Sands | Saída da jurisdição americana pode ajudar na renovação de licenças de jogo

A venda dos negócios da Sands em Las Vegas abre portas para uma aposta ainda maior na Ásia, com Macau e Singapura à cabeça. Apesar de existirem opiniões divergentes, a maioria dos especialistas acredita que, dado o contexto político, o facto de haver menor influência americana na empresa pode ajudar na renovação das concessões de jogo. Mas, em qualquer dos casos, não há dúvidas de que o anúncio é sobretudo um sinal de compromisso com Macau

Com Andreia Sofia Silva

 

Nem tudo o que acontece em Las Vegas, fica em Las Vegas. Com o anúncio recente da venda dos negócios que detinha na região americana do Nevada, mais concretamente de dois edifícios, por 6,25 mil milhões de dólares norte-americanos (50 mil milhões de patacas) a Sands acaba de cortar o cordão umbilical com os Estados Unidos da América e apresenta-se particularmente focada em apostar no mercado asiático. Mais concretamente, no desenvolvimento dos investimentos feitos ao longo dos últimos anos em Macau e Singapura, onde a empresa é responsável por diversos activos.

Com a materialização do negócio, além de perder o prefixo “Las Vegas”, a empresa que passa agora a ser denominada apenas por “Sands”, desfez-se não só do icónico The Venetian Resort Las Vegas, que serviu de modelo para concretizar o projecto com o mesmo nome em Macau e o Centro de Convenções e Exposições da Sands. De acordo com o comunicado divulgado na passada quarta-feira, as propriedades vão ser adquiridas pelos fundos de investimento Apollo Global Management (proprietário da seguradora portuguesa Tranquilidade) e Vici Properties, que irão pagar pelo acordo, 2,25 mil milhões e 4 mil milhões de dólares, respectivamente.

Se por um lado o negócio é inevitavelmente um claro sinal de compromisso para com o mercado asiático, em particular com Macau e Singapura, dado o contexto internacional marcado pelas tensões políticas entre os Estados Unidos da América e a China, não é de afastar também a possibilidade de a decisão poder ser entendida como uma mostra de boa-vontade, um corte com a administração Trump e uma forma de oferecer garantias de não interferência norte-americana nos negócios feitos pela Sands em território chinês. Em termos práticos, em Macau, para além de investimento, isso poderá significar, maiores possibilidades de a Sands ver renovadas as concessões de jogo para continuar a explorar os casinos que detém no território, e que chegam ao fim em 2022.

Abrir caminho

Ouvido pelo HM, o economista Albano Martins é da opinião de que o negócio pode trazer vantagens nesse sentido, apesar de acreditar que a empresa deverá ter de antemão, “alguma informação de que haverá uma decisão favorável nas próximas licenças de jogo”.

“Como é sabido, o [fundador da Sands] Sheldon Adelson até há bem pouco tempo era um fervoroso apoiante do Trump. Não sei até que ponto é que, politicamente falando, as coisas não estão iguais ao que eram há uns anos atrás e que [investir noutras zonas do globo] não é um tiro no desconhecido. Mas como se costuma dizer, o risco é a alma do negócio. A Sands deve ter isso controlado e provavelmente tem alguma informação de que irá haver uma decisão favorável nas próximas licenças de jogo como eu, aliás, espero, porque o seu desempenho foi bom”, partilhou com o HM.

Contudo, alerta o economista, a questão que se coloca em termos futuros “não se põe ao nível do desempenho, nem das expectativas”, mas sim no “árbitro” que é a China, até porque, defende, “Macau não tem poder de decisão nessa matéria”.

“Se isto é uma forma de dizer, ‘nós queremos investir tudo em Macau’ e noutros sítios, isso é um sinal de compromisso [que pode facilitar a renovação]. Mas a China tem tido uma postura muito assertiva relativamente ao jogo. Por alguma razão anda sempre a pressionar Macau para se diversificar e a razão é simples: não quer o jogo. Na minha opinião, quando chegarmos a 2049 não haverá jogo em Macau”, acrescentou Albano Martins.

Também Ben Lee, sócio-gerente da IgamiX, consultora com sede em Macau dedicada à indústria do jogo considera que, além de ter sido motivada pela diminuição das receitas nas operações dos EUA, a venda “sinaliza”, perante as autoridades locais e da China, o compromisso da Sands com Macau.

“Uma interpretação possível passa por entender [o negócio] como um sinal de separação relativamente à administração Trump, com o objectivo de aumentar as possibilidades de renovar as suas consessões de jogo”, disse o especialista em declarações à Macau News Agency.

Já outro especialista com uma longa experiência na área do direito de jogo, que pediu para não ser identificado, não tem dúvidas de que passa a existir “menor influência americana na empresa” e que isso irá ajudar na renovação das licenças de jogo. Isto, apesar de considerar que, dificilmente, o cenário de não renovar estivesse em cima da mesa.

