Obras | Construção pré-fabricada promove rapidez e menos necessidade de TNR

A construção pré-fabricada tem potencial para ser o próximo capítulo em termos habitacionais em Macau, reduzindo custos e necessidade de mão-de-obra importada. Arquitectos defendem que a solução pode transformar o sector, mas duvidam da viabilidade para a renovação urbana

 

O futuro da construção civil em Macau pode passar pela aposta em modelos pré-fabricados, uma solução com menores custos e exigência de recursos humanos do exterior, e que poderá mudar por completo o sector da construção civil local. Recentemente, os responsáveis da Macau Renovação Urbana SA anunciaram que as casas pré-fabricadas serão usadas nos novos projectos, e mesmo no hemiciclo alguns deputados, como Wu Chou Kit, engenheiro civil de profissão, argumentaram a favor deste método.

Profissionais ouvidos pelo HM defendem que a construção pré-fabricada é, de facto, mais indicada para novos projectos. Além da zona A dos Novos Aterros, que terá casas pré-fabricadas, também o “Novo Bairro de Macau”, na Ilha de Hengqin, será edificado desta forma. A empresa Macau Renovação Urbana anunciou esta semana a criação de dois centros de formação sobre casas pré-fabricadas em Hengqin, destinados a estudantes de engenharia da Universidade de Macau.

A arquitecta Maria José de Freitas é uma das vozes que defende casas pré-fabricadas para novos projectos habitacionais. “O parque [habitacional] construído em Macau é bastante grande e há muitos edifícios industriais que estão desocupados e que precisam de reabilitação. Nesse caso, não me parece que a construção com painéis pré-fabricados seja a mais indicada, porque é preciso aproveitar a estrutura dos edifícios pré-existentes. Mas para construção nova, sim. Temos os novos aterros, onde essa situação poderá ser encarada.”

No entanto, Maria José de Freitas defende a necessidade de se fixar critérios ambientais através de leis. “Mais do que a construção com painéis pré-fabricados, que permite alguma rapidez, o que me parece importante é que exista em Macau um código de protecção ambiental. Refiro-me a fichas de protecção térmica relativamente ao interior do edifício que demonstrem que a construção permite economizar energia.”

Mais uma vez, Macau revela algum atraso na adopção de novos conceitos. “Em Hong Kong esses requisitos já existem, tal como em Zhuhai e Shenzhen, mas em Macau ainda se espera por um estudo. Esta opção tem de estar válida para a nova construção e para a já existente”, defendeu Maria José de Freitas.

Em 2012, a arquitecta participou em grupos de discussão sobre a possibilidade de fazer construção pré-fabricada nos países de língua portuguesa, numa acção conjunta com o Instituto de Promoção do Comércio e Investimento de Macau (IPIM). No entanto, essas iniciativas não deram frutos.

“Não houve muita viabilidade, os painéis tinham garantias, mas desenvolver as acções no terreno revelou-se um pouco mais complicado, talvez porque na altura fosse muito pioneiro. Mas agora, passados muitos anos, talvez faça sentido avançar em Macau.”

A arquitecta não tem dúvidas de que a construção pré-fabricada “é um futuro a explorar, mas em conjugação com outras metodologias”, algo que pode “produzir um maior resultado”. “Cada vez mais se percebe que a construção tradicional contém virtualidades que hoje em dia estão a ser descobertas. Há cada vez mais que aperfeiçoar códigos de conduta e ter a legislação térmica.”

Também o arquitecto Mário Duque considera que o método de construção deve ser usado em novas edificações. “Nas novas zonas previstas, e que podem ser planeadas de raiz, pode ser uma solução. [Para a parte da cidade já construída] têm de ser situações ajustadas caso a caso. A pré-fabricação serve uma realização nova, mas dificilmente serve uma recuperação”, apontou.

Um novo sistema

Outro alerta dado por Mário Duque é o facto de, caso se aposte na construção pré-fabricada, isso alterar por completo o sector, levando à necessidade de “formação local para que os profissionais de projecto passem a trabalhar tendo em vista a pré-fabricação”.

