Bragança é o novo Entroncamento

Lembram-se certamente que o Entroncamento foi durante muitas décadas conhecido como a localidade dos fenómenos esquisitos, raros ou mesmo misteriosos. Quando acontecia qualquer coisa de anormal em outro local lá se dizia “isso é um fenómeno do Entroncamento”. Pois bem, agora temos outro Entroncamento chamado Bragança.

Só que neste caso estamos perante factos muito tristes. Há uns tempos, Bragança chegou a ser notícia na capa da revista “Time” porque numa localidade tão pequena como era Bragança instalou-se mais de uma dezena de prostitutas brasileiras e aquilo foi o fim do mundo. Os homens brigantinos ficaram loucos porque nunca tinham visto mulheres tão lindas, com corpos esculturais e com a possibilidade de lhes “tocar”… Nesse fim do mundo, as esposas fizeram tudo para que as brasileiras fossem expulsas da terra já que os seus maridos nem iam dormir a casa.

Lutaram de tal maneira contra a presença das prostitutas que as autoridades correram mesmo com as “loiras” para fora de Bragança.

Desta vez, o “fenómeno” é muito mais grave e entra no foro judicial. Há crime em Bragança que chocou o país. Crime multiplicado por imensos casos e praticado há muitos anos por médicos e proprietários de agências funerárias e ainda por mais alguém que a Polícia Judiciária (PJ) está a investigar. Os crimes foram hediondos e já foram detidos dois médicos, um que até era o presidente dos Bombeiros Voluntários de Bragança e o outro ou outra, era, imaginem, a delegada de saúde. Estes clínicos passavam certidões de óbito sem sequer verem os cadáveres, confiando nos agentes funerários. Segundo as nossas fontes policiais, os crimes podem ultrapassar tudo o que se possa pensar, incluindo terem sido mortos por envenenamento ou outros métodos, para que os herdeiros recebessem espólios avultados e valiosos. Esses herdeiros dividiam depois o pecúlio com as funerárias e com os médicos. Isto, além de muito chocante é quase inacreditável. Quantos velhotes teriam sido mortos durante anos?

Provoca repulsa à maioria das gentes falar-se em pena de morte. Portugal foi dos primeiros países a abolir a sentença máxima em 1867, mas os tempos mudaram de tal forma e assiste-se a crimes tão desumanos e ignóbeis que já se ouve muita gente a concordar com a pena de morte para certos indivíduos, tais como os que abusam sexualmente de crianças com menos de dois anos de idade.

Bragança está a ferro e fogo. A PJ de Vila Real não tem parado um dia a investigar toda esta rede criminosa que pode ter ceifado muitas vidas de velhos brigantinos. Foram detidos já dois médicos e sete agentes funerários por suspeita de corrupção e falsificação de documentos. Neste país parece que só falta vermos elefantes a passear na praia do Estoril. Esta operação da PJ que foi denominada “Rigor Mortis” prendeu quem menos se esperava, o médico José Moreno, delegado de Saúde Pública, presidente da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Bragança, presidente da Assembleia-Geral da Santa Casa da Misericórdia e membro da Assembleia Municipal eleito pelo PSD. O povo de Bragança nem quer acreditar que esta “personalidade” fosse capaz de entrar num esquema tão criminoso e obscuro. Inacreditavelmente, os médicos envolvidos terão certificado a morte de centenas de pessoas à distância, a maioria das quais idosos que viviam nas aldeias, sem apurar se havia ou não indícios de crime. Isto é infame e repugnante.

Já foram realizadas 29 buscas domiciliárias e não domiciliárias e entre os detidos encontram-se seis homens e três mulheres, com idades compreendidas entre os 38 e os 67 anos, suspeitos da autoria dos crimes de recebimento indevido de vantagem, corrupção, falsificação de documentos e falsificação informática. Ora, se existia uma rede deste calibre tudo leva a crer que era intencional tirar a vida aos velhos para herdar as suas fortunas.

A que propósito é que os médicos emitiram e entregaram a agentes funerários, mediante contrapartida financeira, várias dezenas de certificados de óbito e respectivas guias de transporte de cadáveres sem praticarem os actos médicos que lhes competia legalmente?

A PJ já classificou os crimes como algo de “muito grave” por desconfiar que as mortes podem ter tido origem criminosa e porque o princípio da segurança no sistema de saúde foi posto em causa. As nossas fontes policiais não nos adiantaram os quantitativos recebidos pelos médicos, mas adiantaram que se cifra em muitos milhares de euros.

Um dos responsáveis da PJ de Vila Real que está a investigar o caso, adiantou à comunicação social que “Sempre que temos a emissão de um certificado de óbito, onde se faz constar informação relativa aos falecidos que é fornecida através de familiares, através de pessoas, sem que haja verificação concreta pelo médico no local, corremos o risco de ter situações em que haja mortes em que possa ter havido intervenção de terceiros sem que isso seja verificado conforme a lei impõe”, concretizou.

Presentes a tribunal, o principal arguido, o médico delegado de Saúde ficou com suspensão de funções e sujeito à medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, enquanto os restantes oito arguidos ficam sujeitos a apresentações bissemanais às autoridades e proibidos de contactarem entre si. A maioria da população de Bragança diverge da sentença e entende que deviam ter sido todos presos preventivamente. E é por estas e outras que o povo não acredita na Justiça.

*Texto escrito com a antiga grafia

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