Grande Plano MancheteMacaenses | Estudo conclui que nova geração assume naturalmente mistura racial Andreia Sofia Silva - 27 Jul 2021 Margarida Cheung Vieira, académica do Instituto de Estudos Europeus de Macau, defende na sua tese de doutoramento que não é óbvio que o macaense da nova geração se queira tornar chinês ou simplesmente assumir uma identidade de Macau, sendo “visível o conhecimento das duas etnias” herdadas dos seus antepassados Há muito que se fala no risco de desaparecimento progressivo da cultura macaense e da diluição da comunidade numa sociedade largamente dominada pela cultura chinesa, mas a tese de doutoramento de Margarida Cheung Vieira teoriza que, afinal, os macaenses da nova geração não querem simplesmente tornar-se chineses, ou ter uma qualquer identidade própria, assumindo a sua mistura racial. Em “Changing Macanese Identities in the Post‐Handover Era”, tese defendida em 2016 na Universidade de Southampton, mas que só recentemente foi tornada pública, a académica do Instituto de Estudos Europeus de Macau (IEEM) conclui que “nenhum dos macaenses [da nova geração] articulou o desejo de se tornar chinês, ou mesmo reflectiu o desejo de assumir uma ‘identidade de Macau’”, conceito desenvolvido por um outro académico e que difere das identidades chinesa e portuguesa. “O meu estudo contribuiu para mostrar como os macaenses afirmaram a sua percepção de serem racialmente misturados. Apesar da influência da sionização, as conclusões mostram disparidades e desvios em relação aos estudos locais que assumem que os macaenses vão simplesmente tornar-se chineses”, pode ler-se. Além disso, “em termos do conflito entre o macaense e o chinês, a maior parte dos participantes [da nova geração] demonstraram uma visão mais optimista e estavam mais convictos de que a situação irá melhorar no futuro”. Margarida Cheung Vieira dividiu a sua amostra em grupos que reflectem uma velha e nova geração de macaenses e olhou para a forma como se assumiram numa sociedade do pós-transição, já sob administração chinesa. Para isso, foram analisados temas como a identidade, linguagem e cultura. Marginais versus integrados Mesmo assumindo a sua mistura racial, a nova geração de macaenses acabou por encontrar estratégias de adaptação a uma nova realidade, nomeadamente na escolha da aprendizagem do inglês e do chinês como ferramentas de acesso ao mercado de trabalho. Estes, em comparação a uma geração mais velha, também deixaram de se sentir marginalizados. Os participantes da nova geração “expressaram uma menor adversidade e mostraram ser mais flexíveis na adaptação ao chinês de Macau”. Tal aconteceu graças a “uma maior formação académica”, uma vez que “a sua competência no cantonês parece ter aumentado a sua confiança enquanto seres racialmente misturados, o que os permitiu misturar-se com a maior parte da população chinesa com uma maior facilidade em relação ao grupo da categoria A [velha geração]”. Margarida Cheung Vieira conclui ainda que “o grupo da categoria B [nova geração] reconheceu o facto de o novo estatuto político de Macau ser uma realidade não reversível, uma vez que [o território] faz parte da China”. Desta forma, muitos macaenses de uma geração mais recente foram educados com as línguas chinesa e inglesa não por uma questão de identidade, mas numa tentativa de integração no mercado de trabalho chinês. Esta foi “uma escolha muitas vezes baseada em questões práticas, como a sua empregabilidade no futuro, mais do que uma escolha enquanto indicador de identidade”. Conclui a académica que, “muitos dos participantes do grupo da categoria B [nova geração] fizeram escolhas académicas estruturadas em questões similares, como benefícios nas suas perspectivas futuras e ter uma maior mobilidade no mercado de trabalho chinês”. Assimetrias passadas Em relação ao grupo de macaenses da velha geração, e que têm entre 40 e 60 anos de idade, permaneceu “um notável nível de marginalização”, além de que “expuseram mais dificuldades em negociar com os chineses na qualidade de macaenses, sobretudo como membros do funcionalismo público”. “Esta tensão deve-se em parte ao tratamento assimétrico aplicado a ambos os grupos étnicos (funcionários públicos macaenses e chineses) durante a administração portuguesa que aparentemente não se dissiparam, e essa diferença entre funcionários públicos macaenses e chineses consequentemente expandiu-se depois da transição”. A académica conclui também que “a parte do papel intermediário do macaense, juntamente com o enfraquecimento da importância formal da língua portuguesa, levou a uma erosão significativa da confiança do grupo da categoria A [velha geração], particularmente aqueles que dominam menos as ferramentas do cantonês. Muitos experienciaram isolamento e sentiram uma degradação por parte do poder chinês dominante”. Pelo contrário, os macaenses mais jovens “revelaram-se muito mais optimistas como resultado de várias oportunidades conferidas pelo facto de serem membros racialmente misturados de uma nova geração”. “As suas formações académicas, juntamente com a sua proficiência em cantonês, foram importantes para providenciar uma experiência de vida mais diversa e para não estarem constrangidos a uma única opção: um emprego na Função Pública. Mais do que isso, eles assumiram que o seu conhecimento de cantonês iria inevitavelmente garantir a sua integração na comunidade chinesa, servindo também de qualificação que os permite adaptar-se ao mercado de trabalho”, aponta a autora do estudo. Desta forma, os macaenses mais jovens que participaram no estudo não sentiram, na sua grande maioria, “marginalização ou vivenciaram um sentimento de alienação em relação à comunidade chinesa”. Menos vergonha O facto de muitos optarem por ter uma formação de base em inglês ou chinês não originou um sentimento de vergonha. “Nem todos os participantes que abandonaram a língua portuguesa o fizeram com um sentimento de vergonha, tal como demonstrado anteriormente”, revela o trabalho de Margarida Cheung Vieira. “À medida que a transição se aproximava, houve um pulsar por novos mecanismos de sobrevivência e tentativas de posicionamento estratégico com vista a uma aproximação ao poder chinês”, descreve a autora. Neste contexto, “esta provisão de línguas alternativas no sistema educacional de Macau tornou-se largamente adoptada pelos macaenses com o propósito de os preparar para o futuro num mercado de trabalho dominado pelos chineses”. O cantonês tem tido uma procura elevada em Macau, em grande parte devido ao impacto da influência chinesa e “do rápido crescimento económico, o que se seguiu por uma elevada procura pelo inglês (nos sectores da educação e do turismo). Por último, a língua portuguesa manteve-se em grande uso na área jurídica”. O português é hoje menos falado, mas “não significa que o idioma tenha desaparecido completamente de Macau”. De facto, explica a autora, “a língua portuguesa continua a desempenhar um papel em termos de cooperação comercial entre a China e os países de língua portuguesa, apesar de alguns participantes virem isso com alguma suspeita, sugerindo que este papel foi garantido pelo Governo Central chinês para dar ‘face’ à comunidade macaense”. Desta forma, “muitos participantes acreditam que há falta de convicção no esforço dado na promoção da língua portuguesa da parte do Governo chinês, mesmo que esta seja uma das línguas oficiais”. Falta de interesse Outra das conclusões é o facto de a cultura macaense não estar em risco de ser absorvida pela cultura chinesa, mas sim pela falta de interesse dos seus membros em continuar algumas das tradições elementares da sua cultura, como a gastronomia ou o catolicismo. “Descobri que a falta de interesse dos macaenses nestas práticas, e a sua preocupação com o posicionamento no mercado laboral, foram cruciais e, ultimamente, evitaram a prosperidade destas práticas culturais.” Assim, o impacto do avassalador progresso cultural chinês na língua portuguesa “foi mais explícito, uma vez que esta tem sido cada vez menos uma escolha para fins académicos ou de conversação”. Uma vez que os mais jovens “são muitas vezes acusados de desinteresse na sustentação das suas práticas culturais”, mesmo que “não exista um encorajamento suficiente ou motivação por parte dos macaenses mais velhos para desviar a sua atenção para a manutenção destas práticas”. A autora aponta que a família pode assumir aqui um papel importante na transmissão de elementos culturais. O HM tentou chegar à fala, por diversas vezes, com a autora do estudo no sentido de perceber se algumas conclusões deste trabalho sofreram alterações nos últimos anos, mas até ao fecho desta edição a académica não reagiu aos nossos pedidos de contacto.