“A mão-de-obra de estaleiro passa a ser exclusivamente de montagem [e não de construção]. O acompanhamento técnico será depois uma área de especialização, e também na definição e construção das peças e na sua planificação em projecto. Essa tradição não existe em Macau, pelo que se isso acontecer, à margem de formação específica para técnicos locais, acaba por ser um sector que se extingue, porque a concepção é toda feita fora”, acrescentou o arquitecto.

Com peças produzidas em fábrica e montadas no local da obra, “a parte ligada à mão-de-obra deixa de ser tão necessária e passam a ser necessárias pessoas que saibam projectar dentro do tema.”
“Há o risco de o sector da construção se reduzir. É um sector da economia que se extingue, em termos de projecto e mão-de-obra”, frisou Mário Duque.

Um dos exemplos de construção pré-fabricada em Macau é o edifício do Hotel Regency, na Taipa, ou os antigos projectos residenciais no Iao Hon. Neste sentido, Mário Duque considera que “a pré-fabricação não está associada à má qualidade, porque a qualidade é colocada logo na concepção e nas peças”.

Menos TNR

Ouvido esta semana pelo portal Macau News Agency, Ao Peng Kong, presidente da direcção do Laboratório de Engenharia Civil de Macau (LECM), defendeu que a aposta em casas pré-fabricadas vai reduzir a necessidade de contratar trabalhadores não-residentes (TNR), além de tornar os projectos de construção pública mais eficientes, sustentáveis e rápidos na execução.

“Quanto queremos construir um edifício há um trabalho de reforço, fixação e de fundações. É um trabalho muito duro que exige muita mão-de-obra. Hoje em dia há poucos residentes dispostos a fazê-lo, então este tipo de trabalho exige muita mão-de-obra não-residente, a maior parte da China”, explicou.

Lee Hay Ip, presidente da Associação das Empresas Consultoras de Engenharia de Macau, defendeu em declarações ao HM que este tipo de construção “oferece mais vantagens tal como um melhor controlo de qualidade, maior rapidez na construção e, o mais importante, menores impactos ambientais” em relação ao modelo tradicional de construção.

Na visão do profissional, a tendência geral deverá levar ao “desenvolvimento dos padrões de construção para coincidirem com os padrões da China e das zonas da Grande Baía”.

“O Governo está a ir na direcção certa ao promover esta tendência”, referiu Lee Hay Ip, que acredita que a construção pré-fabricada pode ser aplicada também em projectos como estradas ou pavimentos no aeroporto, entre outros.

Tendência de crescimento, apesar da pandemia

O mercado da construção pré-fabricada poderá crescer seis por cento até 2026. É o que aponta o estudo “O mercado global de habitação pré-fabricada – crescimento, tendências, o impacto da covid-19 e previsões (2021-2026)” [Global prefabricated housing market – growth, trends, covid-19 impact and forecasts (2021-2026)], publicado pelo portal Mordor Intelligence. “O mercado está a ser conduzido pelo aumento da consciência face à alta customização e períodos curtos de construção que as casas pré-fabricadas oferecem”, pode ler-se.

Da parte das empresas de construção a procura também é elevada, refere o estudo, uma vez que pretendem “aumentar a segurança, produtividade, qualidade, custo e sustentabilidade”. Em todo o mundo estas companhias “enfrentam desafios em termos de recursos humanos e incertezas de custos”. Dados citados no documento revelam que “o custo relacionado com os trabalhadores das casas pré-fabricadas é menor”, uma vez que as habitações “custam 20 a 25 por cento menos” do que as construídas de forma tradicional.

O estudo aponta também que devido à “elevada popularidade na América do Norte e Ásia”, a tendência de crescimento da procura por este modelo de construção nos últimos anos pode alavancar este mercado alternativo.

O mercado norte-americano é apontado como o maior do mundo neste segmento, enquanto que a Europa é tido como o mercado com maiores possibilidades de crescimento, sem esquecer o Brasil e Japão.

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