China / ÁsiaCovid-19 | “Dilúvio” de doentes esgota camas em hospitais de Goa e desespera famílias Hoje Macau - 28 Abr 2021 Por Paula Telo Alves, da Agência Lusa O médico de Goa Oscar Rebello alertou ontem que a situação da covid-19 naquele estado indiano “é terrível”, com camas a faltar nos hospitais, por causa do “dilúvio de doentes” nesta segunda vaga da pandemia. “Em setembro, na primeira vaga, os casos aumentavam mais devagar, mas desta vez é um completo dilúvio”, disse à Lusa o médico do Hospital Healthway, em Goa Velha, em Pangim, capital daquele estado indiano. O médico, que fala português fluentemente, intercalado com algumas palavras em inglês, trata doentes com covid-19 há mais de um ano, e garante que a situação atual é a pior desde o início da pandemia. “É terrível, é um desastre”, disse à Lusa. “Antes, tínhamos tempo para assistir os doentes, organizar o oxigénio e o remdesivir [anti-viral para tratar a doença], mas desta vez é um dilúvio, uma trovoada”, lamentou. Apesar de “para já” não faltar oxigénio em Goa, como acontece noutros estados indianos, a afluência de doentes aos hospitais, “públicos e privados”, excede largamente as camas disponíveis, segundo o médico. “Os doentes estão como sardinhas”, contou à Lusa. “Há gente em macas e cadeiras porque não têm cama”, denunciou. “É horrível, não podemos manejar. Estamos completamente cansados, deprimidos, esgotados”, admitiu. O médico, nascido em 1952, disse estar particularmente chocado com a letalidade da doença entre os jovens. “Desta vez, jovens de 30, 35 anos, que não têm nada – não há diabetes, não fumam – estão a morrer. É uma tragédia enorme”, lamentou. O desespero dos doentes e famílias está a levar muitos a recorrer às redes sociais, noticiou na segunda-feira o jornal local Herald, e há mesmo quem peça ajuda à Igreja, num estado onde cerca de um quarto da população é católica, disse à Lusa o padre Noel da Costa. “Nós também recebemos chamadas e dizemos às pessoas que têm de contactar um médico, mas eles respondem: ‘Padre, todos os hospitais estão cheios, não há vagas, o que podemos fazer?'”, contou à Lusa o prelado. “Estão tão desesperados que ligam a toda a gente para ver se conseguem ajuda de alguém”, explicou. A Igreja tem apelado às pessoas “para ficarem em casa, porque a situação é muito má”, disse o padre. “Não há vagas nos hospitais, as pessoas estão a morrer em Goa, milhares estão a ser infetados”, lamentou. “Nós também nos sentimos impotentes”, admitiu. Na semana passada, o presidente da Conferência Episcopal Católica da Índia pediu aos bispos para realizarem um dia de oração a 07 de maio, “procurando intervenção divina para salvar o país da pandemia”, segundo a agência católica Union of Catholic Asian News. Em Goa, a maioria das igrejas “estão fechadas”, com os serviços religiosos a serem transmitidos pelas redes sociais, mas isso não vai impedir a iniciativa, disse o padre Noel da Costa. “Estamos a usar as redes sociais para avisar cada família, individualmente, através do Whatsaap, para rezarem”, contou. Goa, que faz fronteira com dois dos estados mais afetados do país, Maharashtra e Karnataka, registou na segunda-feira um novo recorde de casos desde o início da pandemia, com 2.321 novas infeções, além de 38 mortes provocadas pela doença. A situação já levou o ministro da Saúde daquele estado, Rane Vishwajit, a pedir medidas mais drásticas ao Governo. “Chegou a altura de Goa ter um confinamento completo pelo menos durante um mês, não podemos dar-nos ao luxo de perder mais vidas”, escreveu o ministro na segunda-feira, na rede social Twitter, adiantando que apelaria ao chefe do Governo, Pramod Sawant, para decretar a medida. O responsável do executivo recusou no entanto o confinamento, segundo os jornais locais, mas para o médico Oscar Rebello, é urgente impor restrições para “quebrar a cadeia de transmissão”. “Esses casamentos, festivais religiosos, casinos… Com certeza que o vírus se vai espalhar. Por isso, sim, sou a favor de um ‘lockdown’ [confinamento] parcial, pelo menos durante 15 dias”, afirmou. Com 1,5 milhões de habitantes, Goa tem “alta positividade neste momento”, disse à Lusa o professor de Física e Biologia Gautam Menon, que trabalha em modelos matemáticos de previsão da doença para vários Governos de estados indianos. Para o professor da Universidade Ashoka, “é provável” que o surto em Goa esteja relacionado com a presença da variante indiana, predominante no estado vizinho de Maharashtra, um dos mais afetados. Com uma população de 1,3 mil milhões de habitantes, a Índia está a braços com um surto devastador, com recordes de mortes e contágios durante cinco dias consecutivos, o que já levou vários países a oferecerem ajuda ao gigante asiático. A segunda vaga atingiu o país após uma redução drástica das infeções durante vários meses, o que levou muitos a especular sobre a possível imunidade da população à doença. “Na vida, a gente paga sempre a arrogância”, apontou Oscar Rebello. “Nunca se devia ser arrogante em relação ao vírus, é preciso continuar humilde”, defendeu o médico.