Bian Que e a ciência médica na China

O rosto espelha o interior do corpo, abertura para o mestre de medicina chinesa fazer a história da saúde do paciente pelos quatro processos de diagnóstico médico, referenciado já no ano de 501 a.n.E. Começa o olhar a inspeccionar, Wang (望), ouvir no som do falar e o cheiro do corpo, Wen (闻), com o questionar, Wen (问); fora do rosto, a confirmar o diagnóstico, medir o pulso, Qie (切).

Os problemas de saúde não se localizam num determinado ponto do corpo mas provêm do desregular, ou da interrupção dos fluxos energéticos que nele circulam por os meridianos verticais (jing) e horizontais (luo) a ligar em pares os órgãos yin com as vísceras yang.

A medicina chinesa tem um saber de milénios registado desde o século III a.n.E. no Tratado de Medicina Interna do Imperador Amarelo (Huangdi Neijing), o Livro dos livros de Medicina, ainda hoje usado, onde a filosofia do funcionamento do corpo humano está apresentada ao nível orgânico, com conexões à Astronomia, Geografia, Climatologia, …

A Prof. Ana Maria Amaro refere, “Com o século XI a.C. e a chamada época Chau (周) [dinastia Zhou (1046-256 a.n.E.)] começou o segundo período da História da Medicina chinesa, o período filosófico, já integrado na época histórica do Celeste Império. Este período recebeu a designação de filosófico, em virtude de serem os métodos usados pelos facultativos desta época, essencialmente indutivos, baseados numa espécie de Filosofia comparativa.

Apesar do domínio da Filosofia sobre todos os raciocínios médicos, que, deste modo, eram essencialmente teóricos, parece ter sido, esta, a época áurea da Medicina chinesa e aquela em que mais se desenvolveu a Medicina aplicada, ainda liberta das superstições com que o Taoísmo [aqui referido como religião criada no século II e não, Filosofia do Dao] viria a inundar, mais tarde, o Celeste Império. Supõe-se ter sido, apenas, cerca de 430-350 a.C. que a própria Ciência se organizou na China. Viveu, neste período, o famoso médico, comummente conhecido por Pin Chéok (扁鹊) [em mandarim Bian Que], tomado como um representante, mais ou menos lendário, desta nova fase.”

Primeiro médico

Bian Que (扁鹊, 407-310 a.n.E.), de nome Qin Yueren, nasceu em Cangzhou (Mozhou na Prefeitura de Bohai, hoje distrito de Renqiu, província de Hebei) no ano de 407 a.n.E. e na adolescência, durante dez anos foi protegido do grande mestre Chang Sangjun, com quem se iniciou como aprendiz. Revelando ser um excelente discípulo, o mestre transmitiu-lhe os conhecimentos médicos e tempos depois, Chang Sangjun sentindo aproximar o fim da vida entregou-lhe as receitas secretas.

Lendário médico, Bian Que ficou conhecido como grande autoridade em Acupunctura e Moxibustão, especialista em doenças dos sentidos (olhos e ouvidos) e ter rara sensibilidade para medir o pulso e diagnosticar. No entanto, dizia ele serem os seus dois irmãos mais velhos muito melhores pois, adivinhavam a doença ainda esta não se manifestara. Exerciam Medicina antes do tempo da profissão de médico.

Numa viagem de Bian Que pelo Estado de Qi, actual província de Shandong, ao visitar o Rei, o duque de Huan (374-357 a.n.E.), olhou para a face deste e percebeu haver ali um problema de saúde, ainda ligeiro, apenas na pele. Enviou aviso ao rei para se tratar, pois se não o fizesse o mal expandir-se-ia e traria problemas. O preconceituoso rei logo pensou: . Retirou-se sem ligar importância aos conselhos. Após semanas, Bian Que visitou o rei para saber como estava e olhando-o, avisou ter o mal já passado da pele para a carne. Era necessário tratar-se senão a cura seria depois muito mais difícil. Sentindo-se bem, o rei continuou a não acreditar, abandonando o médico o palácio desanimado por não ser escutado.

Dias passaram e regressou o médico à corte Qi e vendo o rei disse-lhe ser já o problema profundo, pois entrara no estômago. Sem se sentir mal, o rei continuou sem tomar precauções.

O duque Huan e Bian Que cruzaram-se na rua uma semana mais tarde, mas o médico continuou a andar sem lhe ter ido falar e este enviou um emissário a saber das razões de tal atitude. Bian Que explicou ser agora a abordagem à doença desnecessária pois, se para resolver o problema na pele era suficiente uma pomada, quando entrou na carne bastava usar as agulhas de acupunctura e chegado ao estômago curava-se com umas ervas-medicamento. Com o problema já nos ossos, não havia remédio. Após cinco dias, o Rei Duque Huan (Cai Huan Gong) sentiu dores no corpo e mandou chamar Bian Que, que desaparecera por saber nada mais poder fazer. Passados cinco dias, o rei morreu.

Outra história ocorreu no Reino Guo, onde hoje é Baoji, na parte Oeste da província de Shaanxi. Quando Bian Que aí chegou, o príncipe regente acabava de falecer. O médico logo foi ao palácio e questionando sobre os sintomas que levaram à morte, percebeu poder trazer à vida o príncipe. Com a permissão do rei, o médico observou o paciente e auscultando o pulso concluiu estar este em coma. Conjugando moxibustão e acupunctura com outros tratamentos, recuperou o filho do rei.

No período da vida de Bian Que foi escrito o Tratado de Medicina Interna do Imperador Amarelo (Huangdi Neijing), que nele está referenciado e a ele ligado. A partir do seu método escreveu Nan Jing, ‘Clássico do Imperador Amarelo e as 81 Dificuldades’ usado depois na Escola dos Meridianos de Energia.

“É atribuído a Pin Chéok (扁鹊) o Livro clássico versando problemas difíceis, Nan Keng (难经) [Nan Jing], onde discutiu, com grande mérito, várias designações de doenças nervosas, sobretudo a epilepsia, distinguindo-a das simples convulsões, embora fossem, então, referenciadas pela mesma palavra e registadas pelo mesmo símbolo gráfico”, segundo Ana Maria Amaro, que refere, Pin Chéok, “Médico da Corte, para todas as enfermidades, foi tragicamente assassinado por instigação de Lei Si, médico-chefe do Palácio Imperial, que invejava os seus triunfos inigualáveis.” Tal História ocorreu em 310 a.n.E. no Estado Qin, reinava Wu Wang (310-307 a.n.E.) quando este, numa prova de levantamento de pesos, ao erguer um ding, caldeirão de bronze, deu um mal jeito nas costas e o médico do Palácio, Li Xi [Lei Si], não o conseguiu tratar. Como na altura Bian Que viajava nesse reino foi chamado e por massagens acompanhadas com uma efusão de ervas medicinais curou o Rei Wu. Este logo o contratou como médico da Corte, mas Li Xi para se vingar mandou matar Bian Que, um dos mais brilhantes médicos que houve na História.

Recentemente foi encontrado num túmulo Han na prefeitura de Chengdu, província de Sichuan, um livro em bambu com 920 tiras e vinte mil caracteres cuja autoria se atribuiu a Bian Que, a que se chamou Tian Hui Yi Jian. Tinha nove partes sobre como tratar da saúde humana e uma outra, a dos cavalos. Nele encontra-se já registada as seis vias terapêuticos (6 Zhi) usadas para curar.

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