Um Grito no Deserto VozesAquela noite em São Domingos Paul Chan Wai Chi - 11 Jun 2021 Em Macau, durante a Páscoa, o “Correr as Igrejas” é uma prática habitual. Como a Sé Catedral está em obras, todas as cerimónias que aí se iriam realizar foram transferidas para a Igreja de São Domingos. Foi por este motivo que na Páscoa de 2021 visitei pela primeira vez a Igreja de São Domingos, durante o “Correr as Igrejas”. Para os chineses de Macau a Igreja de São Domingos é apenas uma das muitas que existem na cidade, mas para os portugueses, ou para os seus descendentes, esta Igreja é muito especial porque ficou para sempre associada a um incidente político. Talvez porque houve derramamento de sangue, esta história seja raramente mencionada, mas, seja como for, a Igreja de São Domingos é um local único. Quando vou à missa em dias normais, só costumo olhar para o cenário que se ergue por cima do altar e raramente vou à parte detrás onde podemos adorar a Presença de Cristo na Eucaristia. Mas, nesta noite do “Correr as Igrejas”, visitei as traseiras do altar da Igreja de São Domingos, onde está uma estátua de Cristo. A estátua parece contar-nos a história desta Igreja e a longa escada de pedra, que se ergue em frente ao altar, também parece conduzir-nos à Pedra da Agonia, que fica em frente ao Altar Mor da Igreja de Todas as Nações, em Jerusalém. Nesse local, podemos meditar sobre o caminho que queremos trilhar; seguir os nossos caprichos ou optar por uma vida com um propósito, digna de ser vivida. Em Macau, desde que sejamos subservientes, sigamos a tendência em vigor e juntemos a nossa voz ao coro colectivo, a vida corre tranquilamente. Por analogia, quando a ideologia dominante apelava ao combate ao “vento desviacionista de direita de Deng Xiaoping”, poderíamos ter desenhado uma cruz no retrato de Deng. Mas, quando “O Bando dos Quatro” soçobrou e Deng Xiaoping voltou ao poder, veio a afirmar-se como o grande arquitecto das reformas e da abertura da China, pelo que será para sempre louvado. Se vivermos para comer e para levar uma vida confortável, negligenciando a nossa alma, o que é que nos vai diferenciar dos porcos que são criados para a engorda? À primeira vista, Macau parece ser uma cidade próspera e rica, mas se procurarmos melhor, as fraquezas vão ser reveladas. A obra de construção de “Box-Culvert” da Estação Elevatória de Águas Pluviais, que se arrasta há muito tempo, criou graves problemas de circulação. O objectivo era resolver o problema da acumulação das águas da chuva, mas muitas zonas de Macau continuam a ficar inundadas quando chove com mais intensidade. Diversos projectos do Governo, como foi o caso do megalómano, embora inútil, do Metro Ligeiro da Taipa, do Novo Estabelecimento Prisional de Macau em Coloane, em construção há vários anos, da proposta de Lei intitulada “Lei de protecção dos direitos e interesses do consumidor”, em discussão há dois anos, e das desorganizadas “obras viárias” que se estendem por toda a cidade, só têm suscitado o desagrado da população. Mas projectos e acções que promovam verdadeiras reformas, são raros e insuficientes. Se todos tivessem vontade de dar o primeiro passo, dizer o que pensam e agir independentemente dos seus próprios interesses, acredito que alguma coisa haveria de mudar. O abandonado sistema de recolha de resíduos na Zona da Areia Preta serve para demonstrar que Macau, a chamada cidade-feliz, poderia vir a ser ainda mais feliz. Se Jesus não tivesse entrado em Jerusalém, nem tivesse abandonado a cidade após uma breve estadia, e também não tivesse criticado os poderosos locais, acredito que nunca teríamos sido acusados do crime de tentar subverter o Império Romano e condenados à morte. No entanto, a escolha do silêncio não traz necessariamente a felicidade. Não vou falar sobre o que aconteceu na Igreja de São Domingos no passado. Mas, naquela noite, quando integrei o “Correr as Igrejas” e visitei este local, repleto de santidade e humanismo, compreendi profundamente a escolha de Jesus. Esta deveria ser também a escolha de cada cristão, que se proclama Seu seguidor. Para fazer do mundo um sítio melhor, as orações são indispensáveis, mas as acções também são muito importantes.