O segredo do cool

Esta crónica terá provavelmente o tom de uma reflexão de velho. Um tipo chega a uma determinada idade e o mundo que parecia mais ou menos compreendido começa a deixar de o ser. À medida que os mais jovens vão redefinindo aquilo que é «cool», rejeitando no processo os ícones da cultura popular e as múltiplas modas que um sujeito adoptou ou viu florescer à sua volta, o mundo torna-se menos simpático, dado que basicamente nos mostra na rua, nos cafés, no cinema, nas revistas de actualidade, na roupa que as pessoas vestem e um pouco por toda a parte, que a não só as nossas noções de arrojo estético e de beleza vão sendo substituídas por outras, como nos esfrega na cara a fatuidade da nossa contribuição para a grande passerelle da humanidade e, no processo, a nossa própria efemeridade, que tanto nos esforçamos por disfarçar, adornando-a com o pouco que cada um de nós aprendeu ou foi possuindo.

As redes sociais vieram redefinir essa noção de ícone que, há apenas duas décadas, pertencia quase exclusivamente à indústria do entretenimento. «Cool» era ser parecido com uma estrela de cinema ou da música, vestir-se como eles, fumar como eles, viver no limite do perigo e com um pé na decadência, se possível, como eles. «Cool» era uma daquelas propriedades subtis, difíceis de precisar de um ponto vista objectivo mas absolutamente evidentes ao contacto. «Cool» era qualquer coisa que os outros tinham e que nós, o resto, se esforçava por copiar ou a passar a vida fingindo não se lhe dar qualquer importância. «Cool» tinha um rosto. Melhor: tinha alguns rostos. Era uma espécie de caleidoscópio que o tempo girava para, como na frase do romance de Tomaso di Lampedusa: «tudo mudar para tudo ficar como estava».

Como muita coisa desde o advento da Internet e das redes sociais, o «cool» democratizou-se. Deixou de pertencer com exclusividade aos actores e cantores deste mundo (apesar do finca-pé que estes fazem na tentativa de segurar o manto do rei que se afastando) e começou a aparecer um pouco por toda a parte. Os «influencers», palavra que me custa tanto a dizer como a grafar tornaram-se um porta-estandarte do «cool» contemporâneo. Através das suas publicações, sobretudo no Instagram, cativam a atenção de milhões de pessoas que, embasbacadas em frente aos ecrãs dos seus telemóveis, sonham com passar férias onde aquela foto foi tirada, sonham com ter aqueles lábios, aquelas sobrancelhas (um dos maiores e para mim mais incompreensíveis fenómenos do «cool» dos últimos anos: a estética da sobrancelha), aquele corpo. «Cool» é, em grande parte, sonhar. Sonhar com poder, com a forma de poder mais imediata que existe, que é aquela que radica na beleza: o poder que se tem só por se aparecer. Ser «cool» é ganhar mesmo antes de o jogo começar, apenas por comparência.

Pelo que é muito natural que a beleza – e o «cool» – seja sobretudo pertença dos mais jovens. Como uma tocha olímpica, aqueles que vão perdendo a juventude ou a sua aura vão passando à geração seguinte (embora muito relutantemente) o fardo de alumiar.

Com a democratização do «cool» sucede um fenómeno mais ou menos semelhante ao das «start-ups» e do empreendedorismo. Toda a gente acha que ser «cool» é possível. Há cursos de Instagram. De selfies. Cada um dos aspirantes ao «cool» devota uma boa parte do seu tempo a escolher ângulos favoráveis para as fotos, a estudar onde, dentro das suas possibilidades económicas, consegue passar férias e causar inveja e/ou admiração aos seus seguidores. Mas há um contra-senso lógico nisto tudo. Por definição, ser «cool» está reservado a poucos. É um dos pilares da noção. Se toda a gente pode ser «cool», ninguém, por definição, o será verdadeiramente. É como ser herói, ou maluco.

O resultado é que cada página de Instagram de uma determinada faixa etária se parece com todas (salvo raras excepções) as páginas de Instagram daquela faixa etária. Toda a gente copia as poses, os trejeitos físicos, as expressões faciais de toda gente. A coisa não lhe cai a máscara ou acaba por efeito de um particular fenómeno de reforço em cadeia. Cada um vai mostrando o seu apreço em termos hiperbólicos pelo outro na esperança que o outro o retribua. Criam-se assim milhões de câmaras de eco do «cool» mediante as quais as pessoas que nelas habitam se vêem todos os dias diante de um simpático espelho de feira. É um círculo vicioso – e viciante. Um sujeito mente todos os dias na apreciação que faz dos outros – e sabe que está a fazê-lo – mas acredita que apreciação que os outros fazem dele é real. E leva isto a sério. E perde imenso tempo com isto. E entretanto envelhece. E é substituído.

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