemos, não é dos espaços mais críticos ou inclusivos da sexualidade. Ainda nos dias que correm, comediantes fazem uso de estereótipos de género e de excepções à heterossexualidade como se fossem alvo de gozo e de comédia. Um comediante disse recentemente que ser trans é um predicamento “hilariante”. Felizmente que muitos já lhe caíram em cima. Já começa a ser hora de produzir conteúdos televisivos que consigam ser mais inclusivos do que os clichés televisivos dos anos 90. A série Sex Education é uma lufada de ar fresco comparada com outros conteúdos onde a heteronormatividade continua a ser a representação de base da imaginação colectiva do sexo e dos relacionamentos. A série foca-se em adolescentes na escola secundária, o que poderia insinuar que é uma série para uma faixa etária particular. Diria que é uma escolha estratégica para explorar o período de vida em que o sexo parece ocupar a maior parte das preocupações das pessoas. Mas esta exploração é tão relevante nessa altura como depois, e a série mostra isso também. A íntima relação entre o amor, o sexo, a paixão e o tesão continuam a ser explorados ao longo da vida. Os pais dos jovens que por lá aparecem mostram que toda a gente tem espaço para crescer, ora no sexo, ora na intimidade. Só mantendo a saudável curiosidade sobre o mundo é que é possível percorrer esse caminho de aprendizagem: que é tão relevante na adolescência como no resto da vida. Porque a série foca-se no sexo em contexto educativo em particular, explora-se também o que é a educação sexual. O sistema educativo formal consegue ser opressor ao enquadrar a sexualidade única e exclusivamente na forma como se previnem bebés e infeções sexualmente transmissíveis. O foco no prazer – e de como é que se pode dar espaço a esta dimensão – é relevante para todos. A série consegue puxar a necessidade de se falar abertamente do prazer nas salas de aula, bem como em conteúdos de entretenimento. Todos sabem que o sexo dá prazer, mas se há coisa que o legado judaico-cristão ensinou é que o prazer não é um direito, é um desvio, uma tentação da pureza da essência humana. Estas representações precisam de ser desconstruídas, e a série faz um bom trabalho ao não moralizar o sexo. O prazer está sempre lá, não fossem as dezenas de cenas de sexo que a compõe. Esta série também faz um trabalho decente em mostrar diversidade de constelações familiares, românticas e de expressões de género. Há uma naturalidade muito bem-vinda. A série remete para as dificuldades que muitos jovens não-heterossexuais e não-binários sofrem no seu dia-a-dia – mas não as tornam problemáticas. Todos abraçam esta diversidade na utopia que podia ser reflexo dos dias de hoje, mas que ainda não é. Se se podia fazer mais e melhor em termos de representatividade televisiva? Claro que sim, a verdade é que as personagens principais continuam a ser brancas com tendências heterossexuais. Ainda assim, os escritores desta série tentam explorar o tutano das experiências diárias destes jovens e dos seus pais, até em contexto de terapia sexual e de casal. Os autores expõem dados com base na evidência, tentam desconstruir estereótipos e preconceitos, ideias que foram guiadas pelo consumo de pornografia: ideias erradas sobre o corpo, as formas das vulvas e o tamanho do pénis. Discutem sobre o orgasmo feminino e as muitas formas de sexo que podem existir. Há uma tentativa de criar um ambiente verdadeiramente sex positive. Também é verdade que há quem se chateie com o nível de inteligência emocional que estas personagens mostram: a maioria delas mostram uma maturidade relacional e sexual fora do normal. Pelo menos que nos sirva de referência que maturar a nossa relação com o corpo, o sexo, e os outros pode ser bem possível. Dentro e fora do ecrã.