“Ao contrário de outras pessoas, nunca tive dúvidas de que a Sands China iria ver a licença de jogo renovada, independentemente de ser uma entidade essencialmente americana. Agora, se há uma menor influência americana na empresa? Sem sombra de dúvida (…) e acho que o facto de não estar sujeita à jurisdição americana ajuda à renovação”, partilhou com o HM.

Riscos e aventuranças

Para o mesmo especialista, o que pode vir a mudar com a venda dos negócios em Las Vegas, passa essencialmente por uma “diminuição do potencial para desenvolver projectos”, sobretudo porque “há sinergias que se vão perder” nas operações desenvolvidas entre jurisdições diferentes.

Em termos de apostas para o futuro, a mesma fonte disse ao HM que, além do “foco óbvio” em Macau e Singapura, tem “graves dúvidas” de que a Sands esteja interessada no Japão. Sobre outras paragens, considera que “apesar de não se falar muito”, tem havido, na Tailândia, algumas movimentações “muito interessantes” e com “grande potencial” para a Sands China.

Por sua vez, contacto pelo HM, o especialista em direito de jogo Óscar Madureira não é taxativo sobre o facto de o negócio “poder ajudar ou não na questão da renovação da licença”. “Não entendo que, à partida, isso seja encarado como algo que possa ajudar [à renovação]”, acrescentou.

Para Madureira, o que está em causa é, sobretudo, uma mudança de estratégia, que permitirá à Sands “apontar para Oriente” e até, tornar a operação mais local.

“Até há umas semanas atrás a Las Vegas Sands era considerada maioritariamente americana mas, com este passo, concluímos que está mais próxima de Macau do que de Las Vegas. É mais local”, partilhou com o HM.

Sobre a verba de 50 mil milhões de patacas afecta ao negócio, Óscar Madureira sublinha que, caso a Sands utilize o dinheiro para potenciar investimentos em Macau, esse facto pode marcar uma mudança no sentido em que circula o fluxo financeiro.

“Não há saída de capital de Macau para outros sítios mas sim o oposto e essa é uma enorme diferença na leitura que se fez até aqui. Na prática, a empresa deixa de ser vista como maioritariamente americana e agora, talvez seja exactamente o contrário, ou seja, mais local”, acrescentou.

Para Albano Martins, que considera que a curto prazo não haverá mudanças em Macau, o problema que se põe é precisamente o de “não existirem garantias que o dinheiro [da venda] vem para Macau”.

No entanto, e apesar de ser da opinião de que a Sands até pode vir a investir “noutras zonas dos Estados Unidos”, o economista voltou a frisar que “existem muitas certezas”, apesar dos condicionalismos que possam eventualmente advir das decisões tomadas pelas autoridades chinesas.

“Ninguém no mundo dos negócios faz grandes jogadas sem ter um tapete onde possa cair. E isto é uma grande jogada, portanto vamos ver se o tapete não se vai romper, porque aqui quem determina o que vai acontecer é a China”, referiu.

Espinha dorsal intacta

No comunicado em que anunciou a venda, a empresa fundada por Sheldon Adelson justificou a decisão “agridoce” com a necessidade de a companhia virar as atenções para os mercados asiáticos em desenvolvimento, apontando que as perspectivas de crescimento são “robustas”.

“O The Venetian mudou a face do futuro desenvolvimento dos casinos e cimentou o legado de Sheldon Adelson como uma das pessoas mais influentes na história da indústria do jogo e da hospitalidade. Ao anunciarmos a venda do The Venetian Resort, prestamos homenagem ao legado do Sr. Adelson, ao mesmo tempo que damos início a um novo capítulo da história desta empresa”, disse o presidente e director-executivo (CEO) da Las Vegas Sands, Robert Goldstein na mesma nota.

O presidente e director-executivo da empresa reforçou ainda o compromisso de apontar baterias para Oriente, em busca de oportunidades de crescimento.

“Esta é uma empresa focada no crescimento e, diante de nós, vemos oportunidades significativas provenientes de várias frentes. A Ásia continua a ser a espinha dorsal desta empresa e os nossos desenvolvimentos em Macau e Singapura são o centro das nossas atenções”, pode ler-se no comunicado da Sands.

“A estratégia de longa data de reinvestir nas nossas operações asiáticas e de devolver o capital aos nossos accionistas será reforçada através desta transacção”, acrescentou.

Recorde-se que a venda do icónico The Venetian em Las Vegas acontece dois meses depois da morte de Sheldon Adelson, fundador do grupo que faleceu aos 87 anos, no passado dia 12 de Janeiro de 2021, vítima de cancro.

Apesar de Sheldon Adelson ter iniciado a sua riqueza nos Estados Unidos, foi através dos investimentos em Macau que a sua fortuna explodiu. Os casinos em Macau geraram 63 por cento da receita da empresa em 2019, que foi de 13,7 mil milhões de dólares, seguidos de Singapura, que representaram 22 por cento da receita, e só depois os dos Estados Unidos.

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