Fórum Macau | Próxima conferência ministerial poderá “incrementar pendor político”

Cátia Miriam Costa, investigadora do ISCTE, defende que a próxima conferência ministerial do Fórum Macau, que tem sido adiada devido à pandemia, deverá revelar uma China apostada em investir mais no pendor político nas relações com os países de língua portuguesa e não apenas no lado económico. A académica defende ainda que o Fórum Macau devia divulgar mais dados e informações sobre o trabalho que faz

 

A próxima conferência ministerial do Fórum Macau, ainda sem data marcada, deverá trazer novos pontos na cooperação entre a China e os países de língua portuguesa, sobretudo tendo em conta o contexto da pandemia. Esta é a ideia deixada por Cátia Miriam Costa, investigadora do Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE-IUL).

“Da parte da China vai haver uma tentativa de aprofundamento das relações e de ultrapassar esta missão apenas económica, incrementando o pendor político do fórum, embora ele seja sempre político porque está em causa um instrumento de política externa”, disse ao HM.

O pendor político de que fala Cátia Miriam Costa passa por um “maior alinhamento dos objectivos de desenvolvimento” e também de “crescimento das economias” ligadas ao Fórum Macau.

“Pelo lado da China, e dado o contexto internacional relativo ao país, haverá interesse em tornar estas relações mais diversas e mais profundas e politicamente mais relevantes, ultrapassando o foco meramente económico”, disse.

Além disso, a conferência ministerial poderá também ser um palco de discussão de ajudas a atribuir em contexto de pandemia. “Da parte dos países de língua portuguesa, [nomeadamente] os países africanos e Timor-Leste, que enfrentam o impacto da pandemia sem ter acesso a recursos como o plano de resolução e resiliência, como Portugal tem através da União Europeia, há a expectativa de aprofundamento das relações em algumas áreas, como o investimento produtivo ou a diplomacia de saúde.”

Para Cátia Miriam Costa, a China tem-se destacado neste domínio nos últimos meses, nomeadamente através de acções que não passaram apenas pelo fornecimento de máscaras e de vacinas contra a covid-19. “Em alguns casos, nomeadamente nos países de língua portuguesa, passou também pela formação de pessoas no combate à pandemia. Há essa expectativa de envolvimento da China nestes países em sectores de cooperação nos quais o país se tem vindo a afirmar. Ao nível das infra-estruturas de transportes há também uma expectativa de manutenção e diversificação ou até aprofundamento das relações bilaterais neste contexto multilateral”, acrescentou.
De frisar que a sexta conferência ministerial deveria ter acontecido o ano passado, mas a data tem vindo a ser adiada devido à covid-19.

Um papel “complementar”

Cátia Miriam Costa analisa o trabalho desenvolvido pelo Fórum Macau num artigo académico recentemente publicado pela revista JANUS, publicação da Universidade Autónoma de Lisboa, intitulado “Macau: Uma ponte para os países de língua portuguesa”.

Neste texto a entidade, criada em 2003, é descrita como sendo um elemento de política externa chinesa, que “apresenta uma organização pouco comum” e que “não pode ser caracterizado como uma organização multilateral pura”.

“O Fórum Macau é fruto da política externa chinesa. Aí a China assumiu a liderança no sentido da criação da própria instituição, no fundo para fomentar a ligação da China aos países de língua portuguesa utilizando Macau como plataforma. Em vez destes países estarem cobertos apenas pelas grandes organizações, como o Fórum China-África ou, no caso de Portugal, as relações serem só bilaterais ou através das relações China-UE, o que se pretendeu foi dar um privilégio a estes países no sentido de terem outro mecanismo de relacionamento”, explicou ao HM.

No Fórum “não há uma paridade total na representação dos países”, defende a investigadora, uma vez que “há um secretário-geral nomeado a partir da China e depois há secretários adjuntos em representação dos países de língua portuguesa, de Macau e do Governo chinês”. No entanto, esse modelo “não inviabiliza o objectivo com que este Fórum foi criado”.

No artigo publicado na revista JANUS, Cátia Miriam Costa conclui que Macau “assume [com o Fórum Macau] um papel complementar na diplomacia chinesa e na prossecução dos seus objectivos de política externa”. Neste sentido, “o território está autorizado e mandatado para estabelecer relações com os países de língua portuguesa no âmbito da paradiplomacia, podendo, por isso, proporcionar uma ligação através do Fórum Macau que depois tenha continuidade através do Governo local”.

Esta aposta fez com que surgissem em Macau entidades ou associações como a MAPEAL – Associação para a Promoção de trocas entre a Ásia-Pacífico e a América Latina, ou o Centro para o Estudo e Desenvolvimento da Indústria das Energias Renováveis entre Ásia-Pacífico e América Latina.

“O Fórum Macau tornou-se numa ferramenta adicional de atracção dos países de língua portuguesa para os novos projectos da China, sejam estes de carácter nacional ou internacional”, refere a autora do artigo, lembrando que a RAEM tem hoje uma responsabilidade sobre a política externa chinesa. A China, através do Fórum Macau, “conseguiu que o envolvimento [de Macau] fosse mais efectivo”, com um “aproveitamento mais eficaz das relações históricas”.

A falta de transparência

A forma de funcionamento do fórum só irá mudar se os Estados mostrarem vontade, defende Cátia Miriam Costa, que alerta para a falta de publicitação de dados e informações.

“Seria importante haver mais partilha de informação, sobretudo para valorizar o papel do fórum e para dar a imagem do que pode potenciar. Sem dados precisos sobre a evolução dos relacionamentos, sejam bilaterais ou multilaterais desde a existência do fórum, as missões que este levou a cabo e que resultaram na capacitação de recursos humanos ou no aprofundamento das relações comerciais, nunca percebemos bem qual foi o âmbito e a abrangência dessa acção.”

O Fórum Macau poderia ser “uma organização extremamente instrumental para o relacionamento entre a China e os países de língua portuguesa, mas que depois é bastante desconhecido em alguns países”.

“Muitas vezes há falta de conhecimento sobre a existência desta organização e quais os seus objectivos. Ganharíamos sempre em ter essa partilha de dados e uma maior transparência, embora não seja um caso de desconfiança ou de opacidade dos mecanismos, é mais o não se perceber até que ponto este fórum está a potenciar o relacionamento comercial e como é que este pode ser melhorado e diversificado”, frisou.

No artigo recentemente publicado, Cátia Miriam Costa dá conta que “os dados, em geral, aparecem agregados e os países de língua portuguesa são representados como um todo, pelo que desconhecemos as variações específicas para cada relação bilateral”.

É também referido que “os projectos como a capacitação e circulação de quadros ou as novas áreas integradas na cooperação protagonizada através do Fórum Macau não são quantificadas de modo a aferir-se sobre o sucesso das mesmas. Quer isto dizer que a organização não produz informação específica nem publica os dados sobre o cumprimento sectorial da cooperação ou de nível bilateral”.

